Thalia.
Uma semana após o funeral, eu estava há poucos minutos para saber sobre o último testamento do meu pai. Eu não me sentia segura, muito menos confiante, algo me dizia que era impossível para mim colocar em minhas mãos jovens a herança acumulada pelos meus pais.
— Vamos começar? — disse o advogado, arrumando os óculos.
Além da minha tia, os funcionários mais velhos da casa estavam presentes no escritório, quatro ao todo, incluindo minha babá, que me olhou com preocupação. Isso deve ter sido suficiente para eu perceber que eu não ia gostar do conteúdo desse testamento.
— Eu, Taylor Fontes, em pleno uso das minhas faculdades mentais, decidi distribuir a minha herança da seguinte forma: aos meus fiéis funcionários será atribuída a soma de cem mil euros, uma soma que espero que os ajude a ter uma velhice tranquila e desfrutar da sua família.
Minha tia apertou os lábios, como se não gostasse que os funcionários recebessem uma quantia que lhes permitisse melhorar suas vidas e poder certamente servi-los.
— A minha querida irmã — continuou o advogado e desta vez fui eu que fiz um gesto de nojo —, Dulce Fontes, eu deixo a casa em França, sei o quanto ela gosta e o quão feliz ela vai estar naquele lugar. Além desta propriedade, você receberá dois milhões de euros e uma pensão mensal de cinco mil euros até o dia em que você falecer. Você só vai parar de recebê-lo se você se casar novamente.
Ela duvidava muito do que o jovem amante propôs a ela, suas visitas ao amanhecer foram com o único propósito de fazê-la gemer como uma cadela no cio e nada mais. Eu até cheguei a pensar que o cara era um daqueles prostitutos vendidos para mulheres de classe alta.
— Thalia, sendo minha única filha, é claro, receberá todos os meus bens dentro e fora da França. Deixo minhas ações na companhia de navegação em suas mãos e espero que, quando você estiver pronto, faça parte do conselho de administração e participe ativamente da tomada de decisões.
Até então, eu ia pedir tudo de boca em boca, nem nos meus sonhos mais otimistas eu me imaginava como a herdeira máxima do meu pai, tecnicamente eu estava herdando tudo. Mas era bom demais para ser verdade, ninguém te deixa tanto sem colocar condições. E essas condições foram o que mudou o curso da minha vida.
— Se no momento da leitura do meu último testamento a Thalia tiver 24 anos, ela tomará posse da sua herança imediatamente; se não for esse o caso, a Dulce tornar-se-á sua executora até atingir a idade acima mencionada. Estou confiante de que minha irmã cuidará tanto da minha filha quanto da herança dela.
O frio tomou conta do meu corpo, eu não me senti capaz de me levantar para sair do escritório. Ela possuía tudo e nada ao mesmo tempo. Nesse ponto, devo ter sido imune a decepções, mas a verdade é que não foi, por um momento fugaz, que me permiti sentir alguma esperança, perdê-la segundos depois.
O sorriso que Dulce me dedicou fez meu cabelo ficar de pé, esse sorriso não anunciou nada de bom. Eu já podia dizer adeus aos planos que eu coloquei na minha cabeça boba na noite anterior, quando eu acreditava que papai não poderia me decepcionar mais e que talvez, só talvez, em seu testamento ele me compensasse pelos anos de silêncios e ausências.
“Até depois da morte, continua a ficar desiludida, a minha consciência foi ridicularizada e, por mais que doesse, concordei.”
O que poderia o homem que me colocou de lado quando eu mais precisava esperar?
Nada, absolutamente nada.
Quase três anos foram deixados para atingir a idade necessária para herdar, mas eu não queria me curvar ao testamento da minha tia. Eu não tinha dúvidas de que, sob o pretexto de ser minha executora, tentaria não somente controlar minhas despesas, mas toda a minha vida.
“Ou talvez me queria longe, para roubar à vontade.” Esse último pensamento, obrigou-me a quebrar o silêncio.
— E como vou viver até completar 24 anos e tomar posse da minha herança?
— A sua tia cuidará de lhe fornecer tudo o que precisa — respondeu o advogado, olhando para mim como se eu fosse um completa idiota.
— Eu vou cuidar do seu bem-estar, você pode ter certeza, minha querida. — Disse minha tia, mas eu não fui enganada por seu rosto de mosca-morta.
— O pai dela deixou isto — o advogado disse, dando-me um envelope selado.
Hesitei em levá-lo, fiquei tão desapontado que não estava interessada em saber o conteúdo daquele envelope. O olhar severo daquele homem fez-me acabar por pegá-lo e colocá-lo nas minhas pernas, como se fosse um objeto de menor valor.
O resto do conteúdo da vontade, eu ouvi sem prestar atenção. Nada escrito lá me beneficiou, eram somente instruções para a gestão dos negócios da família que seriam responsáveis pela minha tia nos próximos anos. Quando a leitura chegou ao fim, deixei o escritório, tentando não parecer tão derrotada quanto me sentia. A minha babá seguiu-me até o quarto e, quando estávamos lá dentro, ela fechou a porta.
— Tenha cuidado com sua tia — sussurrou, segurando minhas mãos em sua — Essa mulher não é boa e tentará manter o que lhe pertence.
— Porque que está me dizendo isso?
Servos muitas vezes sabem os segredos de seus empregadores e ela tinha certeza de que Cloe não era exceção. Minha babá trabalhava naquela casa antes mesmo de eu nascer e, quando fui enviada para estudar no exterior, ela assumiu o papel de governanta.
— Ouvem-se coisas… — Respondeu, baixando ainda mais o tom.
— Que coisas? — Suspirei tentando ser paciente.
— A tua tia pediu ao homem para a visitar todas as noites, para te seduzir, fazer você se apaixonar e fazer você casar com ele.
—Não me diga...
A minha tia deve ter pensado que era demasiado discreta para pensar que naquele momento eu não a tinha visto pôr aquele homem na minha casa, todas as manhãs dos últimos seis dias. Se ela pensasse que ia cair nas redes daquele tipo, já podia esperar sentada.
— Ele vai apresentar-te nos próximos dias, eu sei porque ele me pediu para planejar um jantar especial para cinco pessoas.
— Cinco?
—O amante da sua tia é filho de um parceiro numa das empresas em que o seu pai tem boa parte das ações, muito provavelmente está acompanhado pelos pais.
Pressionei meus lábios, entendendo que minha tia estava planejando um casamento de conveniência, mas de conveniência para si mesma. Era do interesse de Helia que eu me casasse com seu amante, somente para tê-la em suas mãos, mas para continuar a controlar minha herança, mesmo após atingir a idade de herdar. Quando a Cloe me deixou em paz, pensei nisso, pensando na melhor maneira de frustrar os planos dessas pessoas.
Meus anos na Inglaterra e depois em países me ensinaram a ser cautelosa e não agir por impulso. Pela mesma razão, eu disse a mim mesmo que era melhor esperar que minha tia movesse um arquivo e anunciasse aquele jantar feliz. Eu tinha que fingir demência se eu quisesse chegar ao fundo do assunto, pelo menos esse era o meu plano até aquela manhã. Movida pela curiosidade, eu coloquei meu ouvido na porta da minha tia e descobri o que ela realmente queria fazer comigo.
—Prepare-se para conhecer a mosca-morta minha sobrinha pessoalmente. — Foi a primeira coisa que ela disse após recuperar o fôlego — o jantar será este sábado.
—Acho que não é difícil para mim seduzi-la, vi-a no funeral e ela não parece muito inteligente.
—Está pronto? — perguntou a bruxa —, o suficiente para não acreditar nas minhas boas intenções. Ela pode ter uma cara tola, mas não é.
— Seduzir uma mulher com um cérebro não é fácil. O que farei se a sua sobrinha não cair de primeira?
— Vai cair, basta mostrar algum amor, para alguém que implorou por atenção metade da sua vida, deve ser bom ser tido em conta por um homem tão atraente como você — lançado em tom de zombaria.
Eu cerrei meus punhos com raiva, querendo quebrar a porta e arrastá-la para fora daquele quarto, minha casa e minha vida.
— Espero que caia em breve, se tudo correr como planejado, em menos de seis meses vamos ter tudo — disse o tipo.
— Terá que ser em mais de seis, para não levantar suspeitas.
— O que propõe?
— Quem morre depois de um ano do casamento — respondeu altamente, como se planejar matar uma pessoa fosse a coisa mais natural do mundo — Só temos que nos certificar de que aconteceu um acidente, como o do pai dele.
Eu segurei o grito que lutava para deixar minha garganta. Se eles me encontrassem ouvindo, eu não teria um ano de vida, eles acabariam comigo naquele exato momento. Em vez de voltar para o meu quarto, saí de casa e corri pelo caminho que separava a casa grande da minha babá. Bati na porta e dei um suspiro de alívio quando a luz acendeu.
— O que aconteceu? — perguntou com preocupação, puxando o meu braço para me meter na sua casa.
— Querem matar, tal como mataram o meu pai — sussurrei, sacudindo-me, sabendo o que me esperava se eu ficasse naquele lugar.
— Tem que ir e ficar escondida até poder reclamar a sua herança.
Thalia.— Como chegou aqui? — Edson perguntou assim que entrei no apartamento dele.— Eu consegui — eu sorri, me acomodando em seu confortável sofá — Começo na segunda-feira.Naquela manhã, eu tive uma entrevista de emprego em uma das lojas de luxo no ringue e, graças ao meu inglês fluente, eu consegui o lugar disponível como vendedora naquela loja. O salário não era ruim e, se eu adicionasse as comissões, teria dinheiro suficiente para viver bem durante o ano e meio que faltava para completar 24 anos.— Estou contente por você. — ter dito num tom plano e sem alegria.— Não parece.— Estudou para gerir o negócio da sua família, não para vender roupas, mesmo caras.Edson não concordou comigo à procura de um emprego, ele disse que ele poderia manter-nos ambos perfeitamente até que chegou a minha hora de voltar para França, mas eu não queria abusar de sua boa vontade, fazendo-me mantido. Durante o primeiro ano na Inglaterra, preferi não tentar um emprego, temendo ser descoberta, mas, dep
Ao tirar a jaqueta de suas mãos, eu não podia ignorar a suavidade de sua pele ou a cor de seus olhos, que não eram verdes, eram castanhos claros ao redor da pupila e um tom verde-musgo perto da borda da íris. Uma cor tão estranha quanto bonita. A verdade é que bonito era um adjetivo que ficou aquém de descrevê-lo.—Até a próxima vez, o Sr. Thalia. — Respondeu seriamente.—Não é justo. — Respondi, impedindo de se virar.— O quê?— Que você sabe o meu nome e apelido e eu não sei o seu.— A sua vida pode continuar na perfeição sem a conhecer — E esta vez deu meia volta para ir servir um novo cliente.Eu dei uma última olhada nela enquanto cuidava de uma mulher que falava com ela como se ela a conhecesse toda a vida. Já na caixa, eu disse a mim mesmo que não poderia sair sem saber o nome dele e perguntei ao caixa, que hesitou um pouco antes de me dar.— Thalia, esse é o nome dela — a garota gentil me disse enquanto ainda sorria.Quando saí da loja, fui buscar o meu carro e dei umas voltas
Segunda-feira foi cansativa e, por volta da hora da partida, eu me vi desejando que Inácio parecesse continuar insistindo em sair comigo. Chame-me de idiota, mas fiquei desapontada quando ele não apareceu, nem nos dias seguintes. Na sexta-feira, quando verificamos que tudo estava em ordem dentro de nossas seções, Amanda me disse que na noite seguinte ela iria a uma festa com pessoas que poderiam impulsionar sua carreira de modelo.— Espero ter sorte.— Você vai ter e em poucos meses você estará em uma passarela, vestindo as roupas dos grandes designers — eu encorajei.— Gostaria de se juntar a mim? — Pergunta de repente e olhei para ela sem saber se aceitava ou não.— Onde estamos? — Ele sorriu para mim e eu sorri de volta para ela. A verdade é que a conheço muito pouco e eu gostei de ser considerada. Também Amanda gostava muito de mim.******Esse foi um dos meus dois sábados gratuitos por mês e, pela primeira vez em muito tempo, tive o prazer de fazer compras e fiz isso em uma loja
Inácio.Eu não sabia o que esperar daquele primeiro encontro com Thalia, mas eu faria o que fosse preciso para impedi-la de rejeitar um segundo. Nosso encontro na noite anterior foi obra do acaso, Paulo estava envolvido com sua amiga, me deu a desculpa perfeita para me aproximar dela e, aliás, salvar sua amiga de se tornar a amante do turno daquele idiota. Eu ainda podia sentir o calor de sua pele, o cheiro delicioso que seu cabelo emitia e o ritmo acelerado de sua respiração.Eu gostei, eu não tinha dúvidas, mas as palavras que ela me disse no dia em que me encharcou e com a palavra na boca naquela cafeteria estavam frescas na minha memória. Talvez por isso tenha preferido não entrar na loja na semana anterior. Juro que estava prestes a desistir de meus esforços para conseguir um encontro com ela, mas o destino queria que nos víssemos novamente e eu tomei como o sinal de que eu precisava para continuar.— O que está fazendo acordado tão cedo no domingo? — Marcos perguntou assim que p
ThaliaInácio não apareceu na loja a semana toda e tão pouco ligou e eu pensei que depois do nosso primeiro encontro ele não teve mais vontade. Eu não sabia se deveria ficar aliviada ou desapontada, por não ter que mentir e pular coisas da minha vida anterior e desapontado porque eu realmente pensei que queria outro encontro.— Que planos tem para esta noite? — Celina perguntou-me, a quem já considerava minha amiga.—Chuveiro quente, jantar e cama —Eu respondi, como se esse fosse o melhor plano do mundo para uma noite de sábado.—Vamos comer algo delicioso quando o nosso dia acabar ... Ou talvez —sussurrou, olhando por cima do ombro.— Por que não?—Porque tenho outros planos, alguns que tenho bastantes.A própria bruxa drenou o caroço no momento em que senti a presença do Inácio atrás de mim. Eu me virei lentamente, acreditando que fazer dessa maneira faria o impacto de vê-lo novamente menos, mas eu estava completamente errada. Eu tinha certeza de que meu coração sempre pularia uma
Inácio.A vida tem uma maneira muito cruel de fazer você ver a realidade e tirar seus sonhos. Só a dor que senti anos atrás, quando soube que minha mãe estava morta, era comparável ao que senti quando descobri que a mulher que amava roubou o projeto em que eu havia planejado por meses, para dá-la ao amante.Um negócio relacionado à empresa que meu pai herdou de meu irmão e de mim, me forçou a ficar na França por mais de uma semana. Durante nossas ligações noturnas, Thalia parecia um pouco desconfortável, como se algo o preocupasse e, pouco antes de cortar, ele me disse que tinha algo muito importante para me dizer, mas que não podia fazer isso pelo telefone, que me contaria assim que voltasse. No meu regresso à Inglaterra, nem tive tempo de falar com ela, pois uma chamada dos organizadores do concurso obrigou-me a viajar. A pessoa que me ligou disse-me que eu deveria relatar a primeira coisa no dia seguinte ao escritório do diretor do museu para discutir um assunto muito importante.Q
Ele já havia perdido a conta dos copos que bebia, tentando esquecer pelo menos por um momento a traição da mulher que ama. Inácio nunca se permitiu sentir amor por uma mulher até que ela cruzou seu caminho, com seu rosto angelical e sua voz doce. Seu amor por aquela mulher era tão grande que ele se permitiu imaginar uma vida inteira ao seu lado. Acreditando sinceramente que poderia seguir os passos de seu irmão mais velho e formar uma família feliz, seus sonhos e objetivos profissionais empalideceram na frente de seus sonhos com ela.— Maldito mentirosa! — Gritou, atirando a garrafa contra a parede e vendo como ela se partiu em milhares de pedaços e o licor molhou o tapete.— Inácio! Para!Marcos o parou antes de pegar outra garrafa do frigobar. Até então, ele deixara de processar a dor da traição sem intervir.— Por que não me disse que amar tanto doía? — Murmurou com um olhar perdido.— Amar não faz mal, meu irmão—respondeu sentado ao lado —, o que dói é que você falhou.— Devo ter
França, três anos antes de tudo...Minha vida mudou e não exatamente para melhor quando minha mãe faleceu tentando trazer para o mundo meu irmão que eu tanto desejava. Papai caiu em uma depressão profunda e, embora ele me amasse, preferiu não me ver. Parecia tanto com minha mãe que minha presença o fez lembrar o que ele perdeu. Pensei que, com o tempo, ele pararia de ver minha mãe em mim e retomaríamos o bom relacionamento que sempre tivemos, mas isso não aconteceu. Nem um mês se passou quando sua irmã viúva se mudou para nossa casa e assumiu o controle de tudo.Eu, que era uma filha amada e mimada por meus pais, de um dia para o outro eu estava trancada em um internato. Quando o pai anunciou a sua decisão de me mandar para a Inglaterra, não pude ignorar o sorriso sorrateiro da infeliz da minha tia. Eu não tinha dúvidas de que ela plantou a ideia de me mandar para aquele internato com a desculpa de que eu teria uma boa educação e seria bem atendida. Lembro-me de chorar até adormecer,