Sexta-feira, 26 de janeiro de 2019
Já amanheceu, mas eu ainda não dormi. As palavras que a psicóloga disse na consulta de ontem se repetiram na minha mente a noite inteira: "O corte é uma cerca de arame farpado que você constrói no próprio corpo para manter as pessoas do lado de fora, mas mesmo assim, você anseia em ser tocada. E agora?"
Ela me pediu para fazer uma coisa que eu amasse. Fazer algo que me fizesse sentir prazer, alegria. Passo os dedos pelas cicatrizes nas pernas, passo a mão embaixo da blusa, nos cortes curados ou não. É tudo o que sou agora: cicatrizes e riscos.
Harry saiu hoje de manhã para a sua primeira viagem à trabalho, no novo cargo que George deu a ele: responsável por todas as filiais da rede de hotéis da família. Então fico sozinha durante o dia, já que Rebecca também e
Domingo, 3 de fevereiro de 2019Hannah e Becca olham para a minha mala. Tudo está arrumado. Becca diz, baixinho:— Não consigo acreditar que você vai embora.— Mas eu vou voltar — respondo.— Acho bom que volte — Hannah diz. — E vai ser bom para você, Grace. Mas vou sentir saudades.— Eu também vou sentir saudades — seguro a mão dela.— Você vai falar comigo pelo Skype? Uma vez por semana? — Becca pede. Os olhos dela estão firmes, suplicantes.— Vou, claro.— Ligue para mim sempre que precisar, Grace. Você vai ligar para as meninas? Elas irão sentir a sua falta. — Hannah pede. Ela está sem fôlego. Os dedos dela apertam os meus.— Sim, Hannah.— Você vai procurar uma psicóloga enquanto estiver lá? — Becca p
Eu estava chorando antes mesmo de ele se aproximar de mim, quase me derrubando quando nos abraçamos. Com os braços apertados em volta de mim, tudo que eu conseguia pensar era em puxá-lo para mais perto, beijando o topo de sua cabeça enquanto eu suspirava meses de alívio.— Oi, bebê — sorrio, com lágrimas.— Por que está chorando? — Gabe se afasta e olha para mim.— Porque estou muito feliz em ver você.Eu não queria soltá-lo, assim como quando ele era um bebê. É a sua risada que senti falta de ouvir todos os dias e aquelas perguntas aleatórias, do nada, que ele fazia com tanta frequência. Ele é uma das únicas coisas no Brasil que eu sentia falta.— Você ainda tem a sua mãe, sabia?Olho para cima quando ouço a sua voz. Mamãe sorri para mim. Gabe se afasta quando ela m
— Eu também senti sua falta — sorrio. — Eu não tenho certeza de como vou lidar com isso quando você tiver que viajar novamente, serão meses.Harry assente, e deslizo meus braços em volta de sua cintura. Então ele diz:— Desta vez é diferente, sabe? Antes eu sentia falta da minha cama, mas nunca senti falta de outra pessoa antes. E agora, eu literalmente sinto sua falta o tempo todo.Sorrio e roubo outro beijo.— Acho que vai ficar mais fácil. Quero dizer, passamos todos esses meses juntos. Só temos que nos ajustar com a distância. Vai dar tudo certo.Ele ri, pega um frasco de xampu e diz:— Desde quando você é otimista?Dou de ombros, pego o frasco da mão dele e o faço trocar de lugar comigo, para ele ficar debaixo da água. Rindo, ensaboo um pouco de xampu nas mãos e passo pelo cabelo dele, m
Sara continua a encará-lo enquanto ele sai pela porta dupla de vidro e passa em frente às vidraças, e então ela consegue olhar para mim de novo e percebe o que respondi.— Meu. Deus. Do céu! — exclama, de olhos arregalados e incrédulos. Eu coloco os lábios no canudinho para beber mais um gole.— Tá brincando comigo? — Sua expressão se transforma em puro choque. — Você tem um problema sério, Grace. Sabe disso, não sabe? — Ela se encosta na cadeira, cruza os braços e me encara:— O que ele está fazendo aqui?— Harry é super protetor, ele só estava se certificando de que estou bem.Sei o que Sara está pensando e não sei como contornar isso. Mas Harry não vai me perder de vista enquanto eu estiver insegura em sair. Sem falar que em breve ele terá que voltar para Londre
Sara está me levando até a casa da minha mãe. Passamos pela avenida principal, e vejo aquele beco. Meu estômago embrulha. Queria muito que existisse outro caminho para chegar até a casa da minha mãe, mas esta é a única via de acesso ao bairro. Meus olhos se enchem de lágrimas quando me lembrei do momento em que Ryan me atacou.“— Sai de cima de mim! Me solta! — Minha voz tremeu, mas eu tentei dar a ordem com a maior autoridade possível. Eu podia sentir o cheiro de cerveja em seu hálito e algo mais forte em seu suor, e uma onda de náusea subiu e caiu no meu estômago. Ouvi o som inconfundível de um zíper e ele riu no meu ouvido quando comecei a implorar.— Ryan, pare! Por favor, você está bêbado e vai se arrepender disso amanhã. Por favor, não! Não, não, não! — Sob
— O que aconteceu — ele sussurra, por fim.Não quero falar. Se eu disser em voz alta, vai se tornar real. É real.— Ela está morrendo — digo, entre soluços.— Ela está com câncer, Harry.Ele me aperta mais ainda, me põe no colo e me leva para seu quarto. Então me coloca na cama e puxa as cobertas para cima de mim. Depois de um tempo, a campainha toca. Ele beija minha testa e sai do quarto.Dá para escutar a voz dela após ele abrir a porta, mas não o que ela está dizendo. Harry está falando baixo, mas consigo entender o que ele diz. Então ouço ele dizer:— Ela está precisando de mim agora, Helena.Mais algumas coisas são ditas, mas não consigo distinguir. Depois de um tempo, escuto ele fechar a porta, e ele volta para o quarto. Sobe na cama, coloca os braços ao meu redor
E lá vamos nós.— Grace, estou tentando ao máximo ficar na minha. Mas ele alugou um apartamento há duas quadras da casa da sua mãe! Se não tentar pelo menos negar que esse cara é estranho, então vou imaginar que você está admitindo que seja verdade.Suspiro. Ela tem razão. Do seu ponto de vista, parece que está acontecendo mais do que está. Não tenho escolha a não ser contar a verdade, ou ela vai ficar pensando mal dele.— Tudo bem. Mas, Sara, você precisa...— Juro. Não conto nem para o meu gato.— Tá bom. Bem, lembra do cara dos meus sonhos? Que eu sonhava e sentia que era real? É ele. O cara dos meus sonhos existe, e é Harry.Ela está sorrindo. Hesito antes de continuar. Ela percebe pela minha linguagem corporal que a história não é tão feliz, e
— Não é para enfrentar o câncer, Grace. É para amenizar minha dor. É tudo que eles podem fazer a esta altura.As palavras dela fazem com que eu perca o resto de força que tinha nas pernas. Caio no sofá, baixo a cabeça no meio das mãos e choro. É incrível o tanto de lágrimas que uma pessoa só é capaz de produzir.Pego um lenço da mesinha e respiro fundo algumas vezes, tentando conter o resto das lágrimas. Estou mesmo cansada de tanto chorar. Minha mãe senta ao meu lado, e sinto seus braços cercarem meu corpo, então eu me viro para ela e a abraço.Meu coração dói por causa dela. Por causa de nós duas. Eu a abraço mais forte, com medo de soltá-la. Não posso soltá-la. Após um tempo, ela começa a tossir e tem de se virar. Fico observando-a enquanto ela se