Me chamo Helena Silva, mas podem me chamar de Lena, ou, simplesmente, Leninha, como a maioria dos meus amigos me chamam. Nunca fui o tipo de garota mais atraente do mundo, pelo contrário, fisicamente falando, sou um desastre inconcebível! É fato que o que vale, hoje em dia, para essa sociedade tão repugnante e hipócrita é a beleza e o dinheiro.
Não tenho nenhum dos dois. Sou gorda, negra, cabelo bem afro, pobre... Trabalho como doméstica na casa de uma família de classe média alta. O motivo de eu escrever esse desabafo é justamente este: meus patrões são maravilhosos, especialmente minha chefinha, a dona Carmem Lima, uma mulher de trinta e nove anos, branca, loira, peituda, corpo bonito, apesar de dois filhos. Ela é casada com o homem dos meus sonhos: Maurício Lima, um empresário do ramo automobilístico. Tem quarenta e dois anos, cabelos grisalhos, pele clara, corpo atlético. Quando levo as roupas dele para lavar na máquina, nunca resisto; sempre pego suas cuecas e cheiro todas. Tem um cheiro maravilhoso. Desde quando comecei a trabalhar com essa família que me vejo perdidamente apaixonada por meu patrão. Ele é muito gente boa, paga o salário sempre no dia 10, nunca atrasa, paga décimo 13°, e sempre me leva para casa no fim do expediente, pois moro do outro lado da cidade, na Rua Porty Bello, esquina com o prostíbulo Sexy Nigth. Certo dia, escutei sem querer Carmem e Maurício discutindo, o motivo: W******p, dá para acreditar? Dona Carmem estava de conversinha com o chefe do departamento da empresa que ela é sócia. Não sei nem me interessa o teor dessa tal conversa, só sei que o pedido de separação, por parte de Maurício foi feito.
A audiência sobre divisão de bens é na próxima semana, e eu estou torcendo que ele assine logo essa maldita separação e se case comigo um dia. Afinal, não custa nada sonhar, não é mesmo? Todos os dias me perco olhando para as fotos dele, nos portas-retratos da sala. Ele é tão lindo, tão gostoso... Imagino-o me pegando de quatro, fazendo amor, me levando ao delírio. Pena que isso não passa de puros devaneios de uma mulher gorda, feia...
Helena não acreditou no que aconteceu dois meses depois da separação. Ela, a pedido de Mauricio, devido sua exacerbada competência e dedicação, continuou trabalhando na casa dele. Carmem foi morar com o filho, Bento, fruto de outro casamento anterior, desfrutando dos bens materiais e sociais (status) que Mauricio lhe proporcionara.
Sentindo-se ultimamente extremamente carente, evasivo, sem amor, Mauricio começou a perceber que Helena o olhava diferente, mais atenciosa que nunca. Não deu outra, acabou se envolvendo afetivo e sexualmente com ela, desprezando totalmente quaisquer estereótipos negativos a respeito de sua aparência física. Se viu perdidamente apaixonado por ela, ao perceber que ela o amava de verdade, que dinheiro não era importante na vida deles. Passados alguns meses de namoro, Mauricio pediu Leninha em casamento. Ela, obviamente, aceitou. O amava fazia tempo. Viveram felizes por longos anos, tiveram dois filhos: Dayse e Breno.
Era uma noite escura e fria. As ruas de São Paulo, naquele bairro periférico, estavam particularmente mais sinistras àquele horário. Beirava às 2h da manhã de uma sexta-feira nublada, quase chovendo. David e Maurício caminhavam tranquilamente pela calçada, conversando e de mãos dadas. Ainda não moravam juntos, não achavam que era tempo para isso. O apartamento de ambos ficava no mesmo bairro, no entanto, dois quarteirões separavam o casal. O carro de Maurício estava na oficina, numa revisão gratuita oferecida pela concessionária. – Poxa, gato, que pena que seu carro não ficou pronto ontem. – disse David quase em um suss
Quem hoje me vê aqui, acamado, debilitado, respirando por aparelhos e sondas me espetando as veias tentando me dá um pouco mais de vida, nesse hospital imundo e sem luz, nem imagina o quão foi minha vida. Tudo começou há 20 anos. Quando conheci Nailton, um rapaz tímido, jovem de apenas 18 anos, trabalhador, da periferia, não imaginava sequer que ele curtia homens. Numa noite fria de setembro, após paquera-lo muito, tive a audácia de convida-lo para uma seresta que estava acontecendo do outro lado da cidade. Ele aceitou sem hesitar. Fomos no meu carro. Conversamos pouco, Nailton me revelara que gostava de dançar e beber e me desafiou a chegarmos apenas quando o dia amanhecesse, pois havia dito a ele que nunca havia chegado em casa tão tarde. Eu, um homem de 30 anos, separado há meses da minha ex-mulher, sem filhos, não sabia mui
Há anos o Dr. Dickins se tranca em seu escritório secreto no subsolo de sua casa. Ninguém o vê publicamente, exceto sua filha, Rosa, que mora na mesma residência que o pai. A casa do cientista Dickins é uma modesta fazenda, nos arredores de Teresina. A idade avançada requer cuidados extras que só Rosa poderia dar. O velho Dickins, um homem de 80 anos, com uma barba branca, bem calvo, pele clara e um pouco acima do peso. Tinha uma aparência bem caquética, tão frágil quanto um vidro. Por anos Rosa se perguntou porque seu pai não ia a superfície interagir com os vizinhos e com o resto da família. Dormia, literalmente, na grande sala onde fazia seus experimentos. Dickins era f
No badalar dos sinos da catedral Nossa Senhora dos Remédios, sempre que a população os ouviam, indicava que o tempo estava passando. Picos, naquelas épocas remotas, já não era a mesma. Em 1930, período de guerra e de seca, muitos pais de famílias foram escalados para lutar. Luís, um homem destemido, muito chamativo, porém pobre, vivia amancebado com Erinalva. Não queriam casar e o padre Benedito também se negara realizar o matrimônio, alegando que o casal era impuro e vivia no pecado. Boatos maldosos começaram a se espalhar por toda a cidade que Luís se transformava numa fera enorme, de olhos amarelos, pelo negro e áspero, com aparência de um lobo raivoso. Verdade ou não, o fato é que, realmente, em todas as sextas-feiras de lua cheia, por volta da meia noite, ouvia-se altissonante
Era muito comum nas férias de fim de ano ir visitar nossos avós, na Chapada Tamboril, um interior inabitado, exceto por nossos avós Francisco e Cecília, ambos com seus setenta e poucos anos, e mais alguns raros moradores da região. Sempre era a maior festa, a humilde casinha lotada de filhos e netos, a pick-up F75 verde musgo na garagem sempre à disposição dos que sabiam dirigir, para ir pegar lenha na mata, ou água na cacimba. O que mais adoro na vó, fora suas histórias encantadoras e surpreendentes, é a sua comida: ela fazia queijo, doce de leite e bolo. Todos os netos amavam! Vô Francisco, apesar de ser durão e um pouco insensível, sempre foi um homem digno, honesto e muito trabalhador. Acordava às 4h da manhã e ia ordenhar as vacas, obr
Em algum lugar do Brasil, 22 de Julho de 2016.1º dia - sexta-feira: Ao ouvir um áudio, no WhatsApp, enviado pelo Zé, tive a certeza que Caio nunca me amou de verdade. – Rapaz, você é uma pessoa maravilhosa, tem que aprender a se valorizar, se amar, para depois amar o outro. Sei que você o ama, quando ele esteve aqui em casa, no dia que ficamos, sabe o que ele me disse? “Rapaz, Zé, o Léo acha que somos namorados, mas é só na cabeça dele, nunca quis nem quero namorar ele”. Esse áudio só me fez ter a certeza que o Caio nunca me amou, talvez nem cogitasse algum sentimento. Longos onze meses sendo enrolado, enganado, tra&
Não sabe-se bem o porquê, mas não era nada convencional Jairo Rocha pedalar em sua bicicleta àquela hora da noite, na ciclovia. Passava das 23h. Pedalava em um ritmo frenético, apesar de demonstrar cansaço. O jovem senhor de 45 anos já havia pedalado mais de 20km às margens do Lago das Garças, com a gélida brisa suave nas suas narinas, ocasionalmente, e as ruas da pequena Florentina completamente vazias. O lago tinha uma extensão de 50km e circundava toda a cidade de 100 mil habitantes. A lua, parecendo um lampião azulado no céu sem estrelas, clareava mais que qualquer poste. Jairo não via a hora de chegar em casa, tomar um banho e dormir, mas não havia se atentado a distância da mesma. Ficava umas três léguas de onde estava. Era um homem sedentário, acima do peso, e pedalar fazia parte da pres
É inacreditável como as coisas podem dar um looping na sua vida da noite para o dia. Ano passado, em 2019, foi um ano incrível, pelo menos para mim. Ganhei muito dinheiro com as vendas dos meus portfólios, comprei meu apartamento no Morumbi praticamente à vista, troquei de carro por um modelo importado. Sem falar da promoção que ganhei na empresa de publicidade que trabalhava. Sim, o verbo está conjugado no tempo correto: pretérito. Ontem fui informado da minha demissão na empresa. Estou aqui, sentado no sofá e pensando o que fazer. Vamos por partes. Estamos em 2020, vivenciando a pandemia do coronavírus/covid-19, que nos obrigou a ficar em casa, em isolamento social como único meio eficiente de conter a curva de contágio. Ainda n