A GUERRA DOS DANATUÁS
Vol 01
A INVASÃO DOS SERES DE SOMBRA
MIKAEL LENYER
DEDICATÓRIA
Este livro é dedicado à toda minha família, que sempre me apoiou e torceu por mim e, especialmente, à minha mãe, tão ou mais sonhadora que eu, e ao meu irmão de alma, Rodolfo, que tinha a mente tão febril que, na maior parte do tempo, me deixava para trás. À minha querida esposa Suely, sempre ao meu lado, uma mão sempre gentilmente estendida, nunca separada de um sorriso belo e inesgotável. E, mais que tudo, à essa vida mágica que todos nós partilhamos.
Akindará...
Mikael Lenyer
PREFÁCIO
Eu ficava ouvindo estórias sobre os seres da natureza, e gostava de esticar o tempo imaginando como seriam. Eu os imaginava possuidores de magia, de poderes incríveis, de personalidades únicas. Eu os imaginava guerreiros destemidos e temidos; eu os imaginava primevos sim, mas inteligentes e sagazes, violentos, ruins até o fundo de suas almas, e altruístas e poderosos, orgulhosos e nobres, e mesquinhos e... Para mim seriam mais como furacão e brisa, como paisagens ralas e vales profundos e inóspitos, senhores de maravilhosos e imensos poderes; eu os imaginava tal como um grande rio correndo mansamente em sua calha: um poder em paz, contido, e violento se provocado.
No entanto, tudo o que eu lia contava sobre seres simplórios e inocentes, primitivos. Confesso que, ao ler estórias sobre eles, eu me decepcionava, sempre.
Então me rebelei contra essa visão porque sabia que eram mais que isso. Assim, deixei de lado as outras visões e os vi definitivamente como são, visões que transferi para esse livro. Aqui seus códigos de honra e conduta, sua força e poder, sua maldade primitiva, sua frieza chocante, seus jeitos de ser. Amorais? Não, não são amorais, são seres da natureza, violentos, frios, determinados, cruéis às vezes, honrados quase sempre e quase todos.
Que se divirtam então, observando-os, examinando-os, cuidando deles.
Mikael Lenyer
Há um poder que, quanto mais dividido, maior e mais intenso fica: o amor à toda a vida.
Um grande contingente de anjos finalizava o expurgo nos outros planetas enquanto alguns poucos milhares se aproximavam desse que seria, acreditavam, o último e o menos protegido deles. Mas era aqui que os demônios haviam construído sua armadilha. Surpreendendo as legiões de anjos que chegavam desavisadas ao planeta, a horda de demônios se revolveu, ensanguentando todo o espaço em torno dele, reduzindo-os a apenas umas poucas centenas, cada vez mais fragilizados e diminuídos em número.
Os grandes demônios, Trevas e Escuridão, antevendo uma grande vitória, ordenaram o avanço sobre as restantes legiões angélicas. Fechados em cunha, com o grande Matiel firme à frente, aguardavam a carga dos demônios.
No entanto, antes mesmo que atingissem a primeira linha, a uma ordem de Trevas os demônios estacaram a investida, inseguros ante os reforços que rapidamente se juntavam aos anjos, porque dentre eles se apresentavam arcanjos.
Escuridão, com um grito raivoso, ordenou que seu exército recuasse em direção ao planeta.
Sobre uma grande cadeia de montanhas mais ao sul, que qual uma coluna vertebral sustinha todo o continente, eles desceram. Mas nem bem haviam tocado o solo o céu se abriu para a passagem dos anjos e arcanjos.
A batalha que explodiu sobre as montanhas foi extremamente violenta e selvagem.
Mas tudo era parte da armadilha, pois era ali, sobre aquela terra, que os demônios haviam escondido seu maior poder, que chamavam de “fantasma do trovão”. Esse poder era a soma de todas as essências divinas capturadas das criações, principalmente dos anjos assassinados, que acumularam ao impedir que retornassem para Tupã. Tomando posse da essência divina Trevas e Escuridão se poderaram e, com o poder aumentado, os dois ameaçaram suplantar até mesmo os arcanjos.
O ataque sobre as fileiras angélicas foi violento e cruel, e muitos anjos e arcanjos morreram sob as garras dos demônios. Sem entender como estavam sendo vencidos tão facilmente, espiões foram enviados para trás das linhas demoníacas, mas nada encontraram, bem como os prisioneiros não contavam sobre a fonte do terrível poder dos demônios.
Bravamente só restou às forças angélicas resistirem, enquanto esperavam que mais reforços chegassem, atendendo ao pedido urgente que haviam despachado.
Quando as esperanças estavam desaparecendo foi que eles surgiram, cortando rapidamente o céu. Com baques que estilhaçavam as rochas mais duras foram descendo, um após o outro, sobre o topo da montanha mais alta, de onde foram se erguendo. Centenas de arcanjos haviam chegado.
O confronto cresceu em violência, ceifando a vida de centenas de anjos, arcanjos e de demônios, das formas mais cruéis e impensadas. Poderes que eram restritos apenas aos espaços vazios foram usados no planeta, e vulcões adormecidos foram despertados e as águas dos mares e oceanos se convulsionaram. O próprio ar era incendiado, porque em alguns lugares bolhas de energia como o sol explodiam na atmosfera.
Vendo tal grandeza de destruição propositada, o deus Trovão, tomado de tristeza, abriu o selo e deixou sair um dos poucos criados, um arquianjo.
Sua luz resplandeceu e encheu o espaço.
Apontando para o pequeno planeta, sua joia da criação, ordenou ao arquianjo que aprisionasse os demônios e colocasse freio nos anjos e arcanjos, e que tirasse dos demônios o poder de aglutinar sua essência, diminuindo, assim, seu poder.
O arquianjo, ouvindo com atenção, ao ser despachado explodiu em energia e desapareceu das vistas abatidas do deus.
Trevas e Escuridão, vendo que a luta estava muito arriscada, porque as forças angelicais estavam equiparadas as dos demônios, juntaram em torno de si os mais poderosos sombras e passaram a caçar individualmente os arcanjos. Três arcanjos já tinham sido abatidos quando viram o grande arcanjo Nemaiel. Se ele caísse o baque sobre os anjos e sobre os arcanjos seria imenso, eles sabiam, e eles poderiam se aproveitar disso.
Vendo o perigo que o arcanjo corria, Denatiel, o grande comandante dos exércitos angélicos, juntou em torno de si um grupo de anjos e postou-se ao lado de Nemaiel.
O impacto das forças foi imenso. Em poucos segundos só restavam Denatiel e Nemaiel, suportando o ataque monstruoso dos demônios.
Foi então que algo aconteceu.
Uma luz zingrou com grande velocidade o céu e atingiu em cheio os demônios. Trevas e Escuridão sumiram do campo de batalha, enquanto um após outro os demônios iam sendo lançados através de um buraco criado no céu avermelhado de volta para o espaço, em direção a planetas de onde seriam impedidos de sair.
Denatiel e Nemaiel juntaram suas forças e, em profundo respeito, aguardaram a luz sobre a maior das montanhas.
Após ter pacificado a terra a luz parou ao longe, observando a terra, observando os anjos.
A luz era tão forte que todos baixaram a fronte, a emoção tocando-lhes o coração. A voz não saia e a alma estava recolhida, maravilhada com aquele ser.
Então se aproximou das fileiras dos anjos e arcanjos, baixando a energia enquanto se aproximava para que não os ferisse.
- Fui enviado a vocês – disse a luz iridescente faiscando leves plumas, batendo suavemente seus três pares de asas. – Tupã não aprovou a conduta dos demônios, e eles estão encerrados em quatro planetas, que são proibidos a vocês, como também não aprovou a barbaridade em que vocês próprios se envolveram. Os dois comandantes dos demônios, Trevas e Escuridão, estão apartados aqui nestas montanhas, em um templo submerso que construí para eles no fundo do lago do jaguar. Mantenha-os lá, proteja-os lá.
- Por que não foram levados para o planeta deles? – perguntou Denatiel, a voz suave e curiosa.
- Porque o destino deles está ligado, de alguma forma, a este planeta, e a vocês e às criaturas que ainda irão aqui vingar. O papel deles na criação não está terminado.
- E quanto a Mercator? Há informações dele e do arcanjo...
- Os dois se permitiram isso, que não está em nós – amoestou com gentileza, o que fez com que os anjos apaziguassem suas dores e se aquietassem.
- Então, está terminada esta guerra?
A luz faiscou singela, até mesmo triste. Com leveza se aproximou mais, diminuindo ainda mais a própria luz para que fosse suportável aos anjos e arcanjos.
Ao levantarem os olhos viram o belo arquianjo, e seus corações se encheram de maravilhas e a emoção tocou o coração de todos.
- O deus Trovão está triste com suas criaturas, porque esta guerra trouxe à tona o que de pior há em seus corações. Pode-se lutar por uma ideia, por um sonho, pela justiça ou por qualquer outra coisa que seja correta e fale ao coração, mas não se pode usar isso para deixar o coração se comprazer no que de mais duro e cruel ele pode produzir – admoestou numa voz carinhosa, que sabiam que tinha também utilizado com os demônios.
> Assim, por decisão do deus Trovão, as criaturas ficarão sós, a partir deste momento, porque não encontrarão mais o deus Trovão, mesmo que vasculhem até a menor das fagulhas de luzes.
Os anjos e arcanjos, tão chocados ficaram, que baixaram novamente a fronte, envergonhados e assustados. Sem Tupã no multiverso, como seria?
- Quem ficará tomando conta da criação? Vocês, arquianjos? – perguntou Nemaiel, a voz trêmula de receio.
- Vocês, porque sós estarão!
Sem mais qualquer palavra ou pensamento a luz aumentou e desapareceu.
Sobre a alta montanha, confrontando o forte vento gelado, os anjos e arcanjos olharam a terra e os céus, e na dor imensa que os assaltou choraram, sentindo imensa saudade de um deus desaparecido.
OS MUNDOS ANTIGOSA roda do tempo começou seu movimento, fazendo surgir vidas, fazendo surgir destinos. Como se acorda um deus?Nem sempre o mundo consciente foi povoado pelos entes, também chamados de pessoas, e pelos homens, inteligentes e frágeis, sem qualquer poder especial que não sua arguta inteligência.O mundo não é novo, já passou por muitas eras e por muitas mais ainda irá passar. Contam os mais velhos e sábios, com trânsito pelo mundo dos espíritos, que sete grandes eras já passaram, e que logo a atual irá terminar e passar também, como passam as águas de um rio ante os olhos. Quando as pessoas começarem a deixar esse mundo em direção a Manita, o reino de cima, a nona era, a era profetizada como a era dos homens, terá início. E esse fim e in&iacu
A BATALHA DE THIAHUANACOComo pode algo tão pequeno encerrar tantos destinos? Quem encerrou no homem tal poder?Uma longa e silenciosa parede de anjos perfilados, com suas caudas flutuando preguiçosas no vento, estudava gravemente as linhas inimigas, buscando identificar cada um dos líderes de matilha, como chamam os comandantes inimigos. Ematiel, o grande comandante, olhou para o lago e pensou sobre os homens e as pessoas, e se entristeceu por ambos. Abaixo deles a cidade, iluminada por inúmeros pontos de luz de archotes, parecia triste naqueles dias. O frio enregelante avançava, mas ninguém parecia se aperceber dele. Havia uma solidão, uma saudade naquele silêncio, percebeu,
Abandonar e sentir saudades, sem tortura, sem mágoas. É uma escolha dolorida, mas é uma escolha que só pode ser tomada por quem é livre.Denatiel flutuava com suavidade, amparando o grande comandante que tão valorosamente lutara. Muitos não estavam mais ali, como sabia que muitos outros não conseguiriam chegar às terras baixas.Olhou para o alto, medindo as hordas de demônios que os caçavam com inflexível impiedade. Haviam perdido a cidade, e agora eram empurrados montanha abaixo.Enquanto olhava e se esforçava na descida dois demônios conseguiram ultrapassar as defesas e vinham de cima, rápidos em sua direção.Denatiel, sem qualquer barulho, parou. Com suavidade deixou Ematiel solto, que flutuou tranquilo até o chão como se fosse uma pena que descia por um ar parado.
THIAHUANACOO homem é um ser construtor. Contudo, quando pensa em paraíso, nele coloca o que não construiu, mas apenas o que organizou.Thiahuanaco... Há diversas lendas contadas pelos seres que viviam nas montanhas a respeito daquela cidade, que ora surge como a cidade dos deuses e ora como a cidade dos demônios, ou dos anjos, ou das pessoas ou de humanos visionários. Mas nada havia, nada acharam que explicasse a cidade e sua porta imensa. Quando os atuais moradores a encontraram ela já estava vazia, silenciosa e carregada de mistérios. Ouvindo um nome, Thiahuanaco, a chamaram de sua e dela tomaram posse por direito como se tivessem sid
E o vento se tornou tormenta e, de claro, o mundo se toldou. A quem iremos culpar por nossas desventuras?De joelhos sobre a plataforma o jovem sacerdote anunciou a todos as revelações que tivera ao encarar o espaço do portal, dizendo que os deuses estavam avaliando abrir um caminho direto até seus fiéis.Alguns, tomados de devoção, juntaram as mãos e, em lágrimas, se espremeram aos pés do jovem sacerdote.Debaixo de uma cantiga poderosa e estranha que o sacerdote e seis acólitos que havia ordenado entoavam com ardor, os habitantes restantes foram se juntando à frente da porta, apesar da grande maioria ainda procurar guardar uma cuidadosa distância. Os seres se ajoelharam, sentando-se sobre os calcanhares, os olhos curiosos e admirados postados no sacerdote.Sob orientação de Trevas e Escurid&a
Quem te fez, demônio que é? Se quem te fez também fez os anjos e toda a vida, então qual era a face dele quando te criou?O conselho dos anciãos, composto por 28 entes poderosos e de ares determinados, estava reunido numa pequena clareira às margens de um murmurante rio. Seus semblantes se mostravam sérios e preocupados, e não sem motivo. Havia rumores fortes demais vindos do oeste.E quem mais parecia ter conhecimentos sobre eles era um dos poucos anciãos com os quais os anjos mantinham contato.Mehrarin era um nefelin, um sujeito grande e de aspecto poderoso, um raro nefelin demônio, cruzamento de uma anaquera com um ellos, o que pode ter diminuído a influência demoníaca, a ponto de fazê-lo admitido como um conselheiro ancião, apesar de sua idade madura. Ele tinha o corpo esguio e forte de um anaquera, bem como seus olhos negros e uma som
Planos em planos, vidas em vidas, entrelaçados todos, como teias que capturam as frágeis gotas de água em frágeis tramas. Vidas frágeis em frágeis tramas, todas as nossas vidas, todas as nossas tramas.O sacerdote viu o exato momento em que o paraíso foi destruído.Num momento os deuses brancos aguardavam os seres em meio à luz e ao mundo verdejante coroado de gelo, e no momento seguinte, logo após o último thiahu transpor o portal, viu tudo explodir em cinza pesado; deuses em monstros escuros; mundo luminoso e colorido em penumbras de variados tons de cinza, e as imensas e coloridas cordilheiras em cordilheiras serrilhadas e mortas.Os gritos de espanto e horror escaparam das gargantas dos seres assim que viram, em frente à horrível e deformada p
O que foi que você libertou, demônio?Os anjos, bem mais que as pessoas e os outros seres, haviam sentido a concussão, que denunciava que o portal fora reaberto. Mas não era surpresa que os demônios finalmente conseguissem isso, como não era surpresa que uma nova e perigosa guerra estava em formação. Na verdade, ela era esperada e, até mesmo, ansiada por muitos, porque havia uma tensão no mundo que não cessava de crescer, como acontece com os assuntos mal resolvidos, como mal resolvidas foram as guerras anteriores. As condições para a deflagração dessa guerra já se mostravam, e o tempo se mostrava propício para a expulsão definitiva dos demônios, era opinião geral entre os anjos, como também de que grande sofrimento inundaria todo o mundo.Na planície abaixo Denatiel via a verdade em toda sua crueza