No velório de Torres, o sol não deu as caras. A chuva também não apareceu. O céu estava coberto de nuvens escuras que o encobriram mostrando a indiferença do tempo em relação à partida daquele filho de Deus. Enquanto o tempo escondia sua beleza, Joana, mesmo sem querer, estava particularmente deslumbrante. O vestido preto com tecido de veludo, de gola e sem mangas que ia até o joelho, marcava, sem vulgaridade, as curvas de um corpo que não escondia a paixão pela corrida; os óculos grandes com lentes pretas e as armações com detalhes dourados cobriam os olhos que se mantinham indiferentes diante da
A viagem de Edgar durou, no total, seis horas. Era um tempo menor com o que ele estava acostumado, mas, Milena já havia alertado que o jatinho era um dos mais modernos, o que dispensava a necessidade de pararem para abastecê-lo e diminuía o tempo da viagem. Quando desceu, Edgar sentiu o vento quente acariciar o seu rosto, e o artista pensou que aquela era uma maneira de a Natureza lhe dar boas-vindas. Ele fechou os olhos e inspirou levando aquele ar árido do nordeste da Bahia para os seus pulmões e lembrou-se de como é verdadeiramente se sentir em casa; o aconchego foi tamanho que, por debaixo de todas as roupas que ele utilizava, o calor começou a alca
O padre falou mil coisas lindas sobre Torres, e Joana tinha certeza que boa parte delas eram mentiras, mas, entendia que era um terrível hábito humano santificar certas personalidades após a sua partida. Torres não fora nenhum santo – essa era uma certeza que ela tinha – e não tinha a menor ideia de como poderia falar algo bom sobre ele com tantas concepções ruins guardadas em seu coração, mas, em seu íntimo, ela sabia que tudo daria certo. Théo deu um empurrãozinho em Joana indicando que a hora dela expressar seus sentimentos se aproximava, depois ele sorriu como quem diz: “Vai dar tudo certo&rd
Naquele dia, Joana insistia em desviar o olhar do calendário que decorava sua mesa, mas, acidentalmente, quando seus olhos se cruzaram com os números, viu que já iria se completar um mês desde que Torres havia falecido. Ela recebeu inúmeras ligações da tia, que tentava convencê-la a realizar uma missa de um mês para o descanso da alma do pai, mas, Joana preferiu não fazer e tinha seus motivos para tal comportamento: primeiro, porque ela estava cheia de ocupações na empresa; segundo, porque tinha que terminar de resolver algumas questões de seu casamento com Th&eac
Théo ainda estava baqueado com o que acabara de ouvir. Sentia-se confuso, ou pensava que era melhor se sentir confuso do que alimentar qualquer certeza que pudesse lhe machucar ainda mais. Pensando bem, ele não sabia, na verdade, o que poderia lhe machucar mais: a confusão ou a certeza. Esbarrou em Elba enquanto se afastava da sala de Joana. A secretária foi receptiva e simpática, como sempre era , mas, em meio a todos os sentimentos que dominaram Théo, não havia, naquele momento, qualquer espaço para ser recíproco. Ele lembrava de ter dito com palavras perdidas qualquer coisa sobre uma s
Joana estava na sala de estar. Ela se olhou no espelho e viu que o coque grego que prendia os seus fios médios ainda estava perfeito. Encarou a si mesma e viu, através da escuridão de seus olhos, a preocupação por perceber uma recente mudança no comportamento de Théo e era inevitável que não se perguntasse: “O que diabos está acontecendo?”. A verdade é que ele não a olhava mais nos olhos e, quando a olhava, não carregava aquele brilho que lhe era natural, ele não se aproximava dela como antes, ele não a tocava quanto antes e j
A festa de lançamento com as obras de Edgar estava cheia e, pelo que ele poderia observar, tinha um público muito mais diverso do que aquele que estava acostumado a ver em seus eventos em outros países. Ele não acreditava que toda essa diversidade fosse puro fruto do seu trabalho enquanto artista plástico, mas, era, também, fruto da curiosidade das pessoas surpresas com a presença dele no país, já que reiteradas vezes, ele afirmou que não tinha interesse em expor no Brasil.
Joana abriu os olhos. Demorou para que reconhecesse o lugar em que estava. Piscou algumas vezes para se dar conta de que era a casa de sua tia. Ela tentou esparramar o corpo pela cama, mas, esqueceu-se que era uma cama de solteiro e quase caiu de cara no chão. Naquele momento, sentiu falta do corpo quente e macio de Théo, no qual se abraçava todas as manhãs como um ritual para que o dia começasse bem, e não pode deixar de se perguntar se, com a quebra daquele ciclo, aquele dia seria tão bom quanto foram os dias passados. O celular dela tocou e ela sabia que era hora de trabalhar. Colocou o travesseiro
Diferente do dia anterior, naquele dia Joana não acordou só. Daquela vez ela estava aquecida, não pelo corpo de Théo, mas, pelo de Edgar. Os olhos dela se abriram lentamente com preguiça, mas, antes disso, ela sentiu a sua pele sobre a dele. Ela abriu os olhos e viu que eles estavam na fazenda, como sempre sonharam que seria – o que a fazia crer que aquilo, talvez, fosse apenas um sonho. Ela ergueu o corpo na cama e fechou os olhos por alguns instantes pensando que a qualquer momento poderia despertar, mas, quando abriu os olhos viu que ainda estava ali, ao lado dele. Não era um sonho. Ela sorriu, depoi