OK - Orange Kiss - Carol Moura
OK - Orange Kiss - Carol Moura
Por: Carol Moura
Prólogo

Em todos os meus nove anos de juventude, dos quatorze aos vinte e três, eu nunca havia surtado.

Eu juro.

Sempre fui uma menina calma, aquela que observava as outras crianças interagirem, esperando que conversassem comigo para realmente me envolver com algo. Quando cresci, não foi diferente. Eu analisava, esperava e escutava mais do que falava, isso até hoje. É mais fácil. Eu não preciso dar opinião antes de ninguém, tenho tempo para analisar todos os pontos de vista antes de colocar o meu próprio. Se isso se fizer necessário, é claro.

Mas, de repente, eu estava me olhando no espelho e me via vestida em um pedaço de pano a vácuo, de cor preta, que acentuava os meus quadris largos, tinha o cabelo recém-pintado em várias mechas douradas, soltos em cachos, uma maquiagem que eu, em discordância da minha melhor amiga, considerava de puta barata. Tentava criar coragem para colocar saltos assassinos e estar pronta para ir a um clube para mulheres, ver dançarinos exóticos, para não dizer prostitutos, de corpos sarados, banhados em óleo perfumado, com gravata borboleta e cueca asa delta a tiracolo.

Definitivamente estava surtada quando resolvi deixar Leeta resolver o meu problema de coração partido.

Quando Mark me deixou, eu realmente pensei que morreria, que aquele seria o pior dia da minha vida e que nunca me recuperaria novamente. Eu o amava, afinal de contas. Naquele dia, cheguei completamente desolada e aos prantos em nosso apartamento. Leeta, minha melhor amiga e colega de quarto, foi em minha direção quando me ouviu.

– Paige, o que aconteceu? – Perguntou, se aproximando enquanto eu me sentava no sofá, sem forças para correr para meu quarto.

Me olhei no reflexo do espelho da parede, colocado estrategicamente na sala para dar sensação de espaço e facilitar quando fôssemos nos maquiar, e notei que a maquiagem que mais cedo eu havia aplicado com ajuda dele agora estava me transformando em uma espécie de urso panda. Passei as mãos no rosto, tentando me deixar menos horrenda, e gaguejei:

– Ma-Mark.

– Oh, querida!

Ela me abraçou do jeito que pôde, sentando-se ao meu lado e me mostrando que eu não precisaria contar nada para ela. Não naquele momento. Minha amiga aceitou o fato de eu estar sofrendo e me deixou desabar sobre seu ombro, pelo resto da noite.

Quando eu finalmente parei de chorar, levantei minha cabeça e analisei o rastro de maquiagem, lágrimas e ranho na camiseta de Leeta, que me olhava enquanto eu contava como tudo terminou. Antes que eu pudesse começar a chorar novamente, Leeta se levantou e anunciou seu próximo plano:

– Vamos fazer uma mudança radical, baby. Amanhã, enquanto estivermos no salão de beleza, vamos fazer de você uma nova Paige McAvon, aquela que Mark Jamesen vai se arrepender pelo resto da vida por ter dispensado.

Isso me trouxe até aqui, neste momento. Onde eu não sou mais completamente morena, ainda que não completamente loira, e uso roupas que eu nunca vestiria no meu dia a dia. Pensando agora, com mais clareza, não passou vinte e quatro horas de meu rompimento, eu ainda deveria estar chorando, e não me vestindo para ter uma foda paga.

Bem, continuo pensando que morrerei por causa da separação, mas definitivamente minhas últimas vinte e quatro horas estavam perdendo feio o concurso de pior dia para hoje.

Aquilo não daria certo.

Não poderia dar certo.

Forçar uma situação só me deixaria pior no final da noite, mas Leeta tinha outra opinião sobre isso.

– Coloque os sapatos, Paige. – Ela apontou para eles com uma mão enquanto a outra se mantinha na sua cintura, de forma autoritária.

– Passei o dia inteiro andando com você por aí, pela cidade, fazendo compras, mudando o meu visual e arrancando os pelos da minha virilha de forma cruel e doentia, Lee. Pode, por favor, reavaliar os sapatos?

– Não.

– Não posso andar com eles. Eu trabalho o dia inteiro em saltos de cinco centímetros por um motivo: conforto.

– Sim, você pode e você vai.

– Não posso. – Neguei novamente.

– Sim.

– Não.

– Ponha os sapatos, Paige!

Uma buzina tocada três vezes do lado de fora do prédio interrompeu nossa discussão.

E me fez perdê-la também.

– Becca chegou. Não queremos deixá-la esperando. Coloque o sapato, agora! – Ela exigiu e assistiu satisfeita eu me equilibrar nos enormes saltos negros.

Eu podia andar em saltos, fazia isso todos os dias em meu trabalho como hostess em um bistrô no centro da cidade. Só que eram saltos razoáveis, e não plataformas que poderiam me ajudar a atravessar um rio sem sequer molhar meus pés.

Enquanto caminhávamos para o carro, notei que Leeta usava calças coladas, o que me fez parar de andar abruptamente.

– Por que você fica com as calças, e eu com esse pedaço de pano?

– Porque você precisa comprar uma foda quente. Eu apenas vou me divertir.

– Eu não quero comprar um homem, Lee. Eu quero ficar em casa. Isso não vai me ajudar. Não está ajudando agora. Eu preciso de tempo para me curar.

Leeta se virou para mim e respirou fundo antes de falar.

– Sei que está machucada. Mas uma noite com outro cara vai te ajudar a ver que o bundão do Mark não é o último homem da terra.

– Eu preciso transar para isso?

Outro suspiro cansado.

– Não, P. Você não precisa. Apenas vá e se divirta. Tente tirar a sua mente da bunda daquele imbecil.

– Obrigada. – Disse, sorrindo aliviada.

Yeah! Agora vamos.

Estava levemente frio enquanto o carro atingia velocidade na orla de San Diego. Aproveitei o ar gelado que a velocidade do carro me proporcionava para me livrar do cheiro de cigarros de canela e do perfume doce de Rebecca.

Rodamos por apenas vinte minutos, até que Becca diminuiu a velocidade e entrou em um recuo, parando logo em seguida.

– Chegamos! – Ela cantarolou ao mesmo tempo em que Leeta, excitada, batia palmas.

Saí do carro junto com elas enquanto olhava o prédio em nossa frente. Orange Kiss era o nome do local para o entretenimento exclusivamente feminino, e isso era tudo o que eu sabia sobre ele. Podíamos ver apenas uma sofisticada placa onde as iniciais O.K. estavam escritas em uma letra clássica numa fachada toda negra. O local todo parecia muito sofisticado e discreto, talvez fosse por isso que eu nunca tinha ouvido falar da boate antes de Rebecca se gabar do quanto conhecia o local perfeito para me fazer esquecer Mark Jamesen.

Com exceção de nós, apenas o valet, que agora pegava as chaves do carro de Rebecca, estava em frente ao clube. Ele nos desejou boa noite e indicou a entrada. Caminhamos até o local indicado, enquanto Becca revirava sua bolsa, tirava dois envelopes pretos e entregava para Lee e para mim. O envelope tinha as iniciais O.K. em laranja e estava selado com um adesivo de mesma cor, igual à da fachada. Quando chegamos a porta, Becca tocou o interfone e Leeta me olhou animada, batendo palmas novamente.

– Lembre-se de três coisas – ela começou a me dizer – Você está linda, você é sexy e você está proibida de dizer não. – Puxei minha boca para o lado em uma careta preocupada, mas assenti. – Você está aqui para esquecer aquele babaca e seguir em frente.

Ela tinha uma visão meio deformada das coisas. O fato de Mark querer terminar as coisas comigo não faz dele um babaca. Embora eu estivesse de coração partido, não poderia classificar meu ex assim. Além do mais, eu estava ali para seguir em frente com um bando de outros babacas com óleo perfumado pelo corpo, gravata borboleta e sunga asa delta. Como você tira um cara da sua cabeça deixando outros tantos suados vestindo tangas rebolarem em volta de você?

Vai entender...

– Boa noite, senhoritas. – Um homem jovem, de cabelos curtos em um quase moicano vestindo um terno completamente negro, nos cumprimentou com um sorriso largo. – Meu nome é Peter, sou o host do clube. Posso ver seus convites?

Lee suspirou e grunhiu para Peter, que sorriu de forma sexy, para ela. Certamente estava acostumado a ver mulheres se derretendo por ele.

Nós três estendemos nossos envelopes para ele, que prontamente abriu e os verificou. Uma olhada séria para Rebecca, um sorriso e logo ele estava liberando espaço para entrarmos. Aparentemente ele tinha gostado mais de Becca do que de Lee.

– Imagino que já saibam como funciona, senhoritas!

– Não. – Eu respondi por todas.

– Pois aqui está... – Peter começou a nos dar as coordenadas do local.

Orange Kiss é uma casa noturna, apenas para mulheres, que proporciona show e divertimento para o público, garantindo descrição e ótima companhia caso quiséssemos “esticar a noite” com algum dançarino.

Dança e conversa eram permitidas, tocar apenas se o dançarino deixasse durante o show ou depois, quando eles circulavam para “conversar”. Não havia quartos no clube, logo, se eu quisesse sair para transar com algum daqueles prostitutos, eu teria que levá-lo para longe dali.

Os convites não eram fáceis de conseguir. Você poderia obtê-los se algum membro lhes fornecesse, ou se você se tornasse um membro daquele clube. Era uma forma de garantir um pouco de discrição sobre o local. Não que fosse proibido ir a uma boate ver caras sarados e gostosos rebolando, longe disso, mas aparentemente O.K. era um clube que permitia que quem não era permitido estar ali sem problemas maiores.

Deus, eu queria vomitar.

– Pelo número nos convites, vejo que vocês têm amizade com um sócio privilegiado. É o camarote da segunda fileira. – Peter sorriu para nós com nossos convites nas mãos.

– Ah! Por que não a primeira? – Leeta lamentou, fazendo um beicinho para o host do local.

– Acredite senhorita, a segunda fileira lhes proporciona uma visão melhor do show. A primeira as deixaria apenas com dor no pescoço e molhadas de suor. – O homem disse enquanto nos direcionava a nossa mesa. Ele afastou a cadeira para cada uma de nós e nos explicou como funcionava a casa.

– Ouviram? Banho de suor. Nojo! – Resmunguei para Becca e Leeta.

– Não seja dramática. – Leeta murmurou de volta. Rebecca parecia apenas séria demais, olhando para todos os lados.

– Como foi que descobriu esse lugar, Becca? – Lee perguntou, assustando-a um pouco. – O que foi?

– Nada, é só que... Agora que estou aqui, eu meio que... estou com medo...?

Rebecca com medo, era novidade para mim.

Mas eu a entendia, de qualquer forma. Quando uma pessoa não está acostumada a desfilar neste tipo de ambiente, é meio normal isso, eu acho. Mesmo se tratando de Rebecca, a rainha das festas, aquela que se jogava em qualquer coisa perigosa e ilícita.

 Olhei em volta, percebendo um pouco mais o local. O palco em “T” era grande e se estendia por todo o salão, deixando espaço para as mesas e alguns camarotes. Um lustre enorme de cristal ocupava quase todo o espaço central do teto; as paredes eram aveludadas, em azul escuro, enquanto as luzes, laranjas quase âmbar, davam o charme obscuro ao local.

Os sofás eram enormes, de couro negro, e cobriam praticamente todas as laterais do clube. A cada lado do palco havia um sofisticado bar que, por sua vez, era o local mais iluminado do clube, com banquetas altas e estofadas em laranja. As mesas, de no máximo quatro lugares, eram redondas e de vidro, e em cima de cada uma, havia um suporte sofisticado de vidro, em forma de gota, com água dentro e uma grossa vela, também laranja, queimando em seu interior. Ao lado, havia a carta de bebidas preta em letras laranjas simples com as variedades de drinks da casa.

Como esperado, eles não vendiam cerveja. Eram apenas vinhos, espumantes, coquetéis e bebidas quentes.

Eu queria cerveja.

– Então? – Leeta insistiu com Becca.

– Uma amiga minha me falou do local. Ela disse que teria convites quando eu quisesse. Eu nunca pensei em vir enquanto estava com Jason, então terminamos e eu havia esquecido disso. Quando você me ligou falando do problema de coração partido da P, pensei que seria uma boa oportunidade. – Becca deu de ombros e voltou a olhar o menu.

– Boa noite, senhoritas. Bem-vindas ao Orange Kiss. Posso trazer algo para vocês?

– Um Cosmo. – Leeta pediu primeiro.

– Martini. Dry, por favor. – Becca disse enquanto me passava a carta de bebidas.

Eu analisei por alguns instantes a lista de bebidas e ansiei por uma cerveja, mas eu já sabia que não tinha.

– Por que não há cervejas?

– Sendo um local para senhoras sofisticadas, o dono pensou que seria melhor não colocar cerveja. É para manter a magia da coisa, eu acho. – O garçom respondeu erguendo rapidamente os ombros e me olhou, aguardando o meu pedido.

– Que merda ridícula. – Resmunguei.

– Tente ser legal e escolha uma bebida. – Leeta pediu em voz baixa.

– Apenas uma taça do espumante seco que você tiver. Obrigada. – Sorri, entregando a carta e voltando minha atenção para a história de Rebecca.

Mas ela não tocou mais no assunto e continuou olhando para todos os lados. Realmente era uma novidade ver Becca desconfortável.

O local estava enchendo de mulheres rapidamente. Eu podia ver a variedade de seres do sexo feminino que preenchia o espaço; garotas escandalosas, aparentando serem mais novas do que eu, mas que usavam maquiagens para parecerem mais velhas, e excitadas de uma forma que esperei não ter confundido esse clube com um show de Justin Bieber. Seus gritinhos eram enervantes.

Vi mulheres mais velhas, em roupas sofisticadas; vi mulheres comuns que pareciam ter saído de seus escritórios e resolvido relaxar aqui esta noite; e vi mulheres que pareciam ter hora fixa todas as semanas na mesa de cirurgia do Dr. Hollywood. Seus rostos esticados, tentando aparentar vinte anos a menos, quando na realidade pareciam mais com tartarugas. Era realmente patético ver aquelas mulheres.

Então eu lembrei do meu cabelo não natural. Claro que estava bonito, mas eu o mudei na tentativa de fazer meu ex notar, mesmo que ele realmente não fosse assistir nada daquilo de camarote, que eu poderia viver sem ele e ter o homem que eu quisesse aos meus pés. Lembrei da minha maquiagem forte, que eu usava raramente, mais precisamente em outubro, mais precisamente dia trinta e um, quando era Halloween e eu poderia parecer quem eu não era, sem nenhuma vergonha. Lembrei do meu vestido curto e colado, que estava na moda e todas as garotas usavam para chamar a atenção para o seu corpo.

Então eu soube.

Eu era como elas.

Quem eu pensava ser, para julgar cada uma daquelas mulheres?

Seus rostos esticados, seus cabelos pintados, suas tentativas de esquecer algo, se divertir ou ainda suprir alguma tara que era apenas delas, eu nada tinha a ver com isso e não tinha nenhum direito de julgá-las.

Nossas bebidas chegaram e continuamos conversando, até que as poucas luzes existentes no local foram apagadas e ficamos iluminadas apenas pela luz das velas no centro das mesas. Alorson Danse, uma música antiga, dançante e francesa, começou a tocar, fazendo a boate ganhar um pouco do meu respeito, pois amava aquela música. O palco foi iluminado por um canhão de luz branca. Um homem vestido de mulher, alto, negro, uma cópia fiel de Tyra Banks saiu das cortinas e caminhou até o centro do “T”, se mantendo sob a luz.

– Boa noite, senhoras e... senhoras. – Ela sorriu com a piadinha e assim todas seguiram a deixa, rindo junto com ela. Sua voz era tão feminina... – Bem-vindas a mais uma deliciosa noite na Orange Kiss. Meu nome é Lolita Parker e tenho algumas atrações completamente irresistíveis aqui atrás. – Ela terminou a frase de forma arrastada e sedutora, fazendo com que o salão explodisse em gritinhos excitados. Sim, ela era totalmente a Tyra Banks.

– Sério? O nome dela é Lolita? Jurei que era Tyra. – Fiz um esforço para não rir de Leeta. Ao menos eu não era a única a achar a semelhança bizarra.

Aliás, eu estava em uma experiência bizarra.

Embora fosse quieta, pacífica e observadora, sempre odiei ser tratada como um objeto, e agora estava praticamente dentro de um açougue escolhendo a carne que eu comeria essa noite.

– Espera, ela é uma travesti que faz performance da Tyra Banks? Eu posso jurar que já vi aquele figurino no The Next Top Model!

– Cala a boca, Leeta. Claro que é uma travesti. – Becca reclama, sem olhar em direção a ela.

– Antes de começarmos, temos algumas regrinhas para vocês, senhoritas:

“Vocês não tocam sem permissão.

Tratem nossos meninos com respeito, lembrem-se que para nós, não realmente quer dizer não.

As conversas, após o show, não são de nossa responsabilidade.

Respeitem-se, não atrapalhem as conversas umas das outras.

E, definitivamente, não se apaixonem!”

Se apaixonar?

Por um garoto de programa?

O que é isso? Uma Linda Mulher invertido?

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