— João... durante qual guerra você estava vivo? A primeira ou a segunda?
— Teve uma segunda?
— Esquece. Eu sinto muito por tudo que aconteceu com você, queria fazer alguma coisa para ajudar, mas não sei se devia derrubar aquela manicômio. Você acha que lá ainda é assim?
Alice começou a chutar freneticamente um monte de terra, sentia raiva dos médicos, de Esperanza e principalmente sentia raiva do hospital mental. Cavou a terra com seus chutes até achar o que parecia um pequeno ossinho, talvez do dedo de alguém. Ela o recolheu e ficou jogando para cima e capturando no ar.
Muito tempo se passou enquanto ela descontava a raiva na
A volta de dona Ana do hospital rendeu um grande burburinho entre os vizinhos.Não era que estivessem sentindo saudades dela, mas ouvir fofocas era mais interessante do que ler o jornal para certas pessoas.A fofoca da morte de Fabián e da nova residente da casa de Rosário já tinha se desgastado. Agora dona Ana falava sobre o romance da enfermeira que passava pomada na queimadura de sua perna com o zelador 20 anos mais velho e casado.Tia Rosário aceitou ir até a casa de dona Ana comer um pedaço de bolo de limão que os vizinhos tinham preparado para dar as boas vindas. Mas não estava lá pelas fofocas, só tinha um pouco de consideração pela amiga. E também tinha uma quedinha por bolo de lim
Gabriel Valdés era um senhor de meia idade, quase na casa dos cinquenta anos. De família humilde, o trabalho no cemitério dos loucos era a melhor coisa que tinha conseguido. Como algumas pessoas que já passaram da época de perseguir seus sonhos e de esperar o amor, ele apenas queria trabalhar o menos possível, beber, fumar e sustentar seus vícios. De vez em quando, abria um buraco no chão e enfiava um corpo dentro, sem cerimônia nenhuma. Pelo menos uma vez por semana, ele ia ao lugar checar se tudo estava em ordem, embora vândalos não fossem um problema muito constante naquele cemitério quanto nos outros que já tinha trabalhado.Gabriel soube que alguém da vizinhança tinha oferecido um bolo de limão para comemorar algo. Era de sua consciência que sua presença e
Amélia se acalmou quando pôde ter a certeza de que Gabriel não era um fantasma desencarnado, mas apenas um senhor gentil que não queria bagunça no seu local de trabalho.Apesar de insistir em ir sozinha, acabou indicando a Gabriel o caminho de casa e sendo levada até lá.Alice estava sentada no sofá e quase gritou quando viu o homem entrando com a prima.— O que ele quer?— Quero falar com seu responsável.— A tia Rosário não está.— Não tem problema, eu espero.As duas
Após a conversa com a tia, Alice foi para o quarto. Encontrou Amélia penteando o cabelo vermelho de uma boneca particularmente feia. Franziu o cenho e se deitou na cama.— Me desculpe por ter culpado você — Amélia se apressou em dizer.— Tudo bem.— Não, não está tudo bem. Você levou toda a culpa por mim. Isso é horrível.— Eu não ligo.Alice roía as unhas e encarava a boneca de Amélia, pensando bem, talvez fosse mesmo horrível que ela não tenha dividido a culpa com a prima. Afinal, Amélia tinha sido a culpada de toda a desgraça, por ter v
Na manhã seguinte, Alice parecia ter se esquecido completamente do aviso da tia sobre o médico. Rosário conseguiu marcar uma consulta com um psicólogo dali há alguns dias e combinou de não contar nada a ela sobre o que se passaria.No telefone, a atendente recomendou que ela não tentasse impor restrições em Alice, ao contrário, a deixasse livre para agir da forma que desejasse, contanto que isso não prejudicasse a integridade física de ninguém. Assim, ela poderia falar mais abertamente e dar mais detalhes sobre seus pensamentos e ações dos últimos dias durante a sessão com o psicólogo.Começaram a manhã como qualquer outra, após o café, Rosário saiu com as crianças para a
Quando entrou, Alice encontrou dona Ana, Marco e outras duas vizinhas que não conhecia bem. Todos falavam sobre a mancha que tinha sido deixada sobre a imaculada dor da pobre senhora que enterrava o parente. Marco foi o primeiro a se dirigir a menina.— Ai está ela, parece uma prostituta.— Marco!Dona Ana dobrou os joelhos até ficar da altura de Alice, o que não teria sido necessário se ela não estivesse usando aquela salto preto com lacinhos na ponta, mas Alice os achou lindos.— Você sabe o que você fez!?— Eu não sei. — Tentou ir para o quarto, indiferente a todas as pessoas que estavam ali
Tia Rosário cruzou os braços e não ousou encarar Alice, que por sua vez, não estava com vontade de se explicar nem de falar com ela desde as palavras do bêbado."Falta pouco para ela ver o médico. Tenha paciência."- Eu lembro de ter falado para você ficar em casa.Alice não respondeu.- Vão descansar. Depois conversamos.- POR QUE VOCÊ NÃO BRIGA COM ELA?Amélia e tia Rosário olharam diretamente para Maurício. Não era do feitio dele gritar, ainda mais com a mãe.- O qu
Alice acordou por último naquela manhã, foi para a mesa do café e notou que nem tia Rosário nem as crianças estavam com seus fardamentos.— Não tem aula hoje?— Hoje tem aula, mas a mamãe vai faltar o trabalho pra te levar no médico e nós não vamos pra escola.Tia Rosário achou que seria inútil repreender Maurício depois que ele revelou o que aconteceria. Mais cedo ou mais tarde Alice saberia, e ela estava lidando com tudo isso muito bem. Seria perfeito se Rosário pudesse pagar uma consulta particular do que levar a criança até aquele hospício. Ela mesma só tinha visto o lugar de longe, e ainda assim sentia um calafrio ao pensar na estrutura. Para Al