Os olhos de Edgar atravessavam as bordas amadeiradas da imensa janela, estavam fixos na imagem da rua lá fora: as pessoas indo e vindo em seus trajes superaquecidos, a neve embranquecendo tudo ao redor deixando o mundo monocromático, milhares de carros, alguns pontos amarelos, as luzes vermelhas enfileiradas… Diziam que aquele seria o inverno mais rigoroso que teriam. Suspiro. Pensou que Nova York não era tão encantadora quanto diziam. Ele, particularmente, preferia mil vezes o Japão...! Se
Théo era filho de Patrício Sampaio, um importante agricultor da região nordeste da Bahia. Ele amava e admirava o pai, mas, odiava que o vissem somente como filho o Coronel Sampaio – que de coronel não tinha nada além do “título”! Geralmente, seu pai era um homem bom e solidário com os outros - mesmo que, quando preciso, fosse duro –, isso, entretanto não impediu que conquistasse alguns inimigos por lutar para alcançar todas as ambições que alimentou em sua vida. Théo não o culpava por nada disso, apenas se sentia grato pelo pai por ter t
A alma de Violeta estava desolada. Ela sabia que José não era a melhor pessoa do mundo, mas, ele era o único irmão vivo que lhe restara e, da linhagem pioneira dos Torres, agora só restava ela. Ela, Violeta Torres, a mais rotulada de todas as Torres, a tida como mais frágil, a, secretamente, maldita como solteirona... Ela não se vitimizava por esses adjetivos que recebia, tampouco vivia culpando ou maldizendo os outros por não entenderem o que se passava com ela - e nem haveria de fazê-lo! -, ela apenas continuava a viver a vida que Deus lhe dera e buscava fazê-lo com o coraç&
O celular deslizou da mão de Edgar e, por pouco, não beijou o chão e se fragmentou em mil pedaços - Milena o alcançou rapidamente. Ele teve que desligar a ligação. Teve. Se continuasse ao telefone com tia Violeta entraria em colapso com ela do outro lado e isso era tudo o que ele não queria. As lágrimas que escorriam sem parar de seus olhos pretos não escondiam que algo estava errado, muito errado. Milena temia em perguntar o que havia acontecido, mas, usou as palavras. Ele não a ouviu - estava no mundo dos mortos, mais uma vez. Edgar se aproximou da parede e fez daquele pon
No velório de Torres, o sol não deu as caras. A chuva também não apareceu. O céu estava coberto de nuvens escuras que o encobriram mostrando a indiferença do tempo em relação à partida daquele filho de Deus. Enquanto o tempo escondia sua beleza, Joana, mesmo sem querer, estava particularmente deslumbrante. O vestido preto com tecido de veludo, de gola e sem mangas que ia até o joelho, marcava, sem vulgaridade, as curvas de um corpo que não escondia a paixão pela corrida; os óculos grandes com lentes pretas e as armações com detalhes dourados cobriam os olhos que se mantinham indiferentes diante da
A viagem de Edgar durou, no total, seis horas. Era um tempo menor com o que ele estava acostumado, mas, Milena já havia alertado que o jatinho era um dos mais modernos, o que dispensava a necessidade de pararem para abastecê-lo e diminuía o tempo da viagem. Quando desceu, Edgar sentiu o vento quente acariciar o seu rosto, e o artista pensou que aquela era uma maneira de a Natureza lhe dar boas-vindas. Ele fechou os olhos e inspirou levando aquele ar árido do nordeste da Bahia para os seus pulmões e lembrou-se de como é verdadeiramente se sentir em casa; o aconchego foi tamanho que, por debaixo de todas as roupas que ele utilizava, o calor começou a alca
O padre falou mil coisas lindas sobre Torres, e Joana tinha certeza que boa parte delas eram mentiras, mas, entendia que era um terrível hábito humano santificar certas personalidades após a sua partida. Torres não fora nenhum santo – essa era uma certeza que ela tinha – e não tinha a menor ideia de como poderia falar algo bom sobre ele com tantas concepções ruins guardadas em seu coração, mas, em seu íntimo, ela sabia que tudo daria certo. Théo deu um empurrãozinho em Joana indicando que a hora dela expressar seus sentimentos se aproximava, depois ele sorriu como quem diz: “Vai dar tudo certo&rd
Naquele dia, Joana insistia em desviar o olhar do calendário que decorava sua mesa, mas, acidentalmente, quando seus olhos se cruzaram com os números, viu que já iria se completar um mês desde que Torres havia falecido. Ela recebeu inúmeras ligações da tia, que tentava convencê-la a realizar uma missa de um mês para o descanso da alma do pai, mas, Joana preferiu não fazer e tinha seus motivos para tal comportamento: primeiro, porque ela estava cheia de ocupações na empresa; segundo, porque tinha que terminar de resolver algumas questões de seu casamento com Th&eac
Théo ainda estava baqueado com o que acabara de ouvir. Sentia-se confuso, ou pensava que era melhor se sentir confuso do que alimentar qualquer certeza que pudesse lhe machucar ainda mais. Pensando bem, ele não sabia, na verdade, o que poderia lhe machucar mais: a confusão ou a certeza. Esbarrou em Elba enquanto se afastava da sala de Joana. A secretária foi receptiva e simpática, como sempre era , mas, em meio a todos os sentimentos que dominaram Théo, não havia, naquele momento, qualquer espaço para ser recíproco. Ele lembrava de ter dito com palavras perdidas qualquer coisa sobre uma s