Tia Rosário levantou da cama e saiu rapidamente quando Amélia disse que Alice havia sumido. Naturalmente, pensou que ela tinha decidido fugir e rumou para a saída da rua, sem se importar com o lado do cemitério.
Alice tinha acabado de pular o muro e voltava tranquilamente para casa, felizmente Amélia a viu a tempo de gritar pela mãe, que correu e abraçou a sobrinha.
- Onde você estava?
Alice sentiu pelo tom de repreensão da tia que não devia contar a verdade, apesar de não ver problema em ter ido dar um pouco de atenção para aquelas pessoas tão abandonadas.
- Estava brincando.
- Brincando de pijama no meio da rua e com o cabelo feio desse jeito? E ainda pior, saiu de casa sem minha permissão?
Alice abaixou a cabeça e ficou em silêncio. Tia Rosário lhe deu um longo sermão sobre o perigo de sair na rua sem a supervisão de um adulto. Secretamente, Amélia se sentiu orgulhosa por nunca ter desobedecido a mãe daquele jeito e concordava com tudo que ela dizia.
Ao anoitecer, Amélia ainda se esforçava para descobrir o que exatamente Alice havia ido fazer na rua. Não tinha acreditado nem um pouco naquela história de ter ido brincar. Por que sair para brincar na rua se podia simplesmente brincar com ela?
Pensou com seus botões até se cansar, quando ouviu uma batida na porta que tia Rosário atendeu. Era dona Ana, a vizinha que gostava de oferecer doces mas que tinha o defeito de ser terrivelmente fofoqueira.
Dona Ana entrou com um rapaz moreno a acompanhando. Sem serem convidados os dois se sentaram á mesa e tia Rosário se apressou em servir o chá.
Dona Ana colocou a bandeja de doces sobre a mesa e deu um tapa na mão no rapaz quando ele tentou pegar um. Amélia o reconheceu.
Era o afilhado de dona Ana, Marco. Sempre nas férias ele vinha do Brasil visitar a madrinha, era conhecido por perseguir e irritar as crianças que se arriscavam a brincar com ele. Uma vez tinha pego a cadeira de rodas de Amélia e a deixado no chão enquanto dava voltas pela rua apostando corridas com as outras crianças. Ela se lembrava bem, ele parecia muito mais velho desde a última vez que o viu, mas Amélia nunca esqueceria daquele rosto maldoso.
- Você cresceu muito, Marco. - Tia Rosário sorriu, entregando as xícaras.
- Soube que o seu irmão faleceu, sinto muito.
Claro, aquela visita era uma boa desculpa para dona Ana conseguir uma fofoca nova. Amélia apenas não entendia o motivo de Marco está ali.
- Sim...
- E a criança está com você?
- Está.
- Como ela é? Posso conhecer ela?
- A Alice ainda está sofrendo muito pelos pais e se adaptando a nova vida.
- Mas nós não vamos morder - Marco falou com seu sotaque esquisito.
Derrotada, tia Rosário mandou Mauricio chamar Alice e apenas pediu para Ana não fazer perguntas demais. Amélia não tirou os olhos de Marco, que de vez em quando a olhava e fazia uma careta.
Segurando a mãozinha do primo, Alice se aproximou, tinha se arrumado e estava mais apresentável. Dona Ana e Marco a olharam dos pés a cabeça, o que a fez estremecer.
- Quantos anos você tem?
Sem obter resposta, Marco se zangou.
- Ela ainda não aprendeu a falar?
Alice deu alguns passos para trás e apertou as mãos, ela não tinha medo dos mortos do cemitério, tinha medo dos vivos. Aquele garoto era definitivamente um dos vivos que a assustavam.
- E você ainda não aprendeu a ter educação? - Amélia enrubesceu de raiva e foi em defesa da prima.
- E você ainda não aprendeu a andar?
Um silêncio tomou conta da sala, até mesmo Alice que não tinha muita reação com as coisas olhou assustada para Amélia. Ela não falou nada, apenas virou sua cadeira e foi para o quarto.
- Pelo amor de Deus, Rosário. Eu não sei o que deu nesse menino, deve ser a puberdade. - Dona Ana tentou se desculpar.
Amélia ouviu as palavras de Ana antes de bater a porta do quarto, pouco segundos se passaram e Alice entrou.
- Vai embora, eu quero ficar sozinha.
- Ele é um idiota.
Pela primeira vez Amélia ficou calada e Alice insistiu na conversa.
- Eu tenho mais medo dos vivos do que dos mortos, eles sim podem nos machucar.
- Por que disse isso?
- Não sei.
Compartilhando a raiva que sentiam por Marco, Alice e Amélia se tornaram mais próximas. Como tia Rosário suspeitava, Alice confiava mais na prima para conversar do que em qualquer adulto. O único assunto proibido entre as duas eram os pais de Alice, mas um dia essa conversa aconteceu.— Você sente falta deles; dos seus pais?— Sim.— Eu também sinto falta do meu pai.— Como ele morreu?— Um acidente no trabalho. Ele era pedreiro.— Meus pais trabalhavam em uma agência de turismo.&m
Todas as crianças estavam ansiosas para o primeiro dia de aula nas escolinhas de Esperanza. Todas exceto Alice, que não frequentaria a escola naquela ano.Tia Rosário lhe deu mil recomendações, mandou ela ficar em casa lendo e fazendo qualquer coisa até ela e os filhos chegarem na hora do almoço.— A escola não é tão legal assim, queria eu ficar em casa — Mauricio a encorajou quando viu seu rostinho triste.— Tudo bem, é só por algumas horas e ano que vem você vai com a gente — Amélia falou.Alice permaneceu calada enquanto os três saiam, ouviu bem a conversa de tia Rosário e Amélia por trá
Quando tia Rosário chegou mais tarde a primeira coisa que encontrou foi dona Ana de braços cruzados e batendo o pé no chão.— Aconteceu alguma coisa?— Sabe quem eu vi saindo do cemitério?— Alice? Ela foi pra lá?— Foi, mas já voltou. Eu fiquei aqui vigiando a porta como a boa amiga que sou e...Tia Rosário não esperou que ela terminasse de falar e entrou em casa, Alice estava sentada em uma cadeira na sala de estar lendo um livro infantil de Maurício como se nada tivesse acontecido.— Você saiu de casa?
Afinal, dona Ana tinha sido útil. Ela vigiara todos os dias durante uma semana se Alice saia de casa para suas travessuras.Marco, que parecia ter se tornado um residente constante ia satisfeito falar para tia Rosário que dona Ana não tinha visto nada de suspeito aquela manhã, em troca ganhava alguma moeda.Alice sabia desse esquema, Amélia tinha contado a ela. Para não magoar a tia e nem levar outra bronca se limitava a ficar em casa fazendo qualquer coisa para passar o tempo, mas seu coração não tinha se conformado com o fato de não ter descoberto o nome daquele morto.Uma noite chegou aos seus ouvidos que dona Ana estava internada após ter sofrido um acidente na cozinha. Comemorou intimamente esse acontecim
TOC é um transtorno psiquiátrico de ansiedade que tem como principal característica a presença de crises recorrentes de obsessões e compulsões.Pacientes com este transtorno sofrem com imagens e pensamentos que os invadem insistentemente e, muitas vezes, sem que consigacontrolá-los oubloqueá-los. Para essas pessoas, a única forma de controlar esses pensamentos e aliviar o que eles provocam é por meio de rituais repetitivos, que podem muitas vezes ocupar o dia inteiro e trazer consequências negativas na vida social.Inês ValentinaParrilla- 1891Aos domingos acordamos cedo, as boas fam&iacu
Alice escutou toda a história de Inês. Nessa altura a chuva já tinha aumentando muito e seu corpo estava congelando. Não conseguia mais sentir a ponta dos dedos, mas isso não a fazia ter a mínima vontade de sair dali.— Eu sinto muito pelo que aconteceu com você. Olha, seu pai e seu irmão foram muito idiotas.Inês tinha parado de falar.— Na minha família também tínhamos tradições. Eu só podia abrir os presentes de natal depois que meus pais acordassem.Por um longo tempo o silêncio reinou, nenhuma palavra de Inês passou pelos ouvidos de Alice. Ela concluiu que tinha sido muito triste para a menina revive
De fato, Amélia foi a única criança a apresentar um trabalho sobre o cemitério dos loucos. O problema é que as fontes históricas de suas informações não era confiáveis ou nem sequer existiam, isso sem mencionar o fato de que as crianças que falaram sobre a praça e sobre a igreja ficaram assustadas com aquela história de varíola.Na volta pra casa, Amélia e a mãe tiveram uma conversa.— Não fique triste, não se pode tirar notas altas em tudo.— Acontece que as apresentações são as únicas coisas em que vou bem!— Você fez o trabalho com esse tema por
Alice e Amélia passaram alguns dias sem se falar.Na cabeça de Alice, tudo estava bem. Ela mesma passava algum tempo mais quieta de vez em quando. Mas Amélia achava que estava dando um baita gelo na prima.Tia Rosário percebia o clima ruim entre a duas, uma tarde tentou animá-las com um jogo complicado de tabuleiro que apenas Maurício estava interessado.— Dez pontos para quem acertar quanto é dois mais dois!— É quatro!— Dez pontos para o Maurício!Ninguém ligou.— Tem alguma outra coisa