Aquele era um dia definitivamente estranho.
A mente de Laura soube que era um dia diferente antes mesmo que abrisse os olhos, assim que o sol nasceu, em uma consciência completamente independente das vontades de seu corpo.
Sentia-se tão confusa ao acordar que levou um segundo para que entendesse qualquer coisa, seus olhos claros alarmados vasculhando ao redor como se tivesse certeza de uma presença além da sua no quarto, o coração acelerado tentando convencê-la de que seu corpo congelado na mesma posição em sua cama não passava de um idiota que deveria ser ignorado enquanto fugiam.
Se é que isso era possível.
De qualquer forma, seu despertar prematuro talvez não fosse nada além do resultado de um dia e uma noite inteiros na cama em repouso, como havia acontecido no dia anterior.
Estava muito bem acordada e seu corpo tenso relaxou a medida em que se deu conta de que estava sozinha no cômodo.
Se espreguiçou enquanto tentava organizar os pensamentos e foi aí que eles encontraram todo o sentimento responsável por tamanho alarde.
Iria para a escola e lá estariam todas aquelas pessoas e... Martina Lopez.
Seus olhos se arregalaram novamente e Laura se exasperou, o coração acelerando novamente e a respiração lhe fugindo do ritmo correto.
— Oh, Deus... — sussurrou para o vazio do quarto enquanto tentava mentalizar algum plano ou mantra que a convencesse a ser forte e enfrentar o dia que vinha aí.
E então, o barulho de uma porta abrindo e fechando quebrou o silêncio e por consequência sua concentração, a deixando alarmada novamente.
Ouviu risos baixos.
— Oh, querido... — era Clara com um suspiro — não... limpe isso, por favor....
As sobrancelhas de Laura se ergueram e ela se pôs o mais quieta possível embora estivesse temerosa quanto a realmente querer ouvir o teor da conversa entre os pais.
— Não está tão ruim — a voz de Gabriel soou, risonha, e Laura pôde ouvir a mãe protestar — ah, vamos... dias assim é sempre motivo para estar animado.
— Está certo, mas vá para o banho.
— Clara...
— Nem venha. Você está todo cheio de mato. Se livre disso.
— Argh, perder o sono acaba com seu humor — Gabriel resmungou — estou indo.
Laura fez uma careta, não querendo nem pensar no que quer que estivesse acontecendo. Ainda assim, sua curiosidade gritava sobre tudo o que indicava que os pais estiveram fora de casa durante a madrugada.
Ouviu-os se movimentando e uma porta próxima fechar. Não levou dez minutos para que portas se abrissem novamente e panelas tilintassem na cozinha, uma Beatrice resmungando e se arrastando do quarto um tempo depois.
— Eu primeiro, pirralha! — Edward passou pela irmã sonolenta em um esbarrão lateral em direção ao banheiro.
— Ed! — Beatrice protestou, irritada — eu cheguei primeiro!
O garoto se voltou para a irmã, um sorriso arrogante brincando no rosto.
— Isso não é verdade porque eu estou aqui — apontou para o chão que pisava no batente da porta do banheiro — e você aí.
Apontou para Beatrice, agora mais desperta e muito mais irritada.
— Eu odeio você! — ela bateu os pés — eu preciso lavar o cabelo, saia da frente!
Ela empurrou o irmão, que se segurou nas paredes do corredor. Beatrice era a mais forte entre os três, portanto não teria dificuldade em tirá-lo do caminho.
— Ih, sai fora, garota — Edward resmungou, resistindo aos empurrões.
— Saia daí ou vou chamar a mamãe — Beatrice ameaçou e Laura, ouvindo tudo em seu quarto, sorriu e negou com a cabeça pela péssima escolha.
— Ah, é? — Edward perguntou e Laura já sabia o que ele iria fazer.
— Ah, é — a caçula bufou.
Três...
Dois...
— Oh, mãe! — o garoto chamou — a Bea está me empurrando!
— Mamãe, ele não quer me deixar tomar banho! — Beatrice se defendeu.
— Mas eu cheguei primeiro!
— Que escândalo é esse? — Laura ouviu a mãe perguntar, irritada, e conteve o riso — Já virando que hora é essa? Estão malucos ou querendo uma chinelada?
Beatrice estava de ombros encolhidos, o rosto vermelho ainda da raiva causada pelo irmão.
— Eu só quero ir tomar banho, mas o Ed não quer deixar — ela reclamou e as duas se voltaram para o rapaz de expressão ingênua.
— É que eu cheguei primeiro — ele se explicou em um tom que sugeria que não tinha a menor ideia do motivo da birra da caçula, já que tinha toda a razão.
Edward tinha o dom de fazer Beatrice parecer que era sempre a louca que o atacava sem motivo algum, o que era algo perigoso se fosse considerar que ele era homem e a sociedade já estava sempre a seu favor.
Clara estreitou os olhos para o filho.
— Você tem dez minutos — disse a ele, que lançou um sorriso malvado para a irmã antes de se fechar no banheiro.
Clara se voltou para Beatrice.
— Você tem que aprender a ficar mais esperta e não deixar homem algum te passar a perna Bea — falou — nós, mulheres, estamos sempre na desvantagem e sempre precisamos estar um passo à frente para conseguirmos as coisas. Mas nós também somos mais espertas.
— Se sabe que ele estava fingindo, por que deixou que fosse primeiro? — ela perguntou, chateada.
— Porque ele foi mais esperto — Clara explicou — você precisa encontrar suas próprias armas. Não estou criando nenhum filho burro aqui, sei que é capaz de se defender se pensar mais um pouquinho. Agora aproveite para arrumar sua roupa e seu material e pensar em como ser mais esperta pra cima daquele merdinha.
Ouviu Beatrice rir da forma que a mãe falou do irmão para animá-la e sabia que o próximo passo era voltar para o quarto, deixando a mãe livre para verifica-la, assim, se levantou e correu para o banheiro, tendo a porta aberta no mesmo segundo em que se fechou no outro cômodo.
Clara ficou bastante satisfeita ao ver que a filha já havia levantado e voltou para a cozinha.
— Acho que Laura se sente melhor — disse ao marido que estava agarrado lendo o mesmo jornal velho de todos os dias — querido, preste atenção em mim quando estiver falando.
Gabriel ergueu os olhos para a esposa.
— Eu estou prestando atenção, mas também estou tentando fugir do assunto Laura hoje e aproveitar que está tudo muito bem — disse a ela antes de voltar para detrás do jornal e Clara revirar os olhos.
Só havia louco naquela casa.
Laura enrolou o máximo que conseguiu em seu banho, sentindo a água aquecer seu sangue e a mente correr solta por sua imaginação exasperada enquanto tentava decidir os próximos passos.
Sabia que em algum momento teria que sair dali e enfrentar o dia, mas tudo o que não sentia era coragem para aquilo.
Por que tinha que passar por isso?
Suspirou, se permitindo mergulhar na própria mente e acordando apenas quando ouviu o barulho do secador em algum lugar ao longe indicando que Beatrice já havia acabado seu banho.
Talvez a conta de água viesse um tanto salgada esse mês...
Saiu da água, se enrolando na toalha e deixando o banheiro em um ânimo que beirava a lamentação.
Vasculhou suas gavetas, mas não era como se mesmo que estivesse animada vestiria algo que não fosse a primeira coisa que encontrasse — no caso, uma camisa vermelha um tanto desbotada e sem estampa — e um de seus jeans surrados.
Não tinha plano algum de ficar mais bonita, ainda mais para ficar o dia todo sentada supostamente estudando.
Saiu assim que considerou que a mãe se contentaria ao ponto de não a m****r de volta ao quarto para se arrumar.
Beatrice ainda secava o cabelo, portanto quando desceu as escadas pôde ver Edward a frente da televisão, o pai sentado à mesa com seu jornal e a mãe na cozinha.
Sabia que os dois estavam tão imersos que o mundo poderia desabar sobre eles naquele momento e não perceberiam e que a mãe estava ocupada demais e mandaria ficar quieta para não sujar a roupa com preparo de comida, então tomou seu lugar em torno da mesa e se concentrou nos próprios pensamentos.
Não estava feliz ou animada, mas tinha um estado de ansiedade em seu corpo. Não sabia muito bem o que faria, mas tinha visto o tipo “não estou nem aí” que era Martina e sabia que não podia dar armas a ela.
Bem que a mãe tinha dito, ainda que não para ela. Era preciso ser mais esperta e encontrar as próprias armas para lidar com as situações. Aquelas pessoas tinham vantagem em conviver socialmente com gente de todo tipo. Martina visivelmente não se importava que fosse a garota mal humorada que a ignorava, além de gostar de encará-la, o que só podia ser para irritar.
Bom, se era na base da irritação que queria viver aquele relacionamento, poderia muito bem jogar aquele jogo.
O canto direito de seus lábios se curvou, o lado escuro que a tomava contente em poder descontar um tanto de seu humor ruim que tanto continha em meio a família.
Martina estava ansiosa para ver como Laura agiria naquele dia. Também havia prometido a si mesma pegar leve com a garota porque não queria que se sentisse mal como no dia anterior.
Laura se sentia meio enjoada com toda a expectativa e o medo de não conseguir nem olhar para a cara dela.
Olhava a mensagem que trocaram, tentando enfiar na cabeça que a garota estava tão nervosa quanto ela com tudo aquilo, então talvez fosse mais fácil.
— Laura! — a menina se sobressaltou ao ouvir a mãe chamar — nada de telefone durante as refeições.
Olhou em volta, percebendo que a família já se reunia e se servia de café da manhã.
Beatrice e Edward discutiam por uma torrada e o pai bebericava o café em uma xícara enquanto olhava o jornal mais velho que ela. Virando-se para Clara, Laura podia ver a mãe cortando alegremente suas panquecas com calda como se nada estivesse acontecendo.
— Me dê isso, Ed! — Beatrice exclamava em um tom alto o bastante para fazer Laura saltar e se encolher com sua voz.
O rapaz provocava a irmã ameaçando mergulhar a torrada em mel somente porque ela não gostava, já que o alimento já estava amanteigado.
Um suspiro frustrado escapou entre os lábios da mais velha, cujo mau humor crescia rugindo em seu peito como uma besta sedenta por controle.
— Ed, não! — Beatrice gritou e em um misto de raiva e ansiedade Laura afastou com violência a própria cadeira, tomou a torrada das mãos do irmão e jogou no prato da caçula.
— É assim que se lida com esse pé no saco — disse para a irmã.
Edward protestou um “Ei!”, mas ela simplesmente deu as costas para a mesa, subiu as escadas, pegou a mochila e desceu novamente apenas para se direcionar diretamente ao carro, onde ocupou seu lugar e aguardou pela boa vontade da família.
Clara suspirou, finalmente se voltando para os filhos com um olhar severo.
— Terminem o café da manhã de vocês sem mais brigas ao menos uma vez, pelo amor de Deus!
Edward, que nunca ousava se manifestar após nada que a mãe dissesse, se voltou para o próprio prato e comeu em silêncio enquanto Beatrice trocava um olhar com o pai antes de fazer a mesma coisa.
Foram sete minutos longos aos quais os quatro comeram em silêncio, até que terminaram a refeição e foram para o carro após pegarem o material e se despedirem de Clara.
Laura mal viu o percurso até ouvir as portas traseiras serem abertas indicando que tinham chegado e repetiu o ato de sair e seguir pelo pátio, onde os irmãos já se dispersavam em buscas dos próprios amigos.
Laura seguiu em frente, vendo Zuri e Davine abraçadas conversando com Piper e Maya. Parecendo um tanto distante da conversa, Martina parecia se esforçar em afastar seu nervosismo e participar do assunto, que era algo relacionado a Maya entrar para as líderes de torcida.
— Não seja boba — Davine dizia — não vai estar sozinha lá. Não acha que Zuri te deixaria largada, acha?
— Me sentirei muito ofendida se disser que sim — Zuri se adiantou em dizer, seu tom completamente preguiçoso e o corpo jogado completamente sobre o de Davine, que a envolvia com satisfação.
— Ah, eu sei, mas me sinto nervosa e...
E o que vinha Martina não conseguiu ouvir porque seus olhos encontraram Laura caminhando lentamente na direção do grupo.
Ela visivelmente evitava olhá-la, mas Martina achava que poderia lidar com aquilo se estivesse tudo bem.
— Hey, Laura! — Davine a cumprimentou quando se aproximou o suficiente para ser notada e assim encerrou o assunto de Maya de uma vez — estávamos te esperando. Você poderia dizer para essa nanica que ela tem sim cara de nerd?
Ela apontava Piper, que fez uma careta.
Os olhos de Laura saltaram por cada uma das garotas, parecendo um tanto assustada e nervosa com a inclusão súbita.
— Deixe a menina, Dav — Piper resmungou, revirando os olhos — Olá, Laura. Está melhor da sua dor de cabeça?
Laura se sentiu um tanto confusa, porém agradecida que Martina não tivesse dito que tivera uma crise de ansiedade, então assentiu.
— Uh... sim, obrigada.
— Você quer ir para a sala? — perguntou Martina — posso te passar a matéria de ontem das aulas que íamos ter juntas.
Laura assentiu, olhando rapidamente para as demais meninas antes de se afastar.
— A gente se vê depois — ela pôde ouvir Martina dizer antes de acompanha-la em silêncio até a sala de inglês e se sentarem lado a lado no lugar habitual.
Voltaram-se uma para a outra e pela primeira vez, seus olhos se encontraram.
Sentiram a troca de energia mais bizarra da face da Terra acontecer bem ali.
Laura sentiu-se aquecer por dentro, derretendo um pouco de todo o gelo que a envolvia em seu interior ao olhar naqueles olhos castanhos. Martina, por sua vez, sentiu toda a inquietação que a mãe chamava de fogo no rabo diminuir, como se entrasse nos eixos.
Elas franziram o cenho uma para a outra, percebendo ali que algo esquisito também se passava com a garota a sua frente, até que o segundo de trocas passou e um sorriso brotou no canto do lábio de Martina, fazendo Laura fechar a cara para a expressão pirracenta dela.
— Vai me passar a matéria ou não? — resmungou.
— Que matéria? — Martina perguntou, rindo.
Laura fechou a cara. Se ela queria agir assim, que fosse.
Revirou os olhos.
— Eu devia saber que uma baderneira como você não tiraria cinco segundos do seu tempo para abrir o caderno — zombou.
Martina riu.
— Baderneira, eu?
Laura torceu o lábio.
— E estou falando com outra pessoa agora? — retrucou.
— Pois você está muito enganada — rebateu — eu sou muito estudiosa, só não tem matéria alguma para te passar, mas não é como se estivesse interessada realmente.
— Como não?
— Sabemos que você não se importa com a matéria, apenas queria ficar sozinha com sua nova melhor amiga maravilhosa — disse em um tom arrogante, um sorriso torto permanecendo em seus lábios após se calar.
— Não sabia que seu ego tinha conseguido entrar na sala, ele é tão grande, como conseguiu? — Laura praticamente cuspiu contra ela.
— É muito simples, ele se agachou para entrar logo depois que seu mau humor gigantesco abriu passagem. Além disso, se minha bunda consegue passar por aquela porta, qualquer coisa consegue.
Laura arregalou os olhos para Martina, que observava sua reação com satisfação, a vendo bufar e revirar os olhos.
— De fato, se duas bundas tão grandes conseguem ocupar o mesmo espaço, não vejo como algo possa impedir qualquer outra coisa — disse de volta.
As duas se olharam em silêncio por um momento enquanto assimilavam que tinha colocado as próprias bundas em jogo, começando a rir quando a realidade caiu sobre elas.
Negaram com a cabeça.
— Garotas, vamos lá, quero iniciar a aula — ouviram o professor que sequer repararam já estar na sala.
Não falaram nada depois disso, ambas se sentindo mais relaxada após entrarem em um consenso silencioso de como se relacionariam.
Quando o sinal tocou avisando o final da aula, Martina se voltou para a garota ao seu lado com um olhar cuidadoso e perguntou:
— Você está bem, certo?
Laura a olhou, quando os olhos cinzentos entraram em contato com os castanhos ambas tinham uma resposta confusa de que sim, mas que havia ainda uma tempestade ali dentro, então ela assentiu uma única vez e respondeu:
— Estou.
Martina abriu um sorriso travesso, pegando o material e se afastando.
— A gente se vê então, Laurtiz — disse em um tom divertido.
— Cuidado para o seu ego gigantesco não ficar entalado em algum lugar — Laura provocou como despedida, recebendo uma risada e um aceno como resposta enquanto a garota se afastava.
Ela se levantou da mesa após reunir o material e caminhou pela escola olhando o horário para conferir onde seria sua próxima aula.
Tinha um calor crescendo e subindo pelas palmas de suas mãos de forma gostosa, mas totalmente estranha e nova. Se perguntava o que tinha sido aquilo quando olhou nos olhos de Martina, mas não tinha respostas.
Assim como a outra garota, ela não percebeu seus movimentos sincronizados. Cada piscar de olhos, movimento de ombros e bater de pé impacientemente no chão.
Laura caminhou sem olhar para lugar algum fora de si mesma e que não fosse necessário para se localizar e alcançar a sala, onde Zuri e Davine já estavam aos cochichos e brincadeiras internas. As duas ergueram os olhos quando a garota entrou, vendo um rubor diferente, mas quase imperceptível em suas bochechas.
Quando viu que estavam olhando, Laura decidiu que era melhor se render em prol de uma boa convivência e ser educada com aquelas garotas. Se aproximou e disse educadamente:
— Olá.
As sobrancelhas de Zuri e Davine ondularam, mas duas decidiram em silêncio não comentar, então apenas responderam um:
— E aí?
Laura deu de ombros, ocupando o lugar a frente das duas. Não prestava atenção na movimentação e olhares ao redor. Estava acostumada a eles, já que era sempre a garota nova. Não queria saber a impressão que estava causando, mas se prestasse um pouco mais de atenção já saberia que comentavam sobre como era bonita e seu olhar frio e impactante.
— A aula foi boa? Parece mais animada — Davine não conseguiu se conter.
— Até que não. Acho que é o clima esquentando — Laura disse, não dando muita atenção porque pegou o celular do cós da calça e verificou se tinha mensagem, encontrando uma de Martina e se distraindo totalmente do fato de que o professor tinha iniciado a aula.
Quando tiver química, NÃO SENTE NAS CARTEIRAS DA FRENTE.
Laura se conteve para não rir, mas se permitiu esboçar um sorriso.
Você está na frente? Perguntou.
Sim! Tenho dificuldade com os cálculos de química. Estou MUITO ferrada...
Eu me saio bem em química...
Você parece se dar bem em tudo. Deixe-me adivinhar: sua inteligência é natural, certo? Eu não sou burra, mas realmente preciso estudar.
Bom, você acertou e isso me deixou um tanto constrangida, mas ok. Eu posso te ajudar, se quiser...
Ótimo, vai ser minha professora particular. Obrigada, Deus!
Tem que agradecer a mim, não a Deus!
Eu estava agradecendo a Deus por você existir.
É tão difícil assim me agradecer diretamente?
Não, eu apenas não vou te dar o gosto.
Que cretina! Você não se engasga?
Com o que???
Com a forma ao qual puxa o ar desesperadamente pra inflar o próprio ego.
Martina fez um esforço gigantesco para não gargalhar naquele momento.
Eu até responderia, mas meu celular está entrando em pane com a chuva de baba que está voando em minha direção, mas isso não vai ficar barato.
Para mim nem barato nem caro, já que é você quem está pagando pra ver.
Laura enviou a mensagem, mas guardou o celular sem esperar a resposta que aparentemente não viria. Se concentraria na aula, mas havia coisa demais em sua cabeça naquele momento, de forma que até sentia certa dor de cabeça, mas podia dizer que estava se divertindo.
Sentia certa raiva de Martina e toda sua insistência, mas tinha que confessar estar adorando poder atirar seu mau humor sem medo de fazer alguém chorar porque estava sendo rebatida.
Tentou prestar atenção na aula, mas o professor que a iniciou era tão desinteressante quanto era possível ser, todo vestido de preto e com o cabelo seboso como se não o lavasse há anos apenas para parecer malvado como um personagem de livro.
Mas claro, aquilo poderia ser muito bem uma impressão causada pela imaginação superativa de Laura, que estava acostumada a ver tudo quanto é tipo de coisa e sonhar com lobos e pessoas de capa que flutuam e dão golpes mortais no ar.
Permitiu para a própria sobrevivência viajar na própria mente se perguntando pelos próximos passos que daria, já que era impossível voltar atrás e se isolar, tinha que planejar muito bem seus próximos passos para fazer valer a pena.
As palavras de seus irmãos sobre pessoas irem e virem ecoava em sua mente como um mantra para que mantivesse a sanidade.
Tudo ficaria bem. Tudo daria certo. Passaria por aquilo e sobreviveria a próxima mudança que fizessem, já que sempre se mudavam.
Tinha aparelho telefônico e isso poderia estender um pouco o prazo de validade de sua amizade com aquelas pessoas, ou seja lá o que aquilo fosse.
Eram colegas.
Isso, colegas estava bom.
Caminhou com ansiedade depois que o sinal tocou anunciando o fim da aula e tentou acompanhar o ritmo de Zuri e Davine, os olhos rodando pela sala assim que adentrou o ambiente procurando por Martina, que acenou para ela assim que colocou os pés na sala de aula, indicando o lugar ao seu lado, de onde retirou a própria mochila.
Laura ergueu o queixo, fazendo Martina rir conforme caminhava pomposamente e se sentava ao seu lado, finalmente a olhando de cima a baixo e concluindo:
— Você não parece muito babada — uma de suas sobrancelhas se ergueu e Martina riu.
— Por sorte eu tinha lenços de papel na bolsa, mas não toque em meu cabelo, precisa secar.
Laura fez uma expressão de nojo, mas disse:
— O visual seboso combina com você. Poderia se casar com o professor de álgebra se tivesse idade.
Martina fez uma careta.
— Caramba, você parece mesmo disposta a me condenar a danação eterna, né? — indagou.
— Você por um acaso sabe o que é a danação eterna? — perguntou, vendo Martina dar de ombros.
— Sei que é ruim, então isso basta — falou.
— Ok, então eu quero sim te condenar a danação eterna — falou — só porque é ruim para você.
Martina levou uma mão ao peito e fez uma cara ofendida.
— Au! — exclamou de maneira fingida — você é cruel. Estou quase desconfiando que você é do tipo torturadora de cachorrinhos.
Laura torceu o lábio ao se lembrar do sonho que tivera, mas antes que dissesse algo que nem tinha concluído se iria dizer, ouviu Davine tentar chamar a atenção da garota ao seu lado:
— Alô para você também, Margarete Martina, sempre tão adorável em cumprimentar as amigas!
E Martina se voltou para a amiga apenas para praguejar em sua direção usando uma língua que Laura conhecia muito bem.
— Você é latina — observou em voz alta — digo, isso é óbvio, né, mas não imaginei que falava espanhol.
Martina sorriu para ela de forma empolgada, quase se esquecendo da amiga inconveniente que a chamou pelo nome que mais odiava.
— Sim, eu falo. Você também? — perguntou e Laura assentiu.
— Isso é ótimo, sabia? — questionou e Martina franziu o cenho.
— Por que exatamente?
— Porque você vai saber quando eu estiver te xingando em espanhol, Margarete — a forma ao qual seu nome vibrou em sua língua quase a distraiu de como ficava possessa com a menção dele.
— Ah, vai tomar n... — viu o professor lançar um olhar ameaçador e amenizou — na garrafinha, se está com tanta sede, caríssima colega.
O professor ignorou o tom irônico que usou e a forma ao qual as garotas ao seu redor, incluindo a recém chegada Piper tentavam conter um risinho, e voltou-se para o quadro negro, onde começou a escrever o texto da aula.
— Obrigada pela preocupação, Margarete, seguirei sua dica com toda certeza — Laura devolveu, tentando não rir da cara indignada que a outra fazia.
— Má — ela sibilou — você é uma garota má, Laurtiz.
Os lábios de Laura se curvaram em um sorriso diabólico e ela se inclinou na direção de Martina.
— E você gosta — declarou.
Martina assentiu em concordância.
— É — falou — eu gosto.
E aquilo colocou um ponto final bem esclarecedor no momento em que viviam.
Apesar de começar a apreciar a companhia das garotas, Laura se sentiu completamente aliviada quando teve a aula de geografia sozinha, não ousando tocar no próprio telefone porque precisava de um tempo para si mesma ou enlouqueceria com a demanda gigantesca por atenção que estar com tanta gente trazia. Sentou-se em uma mesa no meio da sala por costume e suspirou quando uma garota que aparentemente também não queria muito assunto sentou ao seu lado, se limitando a prestar atenção na matéria entediante que parecia ser lecionada na base da raiva pela professora que tinha o tom de voz furioso ao explicar as coisas. Talvez ela estivesse irritada que tão poucas pessoas escolheram aquela matéria para a grade curricular, ou talvez apenas odiasse dar aula. De qualquer forma, foi um período suficiente para que Laura relaxasse um pouco da tensão que sentia, estando um pouco mais disposta ao entrar na sala de biologia e se deparar com todo aquele grupo de alunos que tinha
Laura acordou se sentindo um tanto estranha, como se fosse despertada por um gosto amargo na boca ou uma perna formigando. Não sabia dizer exatamente o que era aquilo até se flagrar olhando o celular para desligar o alarme e percebeu que ainda estava no meio daquela semana de energia caótica em que se meteu por culpa dos pais. Ela não queria se manter admitindo que estava gostando, então se limitou a culpar os pais como vinha fazendo desde que percebeu a sequência nada aleatória entre os próprios sentimentos e as mudanças constantes. Se flagrou repetindo os momentos que passou até ali com a turma de Zuri, sobretudo a tão inconveniente Martina que insistia em ter sua companhia. Estava refletindo sobre a possibilidade de voltar a dormir e ignorar que eventualmente teria que ir à escola apenas para adiar a situação que estava vivendo porque não podia gostar de tudo aquilo. Tinha que se lembrar do quanto doeria quando tivesse que ir embora. Nada parecia s
Laura se flagrou incrivelmente animada para ir a aula aquela manhã. No final da semana anterior esteve bem menos angustiada com sua mudança para aquele lugar horrível e se deu ao desfrute de permitir a aproximação de Martina e companhia, mas ainda era estranho, meio diferente. Ela ainda não esteve em um bom clima para dizer que estava gostando daquela coisa de estar entre tantas pessoas — ainda que geralmente fosse apenas Zuri, Davine, Piper e Martina — até porque ainda tinha na cabeça que ficaria ali por pouco tempo. E bem, aquela euforia súbita a havia atingido aquela manhã acima de seus medos e suas tristezas, a deixando de certa forma paralisada. Aquela cidade estava mexendo com seus ânimos da maneira mais estranha possível. Desse modo, Laura sorriu assim que compreendeu estar acordada, abriu os olhos, piscando lentamente para que se acostumasse com a luz do ambiente, e se permitiu observar as estrelas em seu teto por algum tempo. Eram tão
Ainda que tenha tentado ignorar, a ideia de entrar em acordo com Martina e ir ao treino mexeu intensamente com Laura e a atormentou por todo o horário. Daquela vez, Martina tinha ido embora depois do horário de educação física e Laura ficou sozinha no pátio aguardando os irmãos e refletindo sobre o assunto. Estava acostumada a se despedir das pessoas, mas o softball sempre foi o ponto mais sensível para ela, onde tinha se encontrado. Ter que partir e deixar para trás seu time e todas as conquistas e momentos tinha sido doloroso e traumático demais para ela e não sabia se aguentaria passar por aquilo de novo. Mas mesmo que estivesse com a cabeça cheia com isso, Laura ficou feliz quando sentiu um calor mínimo tocar sua pele enquanto estava recostada em uma parede tentando não ter uma dor de cabeça e crise de ansiedade com aquele assunto complicado. Ao abrir os olhos, um raio tímido de sol queimou sua íris clara com graça e a aqueceu. Era quase como se d
A primeira coisa que despertou seus sentidos foi o barulho. Bipes Conversas. Algumas coisas sendo arrastadas. Laura abriu os olhos por meio segundo e tudo estava claro a ponto de queimar sua mente, com isso, fechou-os novamente. Podia ouvir a voz de seus pais ao longe se misturarem no que pareciam cochichos poderosos. O mais bizarro talvez fosse o fato de que pareciam uma só pessoa, mas ela conseguia entender que eram os dois. O que estava acontecendo com sua cabeça? — Você foi lá? Lá onde? — Fui. — Está tudo limpo? — Como se nada tivesse acontecido. Como se que nada tivesse acontecido? E nisso, Laura descobriu ter a incrível capacidade de sentir vertigem mesmo no escuro de seus olhos fechados e sua consciência foi ficando cada vez mais distante. Gabriel e Clara estavam tão preocupados quanto suas vozes demonstravam, mas não tomavam o cuidado de s
O que despertou Laura naquela manhã de segunda feira não foi seu despertador, muito menos sua mãe ou alguma discussão entre os irmãos, mas um vibrar constante debaixo de sua cabeça sobre o travesseiro. — Hm... — a adolescente gemeu ao se notar acordada a apalpou a cama até encontrar a fonte de incômodo. Abriu os olhos minimamente e os sentiu lacrimejar com a luz do aparelho que piscava com o nome de Martina na tela. As duas estavam muito mais próximas desde a noite na emergência do hospital e Laura por algum motivo que ela mesma desconhecia contou para Martina sobre a conversa estranha com seus pais. A jovem recebeu apoio incondicional para insistir no assunto com os pais — mesmo que à toa — e Martina ouvia cada palavra que dizia com uma atenção e interesse infindáveis. Laura suspirou, ainda tão imersa no sono que seu rosto não esboçou o sorriso que sentia em seu interior. Laurtiz Laura
Estava na mesma posição que havia dormido: de bruços, os braços presos debaixo do corpo, o celular ao lado do rosto. Piscou os olhos lentamente enquanto ganhava consciência e sentia os dedos formigarem com a falta de circulação sanguínea, mas não se sentia desconfortável o bastante para se mexer até que a luz do celular incomodou seus olhos. Gemendo, Laura livrou uma das mãos que estava sob a barriga e bloqueou a luminosidade com a palma, mas o sentiu vibrar e suspirou, virando o aparelho em sua direção e sentindo os olhos lacrimejarem com a ardência provocada pela luz. Martina. Bom dia, Laurtiz! Queria te avisar que te joguei um feitio quando você dormiu sem se despedir de mim e agora você está perdidamente apaixonada pela minha pessoa. E Laura riu, seu riso soando baixo pela sonolência e por ter escondido o rosto no travesseiro e não notou que atendeu o telefone com a chamada de Martina Lopez até que ouviu sua voz. —
Foi em uma segunda-feira que o equilíbrio de Laura se tornou um problema grave. Não é que o fim de semana tenha sido livre de acidentes, porque seu equilíbrio algumas vezes parecia mudar junto com a lua, embora Laura nunca tivesse parado para contabilizar. O negócio é que a inércia do fim de semana a poupou de diversos acidentes. Laura ainda se sentia mergulhada em seu sono quando se deu conta da hora de levantar, mas não estranhou quando caiu diretamente de costas no chão ao se virar no colchão. Era apenas o segundo dia seguido que isso acontecia. Gemendo, Laura levou um tempo até conseguir se desvencilhar das cobertas para finalmente conseguir se levantar, mas antes mesmo que o fizesse, seu celular vibrou, indicando o que ela já sabia por hábito. — Marbs — foi a primeira coisa que falou ao levar o telefone ao ouvido, ainda sentada sobre as cobertas, a diferença de temperatura eriçando seus pelos e enrijecendo seus mamilos. — Ugh! Eu