Thalia.
— Como chegou aqui? — Edson perguntou assim que entrei no apartamento dele.
— Eu consegui — eu sorri, me acomodando em seu confortável sofá — Começo na segunda-feira.
Naquela manhã, eu tive uma entrevista de emprego em uma das lojas de luxo no ringue e, graças ao meu inglês fluente, eu consegui o lugar disponível como vendedora naquela loja. O salário não era ruim e, se eu adicionasse as comissões, teria dinheiro suficiente para viver bem durante o ano e meio que faltava para completar 24 anos.
— Estou contente por você. — ter dito num tom plano e sem alegria.
— Não parece.
— Estudou para gerir o negócio da sua família, não para vender roupas, mesmo caras.
Edson não concordou comigo à procura de um emprego, ele disse que ele poderia manter-nos ambos perfeitamente até que chegou a minha hora de voltar para França, mas eu não queria abusar de sua boa vontade, fazendo-me mantido. Durante o primeiro ano na Inglaterra, preferi não tentar um emprego, temendo ser descoberta, mas, depois de todo o tempo sem que minha tia encontrasse o meu paradeiro, perdi o medo e o desejo de sair e fazer algo útil.
— Posso te emprestar o dinheiro que precisar até recuperar a tua herança, tenho a certeza de que me pagará todos os últimos centavos. — Ele olhou para mim esperançosamente, mas a minha decisão foi tomada.
— Aprecio, mas quero trabalhar e vou — O meu tom não admitiu réplica.
O dinheiro não era eterno e do que retirei do cartão de débito que a minha tia me deu quando saí da França, restavam somente 200 euros. Do dinheiro que retirei da minha conta poupança, não havia tocado num centavo, tinha-o bem guardado em caso de emergência.
No caso de você perguntar, Edson e eu não moramos no mesmo apartamento, embora vivemos no mesmo edifício. Éramos colegas de quarto por alguns meses, mas era impossível adormecer quando coloquei uma de suas conquistas em casa e seus gemidos me impediram de dormir à vontade.
Quando um dos apartamentos no andar de baixo estava livre, eu vi o céu aberto e falei com o gerente do prédio para alugá-lo para mim. Edson estava tão incomodado com a minha mudança que ele não falou comigo por uma semana, mas quando a raiva passou, nos tornamos amigos como sempre.
— Você gosta de macarrão?
— Claro — respondi com um sorriso —, nunca rejeitaria um prato de massa preparado pelo meu melhor amigo.
Alimentando-me era a sua maneira de resolver as discussões e, entre continuar a lutar e comer algo delicioso, ele preferiu o segundo mil vezes. Edson me fez sentir amada e protegida, eu o via como aquele irmão mais velho que eu não tinha e não havia dia em que eu não agradecesse por tê-lo em minha vida. Desde que saí de França, ela cuidou de mim e se certificou de que eu me sentia confortável em seu apartamento e com sua companhia. A primeira coisa que eu faria assim que recebesse minha herança de volta seria compensar ele e minha babá, como eles mereciam.
Na segunda-feira, acordei cedo e vesti-me e fiz as pazes, como me indicam as instruções dadas pelo chefe da loja. Apesar da simplicidade do uniforme, era elegante e confortável. Verifiquei a minha mala, certificando-me de que não me esquecia de nada e, quando saí de casa, com o firme propósito de ter um grande dia.
Cheguei à loja com tempo suficiente para me apresentar aos meus colegas de trabalho, alguns deles ficaram felizes em ter ajuda extra, não os outros cinco. Logo depois, uma das garotas legais me disse que mais uma vendedora significava menos comissões. O trabalho era basicamente aconselhar potenciais compradores e tornar sua experiência na loja agradável. Sendo novo, eu tive que aceitar de bom grado ser enviado para a seção masculina.
De manhã, atendi dois clientes, o primeiro deles um homem com mais de cinquenta anos que me via como uma potencial candidata para ser sua amante e não se incomodou em propor isso. Rejeitei sua grande oferta, mas fiz isso sem fazer o escândalo que o velho merecia.
— Fico lisonjeada — sorri falsamente, baixando a voz —, mas a minha última namorada foi infiel e colocou com uma doença que me impede… bem…
Eu quase deixei de lado o riso quando vi seu rosto horrorizado. Ela estava faltando pés para sair da loja e, embora ela não tenha comprado nada ou alcançado a minha primeira comissão, eu poderia estar satisfeito.
O segundo cliente era um jogador da Inter de Milão que precisava de um terno elegante e um par de camisas para montá-lo. Ele foi muito gentil e aceitou de bom grado as minhas sugestões. Quando saiu da loja, não o fez com um, mas com dois fatos e cinco camisas que iam bem com qualquer um deles, além de um par de gravatas e meias.
— Nada mal para o seu primeiro dia — o caixa disse-me, com um piscar de olhos.
Na hora do almoço, tive a oportunidade de conhecer melhor as garotas legais. Celina e Amanda. Aqui foi uma das grandes capitais da moda e, portanto, o lugar ideal para perseguir esse sonho em particular.
— E o jogador de futebol? — A Celina me perguntou.
— Foi ótimo.
— Nem toda a gente é assim, há alguns com uma mão demasiado longa — Amanda comentou.
— Espero não ter que lidar com um desses, já tive o suficiente com o velho que me propôs ser sua amante.
Elas riram em voz alta, como me livrei do velho.
Passei boa parte da tarde atendendo a uma mulher que não se decidia por uma camisa. Entre conversa e conversa, ela me disse estar economizando há meses para dar esse presente ao marido e que não poderia estar errada em escolher. No final, ela saiu com a promessa de voltar no dia seguinte. Era quase hora de sair quando um dos homens mais bonitos que eu havia visto desde que eu estava na cidade entrou na loja. Inglaterra era a cidade com os homens mais bonitos por metro quadrado, mas este tinha um ar exótico que poderosamente chamou minha atenção.
— Boa tarde! — cumprimentei-o com o meu melhor sorriso — Como posso ajudá-los?
— Em muitas coisas — respondeu com imprudência, olhando para mim da cabeça aos pés —, mas por enquanto uma camisa será suficiente.
— Alguma cor especial? — Perguntei, ficando sério.
— Aceito sugestões.
Virei as costas para eles e fui procurar as cores que eu achava que lhe convinha. Um deles me seguiu e me observou cada um dos meus movimentos de perto, fazendo-me sentir nervosa. No entanto, seus olhares atrevidos e sorrisos, longe de me fazer sentir nojo, me deixaram lisonjeada.
— Você é nova — foi afirmação.
— Comecei hoje — respondi, mostrando-vos a minha primeira sugestão.
— Eu gosto, mas é branco.
— O branco é sóbrio, elegante, vai bem com tudo — respondi, num tom persuasivo.
— Tem razão, mas no meu trabalho o alvo fica sujo muito facilmente.
— Nesse caso, vou procurar outra cor. — Virei as costas a ele mais uma vez e fui em busca das camisas em cores escuras.
— Não quero saber que trabalho? — Virei para ele, que estava muito perto da minha, para que eu pudesse apreciar o pequeno corte na sobrancelha direita.
— Não.
— De qualquer forma, vou dizer — Ele sorriu e pela primeira vez na minha vida senti as minhas pernas tremerem ao sorriso de um homem — Sou arquiteto.
— Bom para você. — respondi rapidamente, colocando distância entre nós.
Tirei uma camisa preta do cabide e, quando mostrei a ele, soltou uma risada que ecoou em todos os cantos do meu corpo.
— Preto? — Ele arqueou a sobrancelha.
— Com essa cor, a sujeira não é perceptível.
— Vou levar.
Eu o levei até o caixa e, por alguma estranha razão, fiquei ao lado dele enquanto pagava pela camisa feliz. Descobri que o nome dele era Inacio Montes. Suspirei, não sei se é um alívio, quando ele entrou pela porta da loja e saiu.
— Ele gostou de você, e vai voltar uma e outra vez só para te ver.
As palavras do meu parceiro tornara-se realidade três dias depois, quando Inacio entrou na loja e me procurou. Desta vez, ele queria uma jaqueta formal e demorou a decidir-se enquanto tentava saber mais sobre mim.
— Você concordaria em tomar um café comigo? — Ele perguntou, apontando para a jaqueta azul-marinho.
— Não — respondi, quando estava mesmo a morrer para dizer sim.
— Voltarei quantas vezes for necessário até que diga sim — ele prometeu-me e eu acreditei nele. E o que é pior, queria que ele cumprisse a sua promessa.
Ao tirar a jaqueta de suas mãos, eu não podia ignorar a suavidade de sua pele ou a cor de seus olhos, que não eram verdes, eram castanhos claros ao redor da pupila e um tom verde-musgo perto da borda da íris. Uma cor tão estranha quanto bonita. A verdade é que bonito era um adjetivo que ficou aquém de descrevê-lo.—Até a próxima vez, o Sr. Thalia. — Respondeu seriamente.—Não é justo. — Respondi, impedindo de se virar.— O quê?— Que você sabe o meu nome e apelido e eu não sei o seu.— A sua vida pode continuar na perfeição sem a conhecer — E esta vez deu meia volta para ir servir um novo cliente.Eu dei uma última olhada nela enquanto cuidava de uma mulher que falava com ela como se ela a conhecesse toda a vida. Já na caixa, eu disse a mim mesmo que não poderia sair sem saber o nome dele e perguntei ao caixa, que hesitou um pouco antes de me dar.— Thalia, esse é o nome dela — a garota gentil me disse enquanto ainda sorria.Quando saí da loja, fui buscar o meu carro e dei umas voltas
Segunda-feira foi cansativa e, por volta da hora da partida, eu me vi desejando que Inácio parecesse continuar insistindo em sair comigo. Chame-me de idiota, mas fiquei desapontada quando ele não apareceu, nem nos dias seguintes. Na sexta-feira, quando verificamos que tudo estava em ordem dentro de nossas seções, Amanda me disse que na noite seguinte ela iria a uma festa com pessoas que poderiam impulsionar sua carreira de modelo.— Espero ter sorte.— Você vai ter e em poucos meses você estará em uma passarela, vestindo as roupas dos grandes designers — eu encorajei.— Gostaria de se juntar a mim? — Pergunta de repente e olhei para ela sem saber se aceitava ou não.— Onde estamos? — Ele sorriu para mim e eu sorri de volta para ela. A verdade é que a conheço muito pouco e eu gostei de ser considerada. Também Amanda gostava muito de mim.******Esse foi um dos meus dois sábados gratuitos por mês e, pela primeira vez em muito tempo, tive o prazer de fazer compras e fiz isso em uma loja
Inácio.Eu não sabia o que esperar daquele primeiro encontro com Thalia, mas eu faria o que fosse preciso para impedi-la de rejeitar um segundo. Nosso encontro na noite anterior foi obra do acaso, Paulo estava envolvido com sua amiga, me deu a desculpa perfeita para me aproximar dela e, aliás, salvar sua amiga de se tornar a amante do turno daquele idiota. Eu ainda podia sentir o calor de sua pele, o cheiro delicioso que seu cabelo emitia e o ritmo acelerado de sua respiração.Eu gostei, eu não tinha dúvidas, mas as palavras que ela me disse no dia em que me encharcou e com a palavra na boca naquela cafeteria estavam frescas na minha memória. Talvez por isso tenha preferido não entrar na loja na semana anterior. Juro que estava prestes a desistir de meus esforços para conseguir um encontro com ela, mas o destino queria que nos víssemos novamente e eu tomei como o sinal de que eu precisava para continuar.— O que está fazendo acordado tão cedo no domingo? — Marcos perguntou assim que p
ThaliaInácio não apareceu na loja a semana toda e tão pouco ligou e eu pensei que depois do nosso primeiro encontro ele não teve mais vontade. Eu não sabia se deveria ficar aliviada ou desapontada, por não ter que mentir e pular coisas da minha vida anterior e desapontado porque eu realmente pensei que queria outro encontro.— Que planos tem para esta noite? — Celina perguntou-me, a quem já considerava minha amiga.—Chuveiro quente, jantar e cama —Eu respondi, como se esse fosse o melhor plano do mundo para uma noite de sábado.—Vamos comer algo delicioso quando o nosso dia acabar ... Ou talvez —sussurrou, olhando por cima do ombro.— Por que não?—Porque tenho outros planos, alguns que tenho bastantes.A própria bruxa drenou o caroço no momento em que senti a presença do Inácio atrás de mim. Eu me virei lentamente, acreditando que fazer dessa maneira faria o impacto de vê-lo novamente menos, mas eu estava completamente errada. Eu tinha certeza de que meu coração sempre pularia uma
Inácio.A vida tem uma maneira muito cruel de fazer você ver a realidade e tirar seus sonhos. Só a dor que senti anos atrás, quando soube que minha mãe estava morta, era comparável ao que senti quando descobri que a mulher que amava roubou o projeto em que eu havia planejado por meses, para dá-la ao amante.Um negócio relacionado à empresa que meu pai herdou de meu irmão e de mim, me forçou a ficar na França por mais de uma semana. Durante nossas ligações noturnas, Thalia parecia um pouco desconfortável, como se algo o preocupasse e, pouco antes de cortar, ele me disse que tinha algo muito importante para me dizer, mas que não podia fazer isso pelo telefone, que me contaria assim que voltasse. No meu regresso à Inglaterra, nem tive tempo de falar com ela, pois uma chamada dos organizadores do concurso obrigou-me a viajar. A pessoa que me ligou disse-me que eu deveria relatar a primeira coisa no dia seguinte ao escritório do diretor do museu para discutir um assunto muito importante.Q
Ele já havia perdido a conta dos copos que bebia, tentando esquecer pelo menos por um momento a traição da mulher que ama. Inácio nunca se permitiu sentir amor por uma mulher até que ela cruzou seu caminho, com seu rosto angelical e sua voz doce. Seu amor por aquela mulher era tão grande que ele se permitiu imaginar uma vida inteira ao seu lado. Acreditando sinceramente que poderia seguir os passos de seu irmão mais velho e formar uma família feliz, seus sonhos e objetivos profissionais empalideceram na frente de seus sonhos com ela.— Maldito mentirosa! — Gritou, atirando a garrafa contra a parede e vendo como ela se partiu em milhares de pedaços e o licor molhou o tapete.— Inácio! Para!Marcos o parou antes de pegar outra garrafa do frigobar. Até então, ele deixara de processar a dor da traição sem intervir.— Por que não me disse que amar tanto doía? — Murmurou com um olhar perdido.— Amar não faz mal, meu irmão—respondeu sentado ao lado —, o que dói é que você falhou.— Devo ter
França, três anos antes de tudo...Minha vida mudou e não exatamente para melhor quando minha mãe faleceu tentando trazer para o mundo meu irmão que eu tanto desejava. Papai caiu em uma depressão profunda e, embora ele me amasse, preferiu não me ver. Parecia tanto com minha mãe que minha presença o fez lembrar o que ele perdeu. Pensei que, com o tempo, ele pararia de ver minha mãe em mim e retomaríamos o bom relacionamento que sempre tivemos, mas isso não aconteceu. Nem um mês se passou quando sua irmã viúva se mudou para nossa casa e assumiu o controle de tudo.Eu, que era uma filha amada e mimada por meus pais, de um dia para o outro eu estava trancada em um internato. Quando o pai anunciou a sua decisão de me mandar para a Inglaterra, não pude ignorar o sorriso sorrateiro da infeliz da minha tia. Eu não tinha dúvidas de que ela plantou a ideia de me mandar para aquele internato com a desculpa de que eu teria uma boa educação e seria bem atendida. Lembro-me de chorar até adormecer,
Thalia.As horas de voo, somadas à rota entre o aeroporto, só serviram para fazer minha mente imaginar os piores cenários. A esperança era uma daquelas emoções que raramente me permitiam sentir. Quando o carro parou na porta da clínica, eu torci o gesto quando vi minha tia.— Como está? — Perguntei sem sequer cumprimentá-la.— Vou ignorar a tua má educação, mas só que desta vez —avisou-me, virando as costas para mim para segui-la.Naquela hora, eu a odiava muito mais do que antes, ela era a culpada por se afastar do meu pai e ninguém me faria acreditar no contrário. Segui-a por um longo corredor até chegar a uma sala onde um médico estava esperando por nós e, a julgar pela expressão sombria em seu rosto, ela não tinha nada de bom a dizer.— Esta é a sua filha, —acabou de chegar e o homem.— Vai recuperar? O médico olhou para a minha tia, como se pedisse permissão para me dar informações sobre a condição do meu próprio pai. Eu odiava o controle que a bruxa exercia sobre todos ao seu r