CAPÍTULO 3

Thalia.

Uma semana após o funeral, eu estava há poucos minutos para saber sobre o último testamento do meu pai. Eu não me sentia segura, muito menos confiante, algo me dizia que era impossível para mim colocar em minhas mãos jovens a herança acumulada pelos meus pais.

— Vamos começar? — disse o advogado, arrumando os óculos.

Além da minha tia, os funcionários mais velhos da casa estavam presentes no escritório, quatro ao todo, incluindo minha babá, que me olhou com preocupação. Isso deve ter sido suficiente para eu perceber que eu não ia gostar do conteúdo desse testamento.

— Eu, Taylor Fontes, em pleno uso das minhas faculdades mentais, decidi distribuir a minha herança da seguinte forma: aos meus fiéis funcionários será atribuída a soma de cem mil euros, uma soma que espero que os ajude a ter uma velhice tranquila e desfrutar da sua família.

Minha tia apertou os lábios, como se não gostasse que os funcionários recebessem uma quantia que lhes permitisse melhorar suas vidas e poder certamente servi-los.

— A minha querida irmã — continuou o advogado e desta vez fui eu que fiz um gesto de nojo —, Dulce Fontes, eu deixo a casa em França, sei o quanto ela gosta e o quão feliz ela vai estar naquele lugar. Além desta propriedade, você receberá dois milhões de euros e uma pensão mensal de cinco mil euros até o dia em que você falecer. Você só vai parar de recebê-lo se você se casar novamente.

Ela duvidava muito do que o jovem amante propôs a ela, suas visitas ao amanhecer foram com o único propósito de fazê-la gemer como uma cadela no cio e nada mais. Eu até cheguei a pensar que o cara era um daqueles prostitutos vendidos para mulheres de classe alta.

— Thalia, sendo minha única filha, é claro, receberá todos os meus bens dentro e fora da França. Deixo minhas ações na companhia de navegação em suas mãos e espero que, quando você estiver pronto, faça parte do conselho de administração e participe ativamente da tomada de decisões.

Até então, eu ia pedir tudo de boca em boca, nem nos meus sonhos mais otimistas eu me imaginava como a herdeira máxima do meu pai, tecnicamente eu estava herdando tudo. Mas era bom demais para ser verdade, ninguém te deixa tanto sem colocar condições. E essas condições foram o que mudou o curso da minha vida.

— Se no momento da leitura do meu último testamento a Thalia tiver 24 anos, ela tomará posse da sua herança imediatamente; se não for esse o caso, a Dulce tornar-se-á sua executora até atingir a idade acima mencionada. Estou confiante de que minha irmã cuidará tanto da minha filha quanto da herança dela.

O frio tomou conta do meu corpo, eu não me senti capaz de me levantar para sair do escritório. Ela possuía tudo e nada ao mesmo tempo. Nesse ponto, devo ter sido imune a decepções, mas a verdade é que não foi, por um momento fugaz, que me permiti sentir alguma esperança, perdê-la segundos depois.

O sorriso que Dulce me dedicou fez meu cabelo ficar de pé, esse sorriso não anunciou nada de bom. Eu já podia dizer adeus aos planos que eu coloquei na minha cabeça boba na noite anterior, quando eu acreditava que papai não poderia me decepcionar mais e que talvez, só talvez, em seu testamento ele me compensasse pelos anos de silêncios e ausências.

“Até depois da morte, continua a ficar desiludida, a minha consciência foi ridicularizada e, por mais que doesse, concordei.”

O que poderia o homem que me colocou de lado quando eu mais precisava esperar?

Nada, absolutamente nada.

Quase três anos foram deixados para atingir a idade necessária para herdar, mas eu não queria me curvar ao testamento da minha tia. Eu não tinha dúvidas de que, sob o pretexto de ser minha executora, tentaria não somente controlar minhas despesas, mas toda a minha vida.

“Ou talvez me queria longe, para roubar à vontade.” Esse último pensamento, obrigou-me a quebrar o silêncio.

— E como vou viver até completar 24 anos e tomar posse da minha herança?

— A sua tia cuidará de lhe fornecer tudo o que precisa — respondeu o advogado, olhando para mim como se eu fosse um completa idiota.

— Eu vou cuidar do seu bem-estar, você pode ter certeza, minha querida. — Disse minha tia, mas eu não fui enganada por seu rosto de mosca-morta.

— O pai dela deixou isto — o advogado disse, dando-me um envelope selado.

Hesitei em levá-lo, fiquei tão desapontado que não estava interessada em saber o conteúdo daquele envelope. O olhar severo daquele homem fez-me acabar por pegá-lo e colocá-lo nas minhas pernas, como se fosse um objeto de menor valor.

O resto do conteúdo da vontade, eu ouvi sem prestar atenção. Nada escrito lá me beneficiou, eram somente instruções para a gestão dos negócios da família que seriam responsáveis pela minha tia nos próximos anos. Quando a leitura chegou ao fim, deixei o escritório, tentando não parecer tão derrotada quanto me sentia. A minha babá seguiu-me até o quarto e, quando estávamos lá dentro, ela fechou a porta.

— Tenha cuidado com sua tia — sussurrou, segurando minhas mãos em sua — Essa mulher não é boa e tentará manter o que lhe pertence.

— Porque que está me dizendo isso?

Servos muitas vezes sabem os segredos de seus empregadores e ela tinha certeza de que Cloe não era exceção. Minha babá trabalhava naquela casa antes mesmo de eu nascer e, quando fui enviada para estudar no exterior, ela assumiu o papel de governanta.

— Ouvem-se coisas… — Respondeu, baixando ainda mais o tom.

— Que coisas? — Suspirei  tentando ser paciente.

— A tua tia pediu ao homem para a visitar todas as noites, para te seduzir, fazer você se apaixonar e fazer você casar com ele.

—Não me diga...

A minha tia deve ter pensado que era demasiado discreta para pensar que naquele momento eu não a tinha visto pôr aquele homem na minha casa, todas as manhãs dos últimos seis dias. Se ela pensasse que ia cair nas redes daquele tipo, já podia esperar sentada.

— Ele vai apresentar-te nos próximos dias, eu sei porque ele me pediu para planejar um jantar especial para cinco pessoas.

— Cinco?

—O amante da sua tia é filho de um parceiro numa das empresas em que o seu pai tem boa parte das ações, muito provavelmente está acompanhado pelos pais.

Pressionei meus lábios, entendendo que minha tia estava planejando um casamento de conveniência, mas de conveniência para si mesma. Era do interesse de Helia que eu me casasse com seu amante, somente para tê-la em suas mãos, mas para continuar a controlar minha herança, mesmo após atingir a idade de herdar. Quando a Cloe me deixou em paz, pensei nisso, pensando na melhor maneira de frustrar os planos dessas pessoas.

Meus anos na Inglaterra e depois em países me ensinaram a ser cautelosa e não agir por impulso. Pela mesma razão, eu disse a mim mesmo que era melhor esperar que minha tia movesse um arquivo e anunciasse aquele jantar feliz. Eu tinha que fingir demência se eu quisesse chegar ao fundo do assunto, pelo menos esse era o meu plano até aquela manhã. Movida pela curiosidade, eu coloquei meu ouvido na porta da minha tia e descobri o que ela realmente queria fazer comigo.

—Prepare-se para conhecer a mosca-morta minha sobrinha pessoalmente. — Foi a primeira coisa que ela disse após recuperar o fôlego — o jantar será este sábado.

—Acho que não é difícil para mim seduzi-la, vi-a no funeral e ela não parece muito inteligente.

—Está pronto? — perguntou a bruxa —, o suficiente para não acreditar nas minhas boas intenções. Ela pode ter uma cara tola, mas não é.

— Seduzir uma mulher com um cérebro não é fácil. O que farei se a sua sobrinha não cair de primeira?

— Vai cair, basta mostrar algum amor, para alguém que implorou por atenção metade da sua vida, deve ser bom ser tido em conta por um homem tão atraente como você — lançado em tom de zombaria.

Eu cerrei meus punhos com raiva, querendo quebrar a porta e arrastá-la para fora daquele quarto, minha casa e minha vida.

— Espero que caia em breve, se tudo correr como planejado, em menos de seis meses vamos ter tudo — disse o tipo.

— Terá que ser em mais de seis, para não levantar suspeitas.

— O que propõe?

— Quem morre depois de um ano do casamento — respondeu altamente, como se planejar matar uma pessoa fosse a coisa mais natural do mundo — Só temos que nos certificar de que aconteceu um acidente, como o do pai dele.

Eu segurei o grito que lutava para deixar minha garganta. Se eles me encontrassem ouvindo, eu não teria um ano de vida, eles acabariam comigo naquele exato momento. Em vez de voltar para o meu quarto, saí de casa e corri pelo caminho que separava a casa grande da minha babá. Bati na porta  e dei um suspiro de alívio quando a luz acendeu.

— O que aconteceu? — perguntou com preocupação, puxando o meu braço para me meter na sua casa.

— Querem matar, tal como mataram o meu pai — sussurrei, sacudindo-me, sabendo o que me esperava se eu ficasse naquele lugar.

— Tem que ir e ficar escondida até poder reclamar a sua herança.

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