Sara está me levando até a casa da minha mãe. Passamos pela avenida principal, e vejo aquele beco. Meu estômago embrulha. Queria muito que existisse outro caminho para chegar até a casa da minha mãe, mas esta é a única via de acesso ao bairro. Meus olhos se enchem de lágrimas quando me lembrei do momento em que Ryan me atacou.
“— Sai de cima de mim! Me solta! — Minha voz tremeu, mas eu tentei dar a ordem com a maior autoridade possível. Eu podia sentir o cheiro de cerveja em seu hálito e algo mais forte em seu suor, e uma onda de náusea subiu e caiu no meu estômago. Ouvi o som inconfundível de um zíper e ele riu no meu ouvido quando comecei a implorar.
— Ryan, pare! Por favor, você está bêbado e vai se arrepender disso amanhã. Por favor, não! Não, não, não! — Sob
— O que aconteceu — ele sussurra, por fim.Não quero falar. Se eu disser em voz alta, vai se tornar real. É real.— Ela está morrendo — digo, entre soluços.— Ela está com câncer, Harry.Ele me aperta mais ainda, me põe no colo e me leva para seu quarto. Então me coloca na cama e puxa as cobertas para cima de mim. Depois de um tempo, a campainha toca. Ele beija minha testa e sai do quarto.Dá para escutar a voz dela após ele abrir a porta, mas não o que ela está dizendo. Harry está falando baixo, mas consigo entender o que ele diz. Então ouço ele dizer:— Ela está precisando de mim agora, Helena.Mais algumas coisas são ditas, mas não consigo distinguir. Depois de um tempo, escuto ele fechar a porta, e ele volta para o quarto. Sobe na cama, coloca os braços ao meu redor
E lá vamos nós.— Grace, estou tentando ao máximo ficar na minha. Mas ele alugou um apartamento há duas quadras da casa da sua mãe! Se não tentar pelo menos negar que esse cara é estranho, então vou imaginar que você está admitindo que seja verdade.Suspiro. Ela tem razão. Do seu ponto de vista, parece que está acontecendo mais do que está. Não tenho escolha a não ser contar a verdade, ou ela vai ficar pensando mal dele.— Tudo bem. Mas, Sara, você precisa...— Juro. Não conto nem para o meu gato.— Tá bom. Bem, lembra do cara dos meus sonhos? Que eu sonhava e sentia que era real? É ele. O cara dos meus sonhos existe, e é Harry.Ela está sorrindo. Hesito antes de continuar. Ela percebe pela minha linguagem corporal que a história não é tão feliz, e
— Não é para enfrentar o câncer, Grace. É para amenizar minha dor. É tudo que eles podem fazer a esta altura.As palavras dela fazem com que eu perca o resto de força que tinha nas pernas. Caio no sofá, baixo a cabeça no meio das mãos e choro. É incrível o tanto de lágrimas que uma pessoa só é capaz de produzir.Pego um lenço da mesinha e respiro fundo algumas vezes, tentando conter o resto das lágrimas. Estou mesmo cansada de tanto chorar. Minha mãe senta ao meu lado, e sinto seus braços cercarem meu corpo, então eu me viro para ela e a abraço.Meu coração dói por causa dela. Por causa de nós duas. Eu a abraço mais forte, com medo de soltá-la. Não posso soltá-la. Após um tempo, ela começa a tossir e tem de se virar. Fico observando-a enquanto ela se
— O que está fazendo? — pergunta o garoto que não sei o nome.— Colocando em ordem alfabética — digo.— Colocando o quê em ordem alfabética? — Harry pergunta, cautelosamente.— Tudo. Primeiro foram os livros que você trouxe, depois achei esses DVDs aqui. — Aponto para as pilhas na minha frente. — Estou colocando em ordem alfabética de acordo com a categoria, tipo: ação, aventura, suspense... E dentro das categorias estou colocando em ordem alfabética por...— Gabriel, vá para sua casa com seu amigo. Vão avisar sua mãe que vocês voltaram — diz Harry, me observando. Eles não se mexem. Ficam olhando para os DVDs na minha frente. — Agora! — Harry grita. Os dois pulam, assustados, desviam o olhar e vão em direção à porta.— Sua irmã &ea
As luzes se acendem, e imediatamente cubro os olhos. Sento e vejo Harry ao meu lado, completamente adormecido.— Ei — sussurra Sara. — Bati na porta, mas ninguém respondeu, estava aberta. — Ela entra e senta no sofá. Fica observando Harry roncar, espalhado no chão da sala. — Eu sabia que ele era um careta — diz ela, revirando os olhos. Dou risada.— O que está fazendo aqui? — pergunto.— Vim ver como você está. Você não atendeu ao telefone nem respondeu minhas mensagens. Sua mãe tem câncer, então você decidiu desistir da tecnologia? Não faz sentido.— Não sei onde meu telefone está.Nós duas ficamos encarando Harry por um momento. Ele está roncando bem alto. Os garotos devem tê-lo deixado exausto.— Bom, acho que as coisas não correram tão bem
Quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019Passei a noite com Harry e volto para a casa da minha mãe na manhã seguinte. Sento na beirada da cama da minha mãe. Ela está dormindo bem no meio da cama. Fico observando o ritmo de seu corpo enquanto ela respira. A cada respiração, escuto o esforço de seus pulmões dentro do peito. Dos pulmões que a deixaram na mão.Estico o braço e afago seu cabelo. Ao fazer isso, alguns fios caem nos meus dedos. Afasto a mão de novo e lentamente seguro os fios ao redor do dedo. Deito ao lado dela na cama e a abraço. Ela encontra minha mão, e nós entrelaçamos nossos dedos enquanto conversamos sem dizer uma única palavra.Quando minha mãe pega no sono de novo, vou até o mercado. A comida preferida de Gabe é pizza caseira. Compro tudo que vou precisar para a refeição, volto p
Uma hora depois, uma variedade de pizzas está na mesa. Nunca seremos capazes de comer tudo isso.— Gabe, que tal ver se teu amigo já almoçou? E aproveite e chame Harry também — diz minha mãe, olhando para a mesa cheia ao mesmo tempo que eu. Gabriel sai em disparada pela porta.Ela coloca mais dois lugares na mesa enquanto eu encho os copos com suco.— Harry provavelmente vai nos ajudar com Gabe — digo para ela.— Por quê?— Porque quero levar você para os tratamentos de agora em diante. É demais para a sua amiga.— Tudo bem. — Ela olha para mim e sorri.Gabriel e o amigo Lucas entram correndo pela porta da frente, e um instante depois chega Harry, que pergunta, hesitante:— Gabe disse que vamos comer pizza caseira?— Isso — minha mãe responde, colocando pizza nos pratos. Harry se aproxima da mesa
Terça-feira, 12 de fevereiro de 2019Londres, InglaterraAbsorto em pensamentos, estaciono o jipe perto do beco. Nunca vim a esta parte da cidade. Mal sabia que existia. O céu está mergulhado na escuridão, a chuva fraca me deixa ainda mais irritado. Meus olhos se voltam para o painel do carro. Duas e meia da manhã.Eu prometi a mim mesmo que não apareceria quando ele me ligasse. Suas atitudes criaram uma enorme cratera em nossa relação, destruindo tudo o que fomos um dia. Mas eu sei que não poderei cumprir a promessa de ficar longe. Ele é meu irmão. Mesmo quando estraga tudo, o que acontece com frequência, ele ainda é meu irmão.Pelo menos dez minutos se passam até eu ver Natan sair mancando do beco, pressionando um lado do corpo com a mão. Endireito-me no banco e meus olhos encontr