CAPÍTULO 4
Há três dias chegara à Silvestre. A chuva não dava trégua. Para não ficar alheio, passava o dia lendo no quarto, ou no salão, bebendo alguma coisa. Na noite anterior esteve com a moça que trabalhava na mercearia de Genaro, a mesma moça que lhe indicara a pensão no dia de sua chegada ao povoado. Estava lendo Pássaros Feridos de Colleen Mccllough quando uma voz desviou sua atenção.
— Posso sentar-me aqui? — perguntou a recém-chegada. — Não há mesas vagas — complementou em seguida.
Galeano desviou a atenção do livro e voltou seus olhos em direção a voz, reconhecendo a dona.
— Fique à vontade — disse-lhe. A moça sentou-se de frente a ele e chamou a garçonete pelo nome.
— Teresa! — não demorou muito e logo foi atendida.
— Pois não, senhora — falou a garçonete.
— Traga-me um café com leite.
— É para já — a garçonete saiu e pouco tempo depois retornou com o pedido.
— O senhor deseja mais alguma coisa? — perguntou a Galeano
— Não, obrigado.
A garçonete saiu novamente deixando-os sós. O silêncio reinava na mesa como se não estivesse ocupada por duas pessoas. Ele, continuava a ler. Ela, não parava de olhar para ele.
— Meu nome é Márcia — finalmente falou a moça. — E o seu, qual é?
— Galeano — respondeu ele.
— Prazer! — falou Márcia estendendo a mão direita. Ele, sem alternativa fez o mesmo gesto e selaram as apresentações com um aperto de mão.
— Vai demorar muito aqui no povoado?
— O suficiente.
— Não quero me intrometer em assuntos alheios, mas caso precise de alguma ajuda estou disponível.
— Obrigado!
— Eu conheço toda a região. Talvez meus conhecimentos sejam úteis para lhe levar aos locais mais belos, onde poderia fazer belas fotos.
— Evidente. Caso precise, lhe procuro.
Márcia não se dando por vencida investiu novamente.
— Estou livre todo sábado no período da tarde... E à noite também.
Galeano agradeceu novamente, se levantou e pediu licença, alegando que precisava descansar. Rapidamente subiu os degraus de acesso ao seu quarto no primeiro andar.
A chuva havia diminuído, mas, ainda continuava a melodia dos pingos no telhado. Ele estava sem sono, porém, já era tarde e precisava descansar para sair cedo no dia seguinte. Tinha também que enviar notícias com urgência para quem o contratou. Lembrou-se que vira uma lan house no outro lado da rua, que seria útil para facilitar a comunicação entre ele e o contratante.
***
O dia amanheceu restando apenas pequenos vestígios da chuva. O sol voltou a reinar exibindo os raios dourados afugentando o orvalho das folhas das árvores e da grama dos pastos, onde os animais se deliciavam com o banquete. O ronco do motor da moto afugentou os pássaros que descansavam nos galhos das árvores na beira da estrada. Galeano parou para conferir as dicas no mapa, guardando-o em seguida no bolso da camisa e saindo em disparada pela estrada lamacenta. Poucos minutos depois ficou fascinado com a bela estrutura de uma linda fazenda. A estrada passava no alto de um monte e um estreito caminho ligava a fazenda à estrada comercial. Parou a moto, tirou o capacete e observou cada detalhe da rica propriedade. O rebanho pastava nos vastos cercados verdejantes. Viu inúmeros hectares de capim e cana de açúcar e notou que a sede da fazenda era rodeada por árvores frutíferas. Vários casebres se espalhavam ao redor da sede. Deduziu que eram as residências dos peões e administradores. No pátio, cinco veículos estavam estacionados e mais adiante avistou uma área exclusiva para os cavalos. Ele notou que no lado sul da propriedade, vários vaqueiros montavam cavalos como se estivessem treinando. Sentiu vontade de se aproximar do local, mas desistiu da ideia, no momento tinha outra prioridade.
CAPÍTULO 5 Melissa sentiu uma lágrima descer na face. Guardou a revista que encontrara naquela manhã junto de uns objetos obsoletos. Desde a noite anterior ficara preocupada com Severino. Percebeu que ele perguntava sobre fatos acontecidos há muitos anos e não conseguia lembrar assuntos recentes. Referia-se ao filho como se ele ainda estivesse vivo. Quando ele foi dormir, não conseguiu trocar de roupa. Ela o ajudou a vestir uma camisa de frio e a tirar os chinelos. Cada vez mais sentia a necessidade de saber mais sobre a doença que aos poucos devorava seu único amigo. Quando retornou ao casarão procurou incansavelmente pela antiga revista que continha um artigo explicando passo a passo o Mal de Alzheimer. Após ler novamente o artigo, teve certeza que o coronel Severino Vargas estava vivendo a segunda fase da doença. Talvez ela não estivesse ao seu lado quando ele adentrasse na terceira fase. Não conseguiu mais conter o choro. Escondeu o rosto
CAPÍTULO 6 Parecia o cenário de um filme de faroeste. O vilarejo estava deserto, exceto por alguns cães passeando pela rua e bêbados cambaleando pelas calçadas ou adormecidos aos pés das paredes. Se não fossem os bares em pleno funcionamento, qualquer um diria que ali era um povoado fantasma. Galeano estacionou a moto sob a sombra da marquise da pensão. Antes de entrar olhou em volta. A poeira conduzida pelo vento o fez proteger os olhos com a mão. Por uma fração de minuto percebeu um vulto se esgueirando pelas sombras das residências. Assim como surgiu, também desapareceu. Focou o olhar na direção onde estava o vulto, mas havia desaparecido. Poderia estar sendo seguido, ele pensou. Rapidamente descartou a possibilidade. Entrou no salão da pensão, passando direto para o quarto. Naquela noite não desceu para jantar, informou à Carminha que não queria ser incomodado. Pouco tempo depois uma batida na porta o fez ficar alerta. Ficou em silêncio a
CAPÍTULO 7Aquele lugar era seu refúgio e fortaleza, amava incondicionalmente aquele lar. Muitas vezes se encontrava inundada em lágrimas pela real possibilidade de ser condenada e deixar aquele pedaço de chão para sempre. Sabia que as recordações lhe acompanhariam para qualquer lugar. Odiava-se por não tentar procurar alguma prova que ajudasse na defesa. A casa era enorme e nunca procurara pelo cofre que ficava escondido no escritório, aliás, para isto era preciso primeiro encontrar a chave. Ela nunca conseguiria arrombar aquela porta fabricada de cedro, a árvore mais resistente da região. Nos primeiros dias após a morte do esposo, procurou a chave como uma louca busca sair do sanatório. Depois de sucessivos fracassos, desistiu e se conformou com a situação. Ocupava o tempo cuidando do sogro e aproveitando cada minuto que lhe restava
CAPÍTULO 8 Quase não conseguira dormir. Mesmo fechando a porta do quarto à chave não se sentia segura com um estranho dormindo sob o mesmo teto. Melissa havia deduzido várias hipóteses de quem realmente era o recém-chegado. Ele poderia ser realmente quem disse ser, mas também poderia estar ali a mando de alguém que desejasse vê-la morta. Talvez fosse um policial disfarçado, investigando a sua real culpa pelo assassinato de Manoel Vargas. Quando acordou naquela manhã o visitante não se encontrava mais na sala, onde dormira no desconfortável sofá. Tomada por um impulso correu para o terreiro e constatou que a moto permanecia no mesmo lugar onde fora deixada no dia anterior. Deduziu que ele pudesse ter ido buscar um mecânico no povoado. Sentia-se estranha. Um sentimento irreconhecível tomava forma. Tentou não pensar nele, mas poucos minutos depois estava criando a imagem dele nas recentes lembranças. Resolveu ocupar a mente com os
CAPÍTULO 9 Era a capitã do próprio mundo, permitindo o naufrágio de toda a tripulação. Dona das sagradas paisagens que a mente inventara para enganar as besteiras de uma sociedade hipócrita comandando um sistema ainda mais hipócrita, regido por certas leis determinando que a liberdade deve sempre existir. Não era aplicado ao seu caso. Melissa constantemente se revoltava com as regras que a justiça lhe aplicara. Enquanto o veredito não saísse ela estava proibida de sair da própria casa. A solidão lhe consumia dia após dia. Muitas vezes agradecia a Deus por ter o sogro próximo, mesmo desmiolado era uma boa companhia. Em outras oportunidades culpava Deus por tanto sofrimento. Estava cansada e se pegara inúmeras vezes pensando em suicídio. Estranhamente, se sentia feliz com a presença do fotógrafo em sua casa. Não dissera nada a Severino. Desde cedo estava frustrada pela ausência dele. “Não posso ficar neste jogo de nervos e ne
CAPÍTULO 10 Olhou o relógio, eram cinco horas da manhã. Pensou dormir mais uma hora. Vozes discutindo o fizeram levantar rapidamente. Já devidamente vestido saiu em busca do local de onde vinham as vozes. Deu a volta pela lateral da casa e viu um homem de estatura mediana, gordo, bigode espesso cobrindo o lábio superior. Usava calça e camiseta militar. Aproximou-se com cautela até uma distância que lhe permitia ouvir claramente. Entedeu claramente a situação: a cadela permitiu que aquele homem entrasse por ser alguém conhecido. — Por favor, me deixe em paz — falou Melissa arrumando o cabelo. — Já lhe disse mais de uma vez que no momento não estou a fim de encontros. — Você se faz de difícil, mas, deitava com qualquer um em troca de uns centavos quando morava no cabaré. — Seu porco imundo. Não permito tal liberdade... — os soluços afogaram as palavras de Melissa. — Por favor, me deixe terminar de tirar o leite. C
CAPÍTULO 11 Galeano não pediu para acompanhá-la ao casebre. Também não foi convidado. Enquanto Melissa cumpria a missão noturna, Galeano ficou sentado na calçada apreciando a dança das estrelas no céu. Num momento o céu estava estrelado, minutos depois ficava completamente tomado pela névoa. Estas alterações tornavam o lugar ainda mais agradável. Sua mente discorreu nos detalhes dos últimos acontecimentos da investigação. Sabia que cometera um grave erro ao se envolver com o alvo. Fora fraco quando a beijou. Não cometeria o erro duas vezes. Não queria sofrer e nem a fazer sofrer. Bastava o “rolo” com Márcia. Deveria ter ido embora naquela manhã, estava usando a última muda de roupa que trouxera na mochila. Estava se arriscando demais. Seus planos mentais foram atropelados pelo tom aveludado da voz de Melissa. — Pronto para jantar? Ele sorriu e acenou com a cabeça. Levantou-se e seguiu a anfitriã para dentro da casa. O cardápio
CAPÍTULO 12 Galeano precisou de alguns segundos para ordenar os pensamentos. Sentia-se extremamente feliz pela noite anterior. Olhou para o lado e não encontrou a companheira. Haviam feito amor várias vezes. Ainda sentia o perfume de Melissa em sua pele. Ao longe ouvia o som do rádio. Sentiu-se péssimo por não ter conseguido acordar cedo e ajudar Melissa nos afazeres cotidianos. Tentou se vestir o mais rápido possível, porém, não encontrava as suas roupas em nenhum lugar do quarto. Encontrou uma toalha pendurada na cabeceira da cama. Enrolado na toalha se encaminhou para a cozinha, onde encontrou a anfitriã terminando de preparar o café da manhã. Pela janela aberta contemplou suas roupas penduradas no varal. — Não quis te acordar — Melissa falou sorrindo. — Desculpe pelas roupas. — Tudo bem. Se você não me fizesse esta caridade eu teria que ir até o povoado mudar o estoque da mochila — ele não conseguiu conter também o riso. —