Acordava às três da tarde todos os dias. Dormia durante o dia e me sujeitava a uma subvida à noite. Os riscos eram constantes. Viver da prostituição em uma cidade grande como São Paulo, não é nada fácil, ainda mais para uma travesti. Antes de continuar essa história, deixem-me apresentar: me chamo Lígia Braga, tenho 30 anos, sou travesti e vivo da prostituição desde os 15.
Reconheço que, graças a essa vida perigosa e arriscada, conquistei meu carro – um Eco Esporte do ano, preto, meu apartamento de 100 metros quadrados no Morumbi, bairro nobre de São Paulo, coloquei minhas próteses de silicone na bunda e nos seios e montei meu corpo através de várias cirurgias plásticas para a feminilização. Vim de uma cidade pequena, com pouco mais de 2 mil habitantes, no interior do Piauí, em 1995.
Na época, eu ainda era apenas um jovem gay e inexperiente, embriagado com as oportunidades de sexo fácil e de bofes escândalos.
– Viadinho sem peito não vinga, tem que se bombar. – disse Stella, uma travesti de meia idade, loira e muito bonita, segurando uma Prada na mão direita e ostentando um Rommanel em um dos dedos da mão esquerda. – Se quiser, mona, te ensino tudo! Sei aonde tem uma bombadeira ótima.
Stella me levou a casa de outra travesti ainda mais velha que ela. Dandara, que aparentava ter 60 anos, ainda tinha marcas que a identificavam de longe que se tratava de um homem. O corpo largo e pesado, exibia seios mal colocados de um silicone industrial que desceu até os pés, deixando-os inchados. A casa de Dandara era simples, porém, bem limpa e organizada. Os móveis eram de extremo bom gosto.
– É ela, a bicha que te falei. Ela não cobra caro. – disse Stella, me mostrando Dandara.
– Vou cobrar apenas R$ 2.000,00. – falou Dandara sorridente.
– Eu não tenho esse dinheiro agora! – falei no automático, diante do susto que tomei.
– Se vira, se quer ser feminina, ou se bomba e se entope de hormônio, ou então vai continuar sendo um simples viadinho pra sempre.
– Eu quero me bombar, sim, mas no momento não sei como pagar.
– Ué, paga como todas pagam. Dandara também é cafetina de moninhas novinhas que nem você. Ela vai te bombar e você assume a dívida, entendeu? – falou Stella com voz firme, quase nervosa.
– Me prostituir? – quase gritei com a indagação. Não tenho nada contra com essa profissão, só não me enquadrava nela.
– Viado burro, ninguém dá emprego a travesti não. Esse é seu único caminho, se quiser ter uma vida quase digna e pagar tuas contas. – resmungou Dandara, pegando uma enorme e grossa seringa. – Você vai ficar belíssima e ganhar muito dinheiro, confia em mim. Logo logo paga essa continha e vai enricar. Você tá tomando seus hormônios em dias? – perguntou Dandara.
– Sim. Uma dose cavalar de Perlutan todas as noites. – respondi. Meus seios já despontavam como pequenos limões, minha voz estava bem fina e meus pelos pararam de crescer. Já me sentia uma mulher.
Dandara se aproximou com a seringa cheia de um liquido viscoso e transparente que lembrava detergente neutro, mas na verdade era silicone industrial. Muitas travestis, ainda hoje, em nome da beleza e da feminilidade, fazem uso do silicone industrial, pois é mais barato e prático para aplicar, mas eu não recomendo. É muito perigoso. Tive sorte, o meu não desceu para nenhuma parte do meu corpo.
– Deita de bruços aqui. – ela apontou para uma cama suja. – Aguente firme, vai doer um pouco. – e enfiou com vontade a seringa em meus seios e nos glúteos.
A princípio, senti muita dor, mas Stella me deu uma dose de Xilocaína e amenizou o incômodo. Percebi de imediato meus tão sonhados peitos e bunda grandes, como se eles sempre estivessem lá.
– Amanhã você já pode ir pra rua atender as mariconas. Cobre caro, você é linda. – falou Stella sorridente.
E fui. A partir desse dia, comecei a ir pra esquina da rua Leopoldo Prudente, todas as noites, e ganhei muito dinheiro. Saía com os mais diversos tipos de clientes, desde homens casados, novinhos, mulheres e até outras travestis. Era mais ativa na cama. Na rua é assim, ou a mona come ou passa fome. Com duas semanas de esquina, paguei a dívida com Dandara, dei um “agrado” a Stella e aluguei meu cantinho. Os anos se passaram, tive sorte, não nego, até hoje o silicone não me afetou nem me desmontou. Não me arrependo dessa vida que levei, pois foi por meio dela que deu meu sustento e consegui meu marido. Hoje sou casada com um ex cliente que sempre saía comigo. O nome dele é Paulo. O bofe é escândalo. Tem só 20 aninhos, um bebê, praticamente.
Dou de tudo a ele. Estamos felizes. Nos casamos ano passado numa igreja inclusiva, ele é empresário e eu, atualmente, sou cabelereira. Abri um salão moderno no Shopping Morumbi. Não tenho mais contato com nenhum parente. Nem mesmo minha mãe. Foram cruéis demais comigo, me espancavam, me expulsaram de casa. Acho que eles sentem remorso, mas não estou nem aí para os sentimentos deles. Ainda cheguei a m****r cem mil reais em um envelope, pelo Sedex, para minha mãe. Espero que ela tenha feito um bom proveito.
Me chamo Helena Silva, mas podem me chamar de Lena, ou, simplesmente, Leninha, como a maioria dos meus amigos me chamam. Nunca fui o tipo de garota mais atraente do mundo, pelo contrário, fisicamente falando, sou um desastre inconcebível! É fato que o que vale, hoje em dia, para essa sociedade tão repugnante e hipócrita é a beleza e o dinheiro. Não tenho nenhum dos dois. Sou gorda, negra, cabelo bem afro, pobre... Trabalho como doméstica na casa de uma família de classe média alta. O motivo de eu escrever esse desabafo é justamente este: meus patrões são maravilhosos, especialmente minha chefinha, a dona Carmem Lima, uma mulher de trinta e nove anos, branca, loira, peituda, corpo bonito, apesar de dois filhos. Ela é casada com o homem dos meus sonhos: Maurício Lima, um empresário do ramo
Era uma noite escura e fria. As ruas de São Paulo, naquele bairro periférico, estavam particularmente mais sinistras àquele horário. Beirava às 2h da manhã de uma sexta-feira nublada, quase chovendo. David e Maurício caminhavam tranquilamente pela calçada, conversando e de mãos dadas. Ainda não moravam juntos, não achavam que era tempo para isso. O apartamento de ambos ficava no mesmo bairro, no entanto, dois quarteirões separavam o casal. O carro de Maurício estava na oficina, numa revisão gratuita oferecida pela concessionária. – Poxa, gato, que pena que seu carro não ficou pronto ontem. – disse David quase em um suss
Quem hoje me vê aqui, acamado, debilitado, respirando por aparelhos e sondas me espetando as veias tentando me dá um pouco mais de vida, nesse hospital imundo e sem luz, nem imagina o quão foi minha vida. Tudo começou há 20 anos. Quando conheci Nailton, um rapaz tímido, jovem de apenas 18 anos, trabalhador, da periferia, não imaginava sequer que ele curtia homens. Numa noite fria de setembro, após paquera-lo muito, tive a audácia de convida-lo para uma seresta que estava acontecendo do outro lado da cidade. Ele aceitou sem hesitar. Fomos no meu carro. Conversamos pouco, Nailton me revelara que gostava de dançar e beber e me desafiou a chegarmos apenas quando o dia amanhecesse, pois havia dito a ele que nunca havia chegado em casa tão tarde. Eu, um homem de 30 anos, separado há meses da minha ex-mulher, sem filhos, não sabia mui
Há anos o Dr. Dickins se tranca em seu escritório secreto no subsolo de sua casa. Ninguém o vê publicamente, exceto sua filha, Rosa, que mora na mesma residência que o pai. A casa do cientista Dickins é uma modesta fazenda, nos arredores de Teresina. A idade avançada requer cuidados extras que só Rosa poderia dar. O velho Dickins, um homem de 80 anos, com uma barba branca, bem calvo, pele clara e um pouco acima do peso. Tinha uma aparência bem caquética, tão frágil quanto um vidro. Por anos Rosa se perguntou porque seu pai não ia a superfície interagir com os vizinhos e com o resto da família. Dormia, literalmente, na grande sala onde fazia seus experimentos. Dickins era f
No badalar dos sinos da catedral Nossa Senhora dos Remédios, sempre que a população os ouviam, indicava que o tempo estava passando. Picos, naquelas épocas remotas, já não era a mesma. Em 1930, período de guerra e de seca, muitos pais de famílias foram escalados para lutar. Luís, um homem destemido, muito chamativo, porém pobre, vivia amancebado com Erinalva. Não queriam casar e o padre Benedito também se negara realizar o matrimônio, alegando que o casal era impuro e vivia no pecado. Boatos maldosos começaram a se espalhar por toda a cidade que Luís se transformava numa fera enorme, de olhos amarelos, pelo negro e áspero, com aparência de um lobo raivoso. Verdade ou não, o fato é que, realmente, em todas as sextas-feiras de lua cheia, por volta da meia noite, ouvia-se altissonante
Era muito comum nas férias de fim de ano ir visitar nossos avós, na Chapada Tamboril, um interior inabitado, exceto por nossos avós Francisco e Cecília, ambos com seus setenta e poucos anos, e mais alguns raros moradores da região. Sempre era a maior festa, a humilde casinha lotada de filhos e netos, a pick-up F75 verde musgo na garagem sempre à disposição dos que sabiam dirigir, para ir pegar lenha na mata, ou água na cacimba. O que mais adoro na vó, fora suas histórias encantadoras e surpreendentes, é a sua comida: ela fazia queijo, doce de leite e bolo. Todos os netos amavam! Vô Francisco, apesar de ser durão e um pouco insensível, sempre foi um homem digno, honesto e muito trabalhador. Acordava às 4h da manhã e ia ordenhar as vacas, obr
Em algum lugar do Brasil, 22 de Julho de 2016.1º dia - sexta-feira: Ao ouvir um áudio, no WhatsApp, enviado pelo Zé, tive a certeza que Caio nunca me amou de verdade. – Rapaz, você é uma pessoa maravilhosa, tem que aprender a se valorizar, se amar, para depois amar o outro. Sei que você o ama, quando ele esteve aqui em casa, no dia que ficamos, sabe o que ele me disse? “Rapaz, Zé, o Léo acha que somos namorados, mas é só na cabeça dele, nunca quis nem quero namorar ele”. Esse áudio só me fez ter a certeza que o Caio nunca me amou, talvez nem cogitasse algum sentimento. Longos onze meses sendo enrolado, enganado, tra&
Não sabe-se bem o porquê, mas não era nada convencional Jairo Rocha pedalar em sua bicicleta àquela hora da noite, na ciclovia. Passava das 23h. Pedalava em um ritmo frenético, apesar de demonstrar cansaço. O jovem senhor de 45 anos já havia pedalado mais de 20km às margens do Lago das Garças, com a gélida brisa suave nas suas narinas, ocasionalmente, e as ruas da pequena Florentina completamente vazias. O lago tinha uma extensão de 50km e circundava toda a cidade de 100 mil habitantes. A lua, parecendo um lampião azulado no céu sem estrelas, clareava mais que qualquer poste. Jairo não via a hora de chegar em casa, tomar um banho e dormir, mas não havia se atentado a distância da mesma. Ficava umas três léguas de onde estava. Era um homem sedentário, acima do peso, e pedalar fazia parte da pres