Evelyn, por dias, permaneceu envolta nas palavras de Geoffrey. Algo naquelas frases havia se entranhado nela como uma semente inquieta. Desde o início, percebera a tensão silenciosa entre seu sogro e o mordomo, uma tensão que ia muito além de protocolos e hierarquias. Os dias que permaneceu morando na mansão, via olhares desviados, silêncios longos demais, e uma espécie de lealdade ferida pairando no ar.O que a deixava intrigada era o fato de Geoffrey ainda permanecer naquela casa, naquela função — mesmo diante de um ambiente visivelmente constrangedor. Por que suportar isso? Por que não ir embora? A resposta parecia estar enterrada em algo mais profundo. Era evidente: os sentimentos dele por Donovan haviam ultrapassado, há muito, os limites da formalidade.Evelyn não sabia exatamente o que se escondia por trás daquela devoção silenciosa. Mas começava a suspeitar que havia uma história ali — antiga, intensa. Algo que ninguém ousava contar...Semanas depois, Reginald apare
A mala caiu sobre o chão de madeira com um baque seco, mas Reginald não se importou com o som. Estava de volta após quinze dias de viagem pelos hotéis e resorts da corporação, mas em nada aquilo lhe trouxera paz. Passara dias imerso em planilhas, relatórios e inspeções rigorosas, tentando ao máximo manter a mente ocupada. Mas nenhuma sala de reunião, por mais luxuosa que fosse, conseguia apagar de sua memória o gosto dos lábios de Evelyn.A lembrança era como uma maldição: o toque suave, o cheiro do perfume dela, a maneira como o mundo parecia parar por alguns segundos… tudo aquilo lhe corroía a alma.Ele se jogou no sofá da própria sala, afrouxando a gravata. O celular vibrou ao seu lado. Era Veronica.Ele apenas virou o aparelho com a tela para baixo, sem atender. Desde o episódio no restaurante, em que percebera a encenação armada para pressioná-lo, algo se partira entre os dois. Não havia mais encanto, nem respeito — apenas um pacto de aparências. E ele já não
O interfone tocou novamente. Evelyn atendeu com o coração acelerado. Era Reginald.— Vá embora, por favor. Não temos mais o que falar — disse, tentando manter o controle.— Não vou embora até falarmos sobre esse noivado absurdo.— Não perca seu tempo — respondeu, desligando.O silêncio permaneceu por um instante. Até que ela ouviu o som metálico da fechadura girando.Assustada, levantou-se. E viu Reginald entrando sem cerimônia.— Como ousa? — exclamou, indignada. — Me dê essa chave agora mesmo! Você não tem esse direito.Ele fechou a porta atrás de si, ignorando sua raiva.— Você cometeu um erro — disse, o olhar fervendo.Evelyn cruzou os braços, tentando conter a tempestade dentro dela.— Você não pode me cobrar nada — disse, firme. — Está com Veronica, lembra?— Eu não estou noivo dela. Nunca estive — respondeu ele, com a voz dura.– Mas me disseram que viram vocês entrando em uma joalheria!– Sim, fui lá com ela. Minha secretária fez aniversário, e a Veronica suge
Geoffrey estava com uma xícara nas mãos, o calor se espalhando pelas pontas dos dedos. O vapor subia suavemente, em espirais preguiçosas, como se quisesse desaparecer antes de alcançar o teto. A pequena casa de campo que herdara do avô da condessa era charmosa, antiga, com heras que trepavam pela fachada de pedra e janelas que rangiam quando o vento soprava mais forte. Era um refúgio silencioso, onde o tempo parecia andar mais devagar — às vezes até parar.Ali, longe dos olhos atentos da mansão, longe dos corredores onde as lembranças ainda murmuravam pelos cantos, ele podia respirar. A paz, no entanto, era falsa. O silêncio, incômodo. Tudo naquele lugar parecia estar em pausa — exceto os pensamentos.Da janela da cozinha, conseguia ver claramente quem chegava. Era um dos motivos pelos quais gostava daquela casa: a previsibilidade da solidão. Por isso, quando o sedã preto da família Ashbourne parou diante do portão de ferro forjado, um arrepio percorreu sua espinha.
O silêncio no carro era espesso, pesado como a névoa que se arrastava sobre a estrada deserta. Evelyn olhava pela janela, os dedos inquietos repousando sobre o ventre, onde a vida que carregava pulsava silenciosa e frágil. A paisagem desfilava em tons de cinza, envolta por uma chuva fina que parecia querer esconder o mundo. A casa que haviam visitado momentos antes era bonita, perfeita até, com seus jardins bem cuidados e janelas amplas que prometiam conforto e segurança. Ainda assim, algo profundo dentro dela se recusava a aceitar aquele lugar como lar. Era como se uma sombra pairasse sobre aquela perfeição, uma dúvida silenciosa que não a deixava em paz.Damián dirigia em silêncio, os olhos fixos na pista molhada, onde os reflexos da chuva criavam um mosaico de luzes e sombras. Seu rosto estava tenso, marcado por uma preocupação que ele não conseguia disfarçar. O peso da responsabilidade parecia esmagá-lo, e o silêncio entre os dois era carregado de palavras não dita
O portão do jardim dos fundos da casa se abriu sem aviso, e Veronica entrou como uma tempestade. Vestida com uma elegância fria e calculada, seus cabelos negros permaneciam impecáveis, mesmo com o vento que agitava as folhas do jardim. Cada passo dela afundava suavemente na grama molhada, mas não havia hesitação em seu caminhar — havia fogo nos olhos e um nome preso nos lábios, pronto para ferir.Na varanda, Reginald estava absorto em relatórios, os dedos deslizando pelo teclado do computador. O som dos passos a fez erguer a cabeça lentamente, o olhar cansado, mas firme.— Então é aqui que você se esconde — disse Veronica, a voz doce, mas carregada de veneno. — Longe da cidade, dos sócios... e de mim?Reginald suspirou, a expressão opaca. Não havia surpresa, apenas uma fadiga silenciosa.— Veronica, agora não é hora.— Agora é exatamente o momento — rebateu ela, avançando um passo, os olhos faiscando. — Já esperei demais. Você sumiu, Reginald. Ignorou minhas mensagens, m
O céu estava coberto por nuvens espessas. A brisa da manhã trazia consigo o cheiro úmido da terra molhada, misturado ao perfume adocicado das glicínias silvestres que se espalhavam, livres, pelas bordas do antigo cemitério dos ancestrais Montrose Carrington e agora propriedade da família Ashbourne. As lápides cobertas por musgos e heras pareciam mais do que simples túmulos — guardavam séculos de histórias, mágoas silenciosas e segredos nunca revelados.Ao fundo, entre ciprestes retorcidos, erguia-se um banco de pedra coberto por líquens, onde a condessa de Ashbourne permanecia sentada, imóvel, como parte da paisagem decadente. Ela mantinha os olhos fixos sobre uma única lápide, branca e imponente, de mármore puro, com inscrições em letras douradas: Donovan Montrose Carrington Ashbourne, 2001 – 2024. “Filho amado. Irmão leal. Tua breve presença marcou nossas vidas. Com amor, coragem e ternura. Embora tenhas partido cedo, teu nome permanece eterno em nossos corações. Na memória e no amo
O sol da tarde, filtrado pelas janelas altas da carpintaria, tingia o ar de um dourado pálido, iluminando partículas de poeira que dançavam lentamente. O cheiro de óleo de linho e verniz impregnava o espaço, misturando-se ao aroma de madeira envelhecida. Geoffrey estava imerso no silêncio habitual daquele refúgio, os dedos deslizando sobre o contorno de uma cadeira inacabada, quando batidas firmes na porta o arrancaram de seus pensamentos.Estranhou. Não ouvira o ronco de um motor, nem os passos na calçada. As batidas se repetiram, mais urgentes.Ao abrir a porta, deparou-se com Evelyn.Ela estava envolta em um sobretudo bege, os cabelos levemente desalinhados pelo vento, mas era o olhar que o atingiu — profundo, abatido, carregando um peso que ia muito além do cansaço.— Evelyn? — a voz dele soou surpresa com um toque de alegria. — O que está fazendo aqui?— Preciso conversar com você — respondeu ela, atravessando a soleira sem cerimônia, olhando para ele com ansiedade.