Eu sempre gostei de aventuras. Sair à noite para visitar minhas amigas que moram nos bairros mais periféricos da cidade, tendo em vista o alto índice de criminalidade, faz parte do pacote de desbravamento e diria até de insanidade. Mesmo numa moto Biz 125, equipado com capacete, o medo não me impedia de sentir calafrios.
Natasha morava há muitos quilômetros da minha casa, quase do outro lado da cidade de Teresina, e eu a visitava, religiosamente, todas as quartas-feiras após o futebol na TV Globo. Ela estava passando por uma crise séria no casamento, suspeitava que o marido a traia, mas não tinha provas, e pretendia dar cabo da própria vida, então sempre ia lá na casa dela no intuito de impedir esse ato de loucura.
Nos conhecíamos desde o en
Eu sempre amei o natal. Para mim, essa é a melhor época do ano. Tempo de reflexão, de olharmos para si mesmos e nos reavaliarmos enquanto pessoas, o que fizemos de certo e errado durante o ano, enfim... Faltavam dez minutos para meia noite e finalmente iniciarmos a ceia com tudo que temos direito: um peru (ou talvez frango) pequeno assado com batatas, sidra das mais baratas, arroz à grega sem uvas-passas, saladinha com poucos legumes e um tender. Esse ano precisei economizar ao máximo para a ceia porque tudo está muito caro, diferentemente de anos anteriores, em que comprava tudo do bom e do melhor. Sentei-me à mesa e me servi de um pedaço do peru com uma generosa porção de arroz, fiz uma oração em agradecimento por tudo que passei esse ano e pedi bênçãos e muita energia posit
As férias de Kassandra era o momento mais aguardado do ano. Não aguentava mais tanta pressão no trabalho e na faculdade de Direito, em especial quando aproximava-se o período de avaliações e término do semestre. Nas férias que se aproximavam, pretendia viajar com o namorado Plínio e o casal de amigos Léia e Jordan, na sua Blazer 2000 verde musgo. Dias de ansiedade passaram-se até que finalmente a viagem chegou. Iam para o litoral do Piauí, em Luís Correia, 30 km de Parnaíba. No caminho, contemplaram a linda paisagem litorânea, misturada com o cerrado e a caatinga, típica do estado. Já estavam cansados e estressados de percorrerem mais de 700 km de estrada, pois residiam em Picos, no centro-sul do Piauí. Kassandra dirigia o carro que fora de seu falecido pai e, hora por outra, balbuciava alguma insatisfa&c
Todos os dias paro em frente à janela do meu modesto apartamento, nesse conjunto habitacional popular, daqueles tipo Minha casa Minha vida, e contemplo, daqui de dentro, solitariamente, através das persianas empoeiradas, crianças e alguns poucos corajosos brincando nas áreas de convivência. Estou isolado há quase um ano, sozinho, devido a pandemia da Covid. Meus pais se refugiaram no sítio da família, são aposentados, e me deixaram aqui. Trabalho em home-office. Não sei o que é pior: a sensação de medo, insegurança, indignação (sim, o governo vem vacinando a população a passos de tartaruga). Ainda bem que meus pais já receberam as duas doses da Pfizer. Tá passada?!!! Mas, mesmo assim, preferiram não arriscar e fi
Eloá encantava pelo seu jeito doce, meigo e tímido. Dona de belos olhos cor-de-mel, cabelos loiros naturais, formas bem distribuídas e pele alva como a neve, fora entregue, pelos seus pais, para o coronel Fredson Albuquerque, um homem de 60 anos, por um dote no valor de um milhão de cruzeiros. A pobre moça, sem muita instrução e maturidade, nasceu na pequena cidade Serro Azul e, ainda adolescente, já era observada pelo coronel mais rico da região. Fredson tinha um filho de 25 anos, chamado Henrique. O rapaz era médico e era o homem mais cobiçado entre as moças de sua idade, por sua beleza, status e poder. Após Fredson casar-se, forçadamente, com Eloá, o casal fora morar na mansão do coronel, a casa mais luxuosa da pequena cidade. – Me solte, não sou sua escrava, s
Nunca tive uma vida fácil, pelo contrário, era humilhado vinte e quatro horas por dia, por não conseguir emprego. Mesmo depois de formado, o mercado de trabalho ainda não havia me abrido portas para que pudesse mostrar minha eficiência. Tudo isso no auge dos meus 23 anos. Poderia narrar uma história piegas de quem viveu eternamente frustrado, mas antes disso, vamos por partes. Nesse exato momento, vos conto essa história do mais belo paraíso, rodeado por flores de todas as cores, formas e tamanhos. Apenas uma luz branca e intensa o tempo todo ilumina o lugar e uma voz firme conversa comigo. É voz de homem, não sei se é Deus. Desculpem minha indelicadeza, me chamo Erick Drumond. Há dez anos, quando esse desfecho começou, percebi que era bem diferente dos meninos da minha rua, especialmente os da minha ida
Acordava às três da tarde todos os dias. Dormia durante o dia e me sujeitava a uma subvida à noite. Os riscos eram constantes. Viver da prostituição em uma cidade grande como São Paulo, não é nada fácil, ainda mais para uma travesti. Antes de continuar essa história, deixem-me apresentar: me chamo Lígia Braga, tenho 30 anos, sou travesti e vivo da prostituição desde os 15. Reconheço que, graças a essa vida perigosa e arriscada, conquistei meu carro – um Eco Esporte do ano, preto, meu apartamento de 100 metros quadrados no Morumbi, bairro nobre de São Paulo, coloquei minhas próteses de silicone na bunda e nos seios e montei meu corpo através de várias cirurgias plásticas para a feminilização. Vim de uma cidade pequena, com pouco mais de 2 mil habitantes, no int
Me chamo Helena Silva, mas podem me chamar de Lena, ou, simplesmente, Leninha, como a maioria dos meus amigos me chamam. Nunca fui o tipo de garota mais atraente do mundo, pelo contrário, fisicamente falando, sou um desastre inconcebível! É fato que o que vale, hoje em dia, para essa sociedade tão repugnante e hipócrita é a beleza e o dinheiro. Não tenho nenhum dos dois. Sou gorda, negra, cabelo bem afro, pobre... Trabalho como doméstica na casa de uma família de classe média alta. O motivo de eu escrever esse desabafo é justamente este: meus patrões são maravilhosos, especialmente minha chefinha, a dona Carmem Lima, uma mulher de trinta e nove anos, branca, loira, peituda, corpo bonito, apesar de dois filhos. Ela é casada com o homem dos meus sonhos: Maurício Lima, um empresário do ramo
Era uma noite escura e fria. As ruas de São Paulo, naquele bairro periférico, estavam particularmente mais sinistras àquele horário. Beirava às 2h da manhã de uma sexta-feira nublada, quase chovendo. David e Maurício caminhavam tranquilamente pela calçada, conversando e de mãos dadas. Ainda não moravam juntos, não achavam que era tempo para isso. O apartamento de ambos ficava no mesmo bairro, no entanto, dois quarteirões separavam o casal. O carro de Maurício estava na oficina, numa revisão gratuita oferecida pela concessionária. – Poxa, gato, que pena que seu carro não ficou pronto ontem. – disse David quase em um suss