Capítulo 06

Sentados em roda de uma fogueira que aquecia o entardecer naquele gelado lugar, Kalí esfregava as mãos no intuito de se aquecer. Ela não estava sozinha, depois de cinco anos, o número de pessoas com ela e Zadack cresceu, tendo eles agora um grupo de sete pessoas.

Uma dessas pessoas era uma jovem menininha loira, que olhava atentamente o fogo que queimava aqueles gravetos.

Kalí a observava enquanto fazia isso, se lembrando do momento em que Zadack a trouxe consigo naquela noite memorável em que fugiram do reino.

Até que a pequena menina levantou seu olhar até Kalí, sorrindo. E ela, sorriu de volta.

Kalí nunca conseguiria sentir raiva da menina, acabou desde cedo pegando carinho pela pequena princesa que agora criava como se fosse sua própria filha.

— O que as duas estão se olhando, em? — Zadack perguntou indo se sentar ao lado delas.

— Como é que o fogo faz os gravetos ficarem pretos desse jeito? — A pequenina perguntou.

Zadack sorriu pelas perguntas que crianças fazem, voltando seu olhar para Kalí, somente.

— Eu e Tery trouxemos comida, caçamos um belo jantar para essa noite.

— Que bom...

— O que foi, por que está tão tristonha?

— Não é nada...

— Ih, aí tem... O que foi em?

— Eu só... Queria poder voltar pra casa.

Durante esses anos, Kalí e Zadack conseguiam se estabelecer em um povoado distante, mas tiveram que largar tudo e fugir quando a fama do homem chegou por lá. Agora eles estavam em um lugar deserto até que encontrassem outro lugar para se estabelecer.

— Eu sei... Vamos precisar de mais dinheiro pra... Os próximos meses... Mas eu vou dar um jeito nisso.

Ouvindo aquilo, Kalí logo pensou que poderia estar pensando em usar a princesa como isca para tirar muito ouro dos soberanos de Óligun, e por isso logo o contrariou.

— Alguma hora eu vou ter que usar a Heven pra alguma coisa... — Ele sussurrou irritado para ela.

O fato era que Zadack só não tinha usado a princesa, que agora não se chamava mais Aurora e sim Heven, por causa de Kalí que acabou se afeiçoando a menina. Mas ele sabia que ele também estava começando a amar sua filha.

— Podemos conseguir de outra forma...

— Hum... — Zadack olhou para Heven, que ainda estava curiosa sobre o fogo. — Acho que sei o que fazer...

[...]

Em ABAD, os anos também se passaram para a pequena Adelly que também tinha cinco anos de idade.

Ela era uma menina alegre, adorava brincar em volta de sua casa com seus bonecos de pano, enquanto era observada por sua mãe.

Adiná via como os pais das outras crianças olhavam para sua filha, com aquela mecha branca. Adelly era muito nova para perceber, mas Adiná sabia o que se passava na cabeça deles.

Cada dia que se passava, Adiná se sentia um pouco pior, e isso a preocupava muito. Ela ainda conseguia trabalhar para gerar o sustento dela e da menina, mas sabia que isso não duraria para sempre.

Adiná se perguntava o que aconteceria no futuro, quando ela não estivesse mais neste mundo. Do jeito que as pessoas olhavam para a pequena Adelly, ela temia muito sobre o futuro da filha.

Mas a verdade é que o futuro seria muito pior do que ela imaginava agora.

Alguns meses se passaram e a rainha de ABAD deu à luz outro menino lindo e saudável, desta vez, ruivo como sua mãe e com olhos verdes como os de seu pai. Seu nome seria Atter, que combinava perfeitamente com suas feições. Atter era um pouco menor que Abnorú quando nasceu, pois o mais velho sempre foi robusto, e desta vez, Atter era mais magro.

   Os reis se alegraram em poder pegar no colo mais um saudável filho, o príncipe de ABAD, e desta vez sentiam que as coisas seriam diferentes.

   Os irmãos cresciam juntos no castelo, sendo observados por seus pais e por todos os habitantes do reino, que notavam a forte diferença entre ambos. Atter se mostrava ser um rapaz atencioso, bondoso e humilde, muito diferente de seu irmão Abnorú, no qual transpirava soberba e crueldade. Durante os anos que se passaram cada vez mais os irmãos se afastavam por serem tão diferentes. O príncipe mais novo desejava ter mais participação na vida de seu irmão, mas por vontade única de Abnorú, queria ver seu irmão bem longe de sua vida.

   Mesmo sabendo dos maus comportamentos de seu filho, a rainha preferia colocar vendas nos olhos e não enxergar as maldades que ele cometia mesmo as mais cruéis possíveis. Seu marido várias vezes a pegava chorando sozinha, e ao vê-la assim, seu coração se partia em mil pedaços nos quais ambos tentavam reconstruir com palavras de encorajamento. Era difícil saber que Abnorú havia se tornado um rapaz de má índole, e eles sinceramente não sabiam mais o que fazer.

Quando a mocidade chegou a Adelly, a menina percebeu que era diferente para os outros, e isso a incomodou por alguns anos. Ela viveu reclusa por algum tempo, e acabou se dedicando a algo que ouviu de sua mãe sobre plantas medicinais.

Adiná contava a filha que sua tia lidava com plantas medicinais e fornecia remédios e unguentos para muitos reinos, mas não fazia isso com ABAD.

Não se sabia o motivo do maior reino das quatro regiões ser tão assustado com o avanço dos medicamentos que ela fazia. Mas Adiná tinha quase certeza que achavam que era algo relacionado a feitiçaria.

É claro que Adiná tentou negar várias vezes aos reis a favor de sua irmã, mas o fato é que tanto sua irmã quanto sua sobrinha, que tinha a mesma idade de Adelly, foram expulsas do reino.

O povo de ABAD dificilmente ficava doente, por conta da imunidade alta que tinham, mas haviam ferimentos mesmo em tempos de paz, então a pergunta que ficava era, o que eles faziam para se curarem?

Adelly aprendeu tudo o que sua mãe sabia sobre as plantas medicinais até o momento em que sua mãe realmente piorou. E foi aí que as coisas começaram a ficarem ruins.

— Você precisa ir morar com sua tia. Só lá você vai conseguir viver bem e em paz, minha filha... — Adiná dizia a sua mãe, que estava deitada na cama.

— Não, mãe! Eu não vou deixar a senhora!

— Como você vai se manter sem mim? Você sabe que ainda não conseguiu trabalho por causa do seu cabelo...

— Não importa, eu ainda vou procurar alguma coisa... Mas eu não vou sair daqui...

— Meu amor... — Adiná disse passando sua mão pelo rosto bonito de Adelly. — Então... Vá para a casa da sua tia e... Peça um remédio para mim... Se ela não tiver... Aprenda a fazer...

Adiná disse isso apenas para fazer com que Adelly fosse embora. Ela não queria que sua filha visse ela morrer... E além disso, não existia cura para a doença dela. Talvez a irmã de Adiná poderia a convencer de ficar lá.

E conseguindo o que queria, Adelly concordou, arrumando suas coisas para partir... Foi doloroso dizer adeus a filha, mas era preciso... O que ela não imaginava era que essa não seria a última vez que iria vê-la.

[...]

— Tudo bem, abaixe um pouco o seu cotovelo. Você precisa estar com a coluna alinhada e com os olhos atentos ao seu alvo. — Zadack instruía Heven, que segurava um arco na mão.

— Assim? — Ela perguntou, olhando bem para o lugar que iria atirar.

— Isso... Muito bem... Quando estiver pronta.

Heven respirou fundo e soltou sua flecha, acertando milímetros distante de seu alvo, o que já era uma ótima pontaria.

— É, você errou.

— Ah, qual é? Pai! Eu fui super bem, você não viu? — Ela brigou com Zadack que saiu da área pegando um copo para tomar água.

— Não ligue para o seu pai, Heven. Você foi incrível! Tem melhorado muito, sabia?

— Ah, você só diz isso porque é minha mãe e não entende nada de arco e flecha. — Ela brincou.

— Ah é? Tudo bem, não a elogio mais. — Kalí cruzou os braços.

Heven sorriu e foi até sua mãe pulando nela para lhe dar um abraço. Mesmo já não sendo uma criança e sim uma moça, ela continuava travessa e aventureira. Pelo menos isso continuava igual, pois sua aparência mudou muito.

Seus cabelos loiros haviam escurecido e agora eram castanhos, e estavam curtos, acima dos ombros, muito mais confortável, de acordo com ela própria.

Seu estilo de roupas era muito diferente, também. Ela não suportava usar vestidos, ela gostava de usar calças como seu pai, e por isso pediu para Kalí fazer uma para ela.

Imagine, uma ladra profissional roubando de vestido? Um absurdo.

Ela se sentia muito melhor usando calças. Além disso, ela se via muito mais bonita assim.

— Se você não melhorar na pontaria, não vai comer hoje. — Zadack brincou, largando seu copo na mesa.

— Como é que é? Fui eu quem roubei esse bolo!

Zadack riu de sua filha, enquanto ela voltava a mirar o alvo, com outra flecha na mão pronta para fazer melhor do que antes.

E de repente, Zadack ouviu uma voz masculina atrás de seu ouvido.

— Você se apegou demais nessa princesinha... O combinado não era esse...

— Eu não fiz nenhum combinado com você, Nér. Além do mais, eu decido o que acontece e o que deixa de acontecer. Eu sou o chefe. — Zadack se virou para ele, e o encarou nos olhos terminando — Se não está satisfeito com isso, está livre pra sumir daqui.

Nér o encarou enraivecido, saindo da frente de Zadack indo para outro lugar. E com isso, Zadack suspirou incomodado.

— Não importa o que os outros achem... Heven é a nossa filha... E isso não vai mudar...

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