Tamires.
Um mês após o casamento, eu estava mais do que acostumado com Inácio me ignorando, o que quero mais, eu apreciei o que ele fez. As poucas vezes que ele falou comigo foram basicamente para me lembrar que eu não poderia sair de casa, a menos que eu fosse acompanhada por um dos guardas que ele contratou especificamente para impedir de fugir.
Em termos práticos, eu era um prisioneiro naquela casa, mas eu preferia mil vezes aquela prisão onde eu não tinha falta de comida e estava confortável, do que uma prisão real. O problema com esta prisão era que um dos meus guardas era um gato que parecia me odiar tanto ou mais do que Inácio. Matará gostava de rasgar minhas roupas, a maioria dos meus sapatos eram adornados com suas garras e sempre que eu saía do quarto, eu me certificava de fechá-lo firmemente e que aquele demônio peludo não estava por perto. As cicatrizes dos últimos arranhões que ela me deu em um descuido eram quase perceptíveis e eu não tinha intenção de dar a ela uma nova chance de me machucar.
A minha vida naquela casa não era totalmente má. Marcos, apesar de sua seriedade, cumprimentou-me com bondade. Rafaela estava tentando cuidar do gato e eu digo que ela estava tentando, porque perto de dar à luz, como ela estava, não podia se mover com tanta agilidade e quando chegou ao local. Matará já havia cometido o delito e saiu como se nada tivesse acontecido. Ela já havia perdido a conta das vezes que Rafaela, completamente arrependida, se ofereceu para pagar o dano.
Naquela noite, durante o jantar, Marcos anunciou a chegada da família de Rafaela e o olhar que ela deu a Inácio não passou despercebido, como se a avisasse para não fazer nada estúpido na frente das visitas. Eu não tinha nada para me avisar, porque eu fiz o meu melhor para passar despercebido, compartilhou a mesa com eles em todas as refeições e passou o resto do dia na sala, planejando meu retorno para França assim que fizer 24 anos.
— Eu morro para ver esse Oliver. — Eu não sabia quem era esse Oliver, mas a julgar pelo brilho no olhar de Rafaela, ele deve ter sido alguém muito especial.
Thalia.
— Como chegou aqui? — Edson perguntou assim que entrei no apartamento dele.
— Eu consegui — eu sorri, me acomodando em seu confortável sofá — Começo na segunda-feira.
Naquela manhã, eu tive uma entrevista de emprego em uma das lojas de luxo no ringue e, graças ao meu inglês fluente, eu consegui o lugar disponível como vendedora naquela loja. O salário não era ruim e, se eu adicionasse as comissões, teria dinheiro suficiente para viver bem durante o ano e meio que faltava para completar 24 anos.
— Estou contente por você. — ter dito num tom plano e sem alegria.
— Não parece.
— Estudou para gerir o negócio da sua família, não para vender roupas, mesmo caras.
Edson não concordou comigo à procura de um emprego, ele disse que ele poderia manter-nos ambos perfeitamente até que chegou a minha hora de voltar para França, mas eu não queria abusar de sua boa vontade, fazendo-me mantido. Durante o primeiro ano na Inglaterra, preferi não tentar um emprego, temendo ser descoberta, mas, depois de todo o tempo sem que minha tia encontrasse o meu paradeiro, perdi o medo e o desejo de sair e fazer algo útil.
— Posso te emprestar o dinheiro que precisar até recuperar a tua herança, tenho a certeza de que me pagará todos os últimos centavos. — Ele olhou para mim esperançosamente, mas a minha decisão foi tomada.
— Aprecio, mas quero trabalhar e vou — O meu tom não admitiu réplica.
O dinheiro não era eterno e do que retirei do cartão de débito que a minha tia me deu quando saí da França, restavam somente 200 euros. Do dinheiro que retirei da minha conta poupança, não havia tocado num centavo, tinha-o bem guardado em caso de emergência.
No caso de você perguntar, Edson e eu não moramos no mesmo apartamento, embora vivemos no mesmo edifício. Éramos colegas de quarto por alguns meses, mas era impossível adormecer quando coloquei uma de suas conquistas em casa e seus gemidos me impediram de dormir à vontade.
Quando um dos apartamentos no andar de baixo estava livre, eu vi o céu aberto e falei com o gerente do prédio para alugá-lo para mim. Edson estava tão incomodado com a minha mudança que ele não falou comigo por uma semana, mas quando a raiva passou, nos tornamos amigos como sempre.
— Você gosta de macarrão?
— Claro — respondi com um sorriso —, nunca rejeitaria um prato de massa preparado pelo meu melhor amigo.
Alimentando-me era a sua maneira de resolver as discussões e, entre continuar a lutar e comer algo delicioso, ele preferiu o segundo mil vezes. Edson me fez sentir amada e protegida, eu o via como aquele irmão mais velho que eu não tinha e não havia dia em que eu não agradecesse por tê-lo em minha vida. Desde que saí de França, ela cuidou de mim e se certificou de que eu me sentia confortável em seu apartamento e com sua companhia. A primeira coisa que eu faria assim que recebesse minha herança de volta seria compensar ele e minha babá, como eles mereciam.
Na segunda-feira, acordei cedo e vesti-me e fiz as pazes, como me indicam as instruções dadas pelo chefe da loja. Apesar da simplicidade do uniforme, era elegante e confortável. Verifiquei a minha mala, certificando-me de que não me esquecia de nada e, quando saí de casa, com o firme propósito de ter um grande dia.
Cheguei à loja com tempo suficiente para me apresentar aos meus colegas de trabalho, alguns deles ficaram felizes em ter ajuda extra, não os outros cinco. Logo depois, uma das garotas legais me disse que mais uma vendedora significava menos comissões. O trabalho era basicamente aconselhar potenciais compradores e tornar sua experiência na loja agradável. Sendo novo, eu tive que aceitar de bom grado ser enviado para a seção masculina.
De manhã, atendi dois clientes, o primeiro deles um homem com mais de cinquenta anos que me via como uma potencial candidata para ser sua amante e não se incomodou em propor isso. Rejeitei sua grande oferta, mas fiz isso sem fazer o escândalo que o velho merecia.
— Fico lisonjeada — sorri falsamente, baixando a voz —, mas a minha última namorada foi infiel e colocou com uma doença que me impede… bem…
Eu quase deixei de lado o riso quando vi seu rosto horrorizado. Ela estava faltando pés para sair da loja e, embora ela não tenha comprado nada ou alcançado a minha primeira comissão, eu poderia estar satisfeito.
O segundo cliente era um jogador da Inter de Milão que precisava de um terno elegante e um par de camisas para montá-lo. Ele foi muito gentil e aceitou de bom grado as minhas sugestões. Quando saiu da loja, não o fez com um, mas com dois fatos e cinco camisas que iam bem com qualquer um deles, além de um par de gravatas e meias.
— Nada mal para o seu primeiro dia — o caixa disse-me, com um piscar de olhos.
Na hora do almoço, tive a oportunidade de conhecer melhor as garotas legais. Celina e Amanda. Aqui foi uma das grandes capitais da moda e, portanto, o lugar ideal para perseguir esse sonho em particular.
— E o jogador de futebol? — A Celina me perguntou.
— Foi ótimo.
— Nem toda a gente é assim, há alguns com uma mão demasiado longa — Amanda comentou.
— Espero não ter que lidar com um desses, já tive o suficiente com o velho que me propôs ser sua amante.
Elas riram em voz alta, como me livrei do velho.
Passei boa parte da tarde atendendo a uma mulher que não se decidia por uma camisa. Entre conversa e conversa, ela me disse estar economizando há meses para dar esse presente ao marido e que não poderia estar errada em escolher. No final, ela saiu com a promessa de voltar no dia seguinte. Era quase hora de sair quando um dos homens mais bonitos que eu havia visto desde que eu estava na cidade entrou na loja. Inglaterra era a cidade com os homens mais bonitos por metro quadrado, mas este tinha um ar exótico que poderosamente chamou minha atenção.
— Boa tarde! — cumprimentei-o com o meu melhor sorriso — Como posso ajudá-los?
— Em muitas coisas — respondeu com imprudência, olhando para mim da cabeça aos pés —, mas por enquanto uma camisa será suficiente.
— Alguma cor especial? — Perguntei, ficando sério.
— Aceito sugestões.
Virei as costas para eles e fui procurar as cores que eu achava que lhe convinha. Um deles me seguiu e me observou cada um dos meus movimentos de perto, fazendo-me sentir nervosa. No entanto, seus olhares atrevidos e sorrisos, longe de me fazer sentir nojo, me deixaram lisonjeada.
— Você é nova — foi afirmação.
— Comecei hoje — respondi, mostrando-vos a minha primeira sugestão.
— Eu gosto, mas é branco.
— O branco é sóbrio, elegante, vai bem com tudo — respondi, num tom persuasivo.
— Tem razão, mas no meu trabalho o alvo fica sujo muito facilmente.
— Nesse caso, vou procurar outra cor. — Virei as costas a ele mais uma vez e fui em busca das camisas em cores escuras.
— Não quero saber que trabalho? — Virei para ele, que estava muito perto da minha, para que eu pudesse apreciar o pequeno corte na sobrancelha direita.
— Não.
— De qualquer forma, vou dizer — Ele sorriu e pela primeira vez na minha vida senti as minhas pernas tremerem ao sorriso de um homem — Sou arquiteto.
— Bom para você. — respondi rapidamente, colocando distância entre nós.
Tirei uma camisa preta do cabide e, quando mostrei a ele, soltou uma risada que ecoou em todos os cantos do meu corpo.— Preto? — Ele arqueou a sobrancelha.— Com essa cor, a sujeira não é perceptível.— Vou levar.Eu o levei até o caixa e, por alguma estranha razão, fiquei ao lado dele enquanto pagava pela camisa feliz. Descobri que o nome dele era Inacio Montes. Suspirei, não sei se é um alívio, quando ele entrou pela porta da loja e saiu.— Ele gostou de você, e vai voltar uma e outra vez só para te ver.As palavras do meu parceiro tornara-se realidade três dias depois, quando Inacio entrou na loja e me procurou. Desta vez, ele queria uma jaqueta formal e demorou a decidir-se enquanto tentava saber mais sobre mim.— Você concordaria em tomar um café comigo? — Ele perguntou, apontando para a jaqueta azul-marinho.— Não — respondi, quando estava mesmo a morrer para dizer sim.— Voltarei quantas vezes for necessário até que diga sim — ele prometeu-me e eu acreditei nele. E o que é pior
Segunda-feira foi cansativa e, por volta da hora da partida, eu me vi desejando que Inácio parecesse continuar insistindo em sair comigo. Chame-me de idiota, mas fiquei desapontada quando ele não apareceu, nem nos dias seguintes. Na sexta-feira, quando verificamos que tudo estava em ordem dentro de nossas seções, Amanda me disse que na noite seguinte ela iria a uma festa com pessoas que poderiam impulsionar sua carreira de modelo.— Espero ter sorte.— Você vai ter e em poucos meses você estará em uma passarela, vestindo as roupas dos grandes designers — eu encorajei.— Gostaria de se juntar a mim? — Pergunta de repente e olhei para ela sem saber se aceitava ou não.— Onde estamos? — Ele sorriu para mim e eu sorri de volta para ela. A verdade é que a conheço muito pouco e eu gostei de ser considerada. Também Amanda gostava muito de mim.******Esse foi um dos meus dois sábados gratuitos por mês e, pela primeira vez em muito tempo, tive o prazer de fazer compras e fiz isso em uma loja
Inácio.Eu não sabia o que esperar daquele primeiro encontro com Thalia, mas eu faria o que fosse preciso para impedi-la de rejeitar um segundo. Nosso encontro na noite anterior foi obra do acaso, Paulo estava envolvido com sua amiga, me deu a desculpa perfeita para me aproximar dela e, aliás, salvar sua amiga de se tornar a amante do turno daquele idiota. Eu ainda podia sentir o calor de sua pele, o cheiro delicioso que seu cabelo emitia e o ritmo acelerado de sua respiração.Eu gostei, eu não tinha dúvidas, mas as palavras que ela me disse no dia em que me encharcou e com a palavra na boca naquela cafeteria estavam frescas na minha memória. Talvez por isso tenha preferido não entrar na loja na semana anterior. Juro que estava prestes a desistir de meus esforços para conseguir um encontro com ela, mas o destino queria que nos víssemos novamente e eu tomei como o sinal de que eu precisava para continuar.— O que está fazendo acordado tão cedo no domingo? — Marcos perguntou assim que pu
O almoço, além de ser rico, nos fez perceber nosso amor pela massa bolonhesa. Ela não queria que o encontro terminasse, mas teve que terminar de uma maneira memorável e, pela mesma razão, eu a convidei para fazer um passeio de barco no canal. O passeio durou menos de uma hora e, quando saímos do barco, o sol estava quase escondido.— Espero que tenham gostado tanto deste compromisso que queiram repetir — disse-lhe assim que parei o carro à porta do seu prédio.— Gostei — admitiu com um sorriso.— Isso significa que vamos repetir a esse encontro?Sem dizer nada apenas agradeci e deu um sorriso e Inácio pegou em meu braço e quase me beijou e eu ia deixar. Porém me lembrei que poderia ser perigoso demais para mim.ThaliaInácio não apareceu na loja a semana toda e tão pouco ligou e eu pensei que depois do nosso primeiro encontro ele não teve mais vontade. Eu não sabia se deveria ficar aliviada ou desapontada, por não ter que mentir e pular coisas da minha vida anterior e desapontado porq
Depois desse dia, fomos ao apartamento pelo menos uma vez por semana e, se, por algum motivo, Inácio não pudesse me pegar depois do trabalho, eu entraria com a chave que me deu e esperaria por sua chegada. Assim que entrei pela porta, ele me jogou em seus braços e me beijou até eu tirar o fôlego. Algumas vezes quase perdemos o controle, mas conseguimos nos controlar a tempo. Meu sangue ardia durante o dia que eu queria para ele, eu precisava dizer a verdade, eu não podia mais esperar para ser completamente dele, mas na noite em que eu ia contar tudo, um evento imprevisto surgiu e ele teve que viajar para França.Naquela mesma noite, Edson, completamente bêbado, bateu na minha porta e tivemos uma briga que lançou as bases para o meu futuro infortúnio.— Eu te amo — solto alto, batendo no peito um do outro —, mas você… Não podia apaixonar pelo filho do empregado, tinha que estar alguém à tua altura.— Edson… Você não me ama — eu cortei, enquanto tentava processar sua confissão.— Eu te a
Thalai.Eu nunca esqueceria o quão humilhada eu me sentia quando fui levado para fora da loja com as mãos algemadas, em plena vista e paciência de todos. Assim que me chamaram pelo meu nome verdadeiro, decidi ficar em silêncio, sabia que de alguma forma minha tia conseguiu me encontrar e que tudo o que estava acontecendo fazia parte de um plano para fazer voltar antes de atingir a idade necessária para reivindicar minha herança e deixá-la.Deixei minha mente ficar branca enquanto meus supostos direitos eram lidos para mim. Fiz o meu caminho para a delegacia de polícia em completo silêncio, pensando sobre quem deveria fazer a única chamada a que eu tinha direito. Quando eles me tiraram da patrulha, estava claro que deveria ligar para Inácio, mas naquele momento eu não sabia que ele era o único que me acusou de roubar um de seus projetos. O sangue esfriou nas minhas veias e senti o peso do mundo cair sobre os meus ombros assim que o soube. Eu não podia acreditar que ele estava por trás
Ela estava completamente bêbada, pela mesma razão, o que ela disse não poderia ser mais honesto e real. Sim, perdia o homem que amava. Nesse ponto, minhas esperanças de vê-lo aparecer lá fora eram praticamente nulas. Quando os primeiros raios de sol vazaram mediante uma pequena janela, meu corpo estava entorpecido e dolorido. Essa foi, sem dúvida, a pior noite da minha vida e não me vi capaz de suportar dois anos com seus dias e noites em uma prisão, nas quais as condições de confinamento tinham que ser piores do que as daquela delegacia.“Você pode aceitar o acordo da bruxa; uma vez livre, você pode escapar novamente.”Sorri sem humor, consciente de que, se pusesse os pés na França, nunca mais sairia de lá. Tia Dulce não me daria uma única chance de escapar, ela ficaria de olho em mim e, se possível, trancada no meu quarto até o dia do casamento.A manhã passou lentamente, enquanto as mulheres nas outras celas foram liberadas. A mulher com quem falei foi a última a sair e ela se desp
Quando entramos em seu apartamento, fui duramente atingido por seu aroma doce, aquele que me deixou louco e que eu tive que ignorar para o meu próprio bem. Não importa o quão traiçoeira e mentirosa ela fosse, ela ainda era bonita e ainda a queria.— Depressa, não tenho o dia todo para te ver a arrumar as tuas coisas.— Não demorou muito — murmurou por mim.Só o meu quarto na casa do meu irmão deve ser maior do que aquele pequeno apartamento. Apesar de quão pequeno era, parecia limpo e arrumado e cada detalhe capturava a essência da mulher que eu achava que conhecia.Enquanto ouvia sua agitação em seu quarto, eu me permitia ver as fotos dessas molduras que ela havia colocado na mesa central da sala. Eram fotos de quando era criança e na maioria delas tinha o mesmo sorriso pelo qual me apaixonei. Mas de todas essas fotos, havia uma que me deixou com a boca aberta. Quando, em uma de nossas muitas conversas, ela me disse que se parecia muito com sua mãe e que seu pai a levou embora por es