O interfone tocou novamente. Evelyn atendeu com o coração acelerado. Era Reginald.— Vá embora, por favor. Não temos mais o que falar — disse, tentando manter o controle.— Não vou embora até falarmos sobre esse noivado absurdo.— Não perca seu tempo — respondeu, desligando.O silêncio permaneceu por um instante. Até que ela ouviu o som metálico da fechadura girando.Assustada, levantou-se. E viu Reginald entrando sem cerimônia.— Como ousa? — exclamou, indignada. — Me dê essa chave agora mesmo! Você não tem esse direito.Ele fechou a porta atrás de si, ignorando sua raiva.— Você cometeu um erro — disse, o olhar fervendo.Evelyn cruzou os braços, tentando conter a tempestade dentro dela.— Você não pode me cobrar nada — disse, firme. — Está com Veronica, lembra?— Eu não estou noivo dela. Nunca estive — respondeu ele, com a voz dura.– Mas me disseram que viram vocês entrando em uma joalheria!– Sim, fui lá com ela. Minha secretária fez aniversário, e a Veronica suge
Geoffrey estava com uma xícara nas mãos, o calor se espalhando pelas pontas dos dedos. O vapor subia suavemente, em espirais preguiçosas, como se quisesse desaparecer antes de alcançar o teto. A pequena casa de campo que herdara do avô da condessa era charmosa, antiga, com heras que trepavam pela fachada de pedra e janelas que rangiam quando o vento soprava mais forte. Era um refúgio silencioso, onde o tempo parecia andar mais devagar — às vezes até parar.Ali, longe dos olhos atentos da mansão, longe dos corredores onde as lembranças ainda murmuravam pelos cantos, ele podia respirar. A paz, no entanto, era falsa. O silêncio, incômodo. Tudo naquele lugar parecia estar em pausa — exceto os pensamentos.Da janela da cozinha, conseguia ver claramente quem chegava. Era um dos motivos pelos quais gostava daquela casa: a previsibilidade da solidão. Por isso, quando o sedã preto da família Ashbourne parou diante do portão de ferro forjado, um arrepio percorreu sua espinha.
O silêncio no carro era espesso, pesado como a névoa que se arrastava sobre a estrada deserta. Evelyn olhava pela janela, os dedos inquietos repousando sobre o ventre, onde a vida que carregava pulsava silenciosa e frágil. A paisagem desfilava em tons de cinza, envolta por uma chuva fina que parecia querer esconder o mundo. A casa que haviam visitado momentos antes era bonita, perfeita até, com seus jardins bem cuidados e janelas amplas que prometiam conforto e segurança. Ainda assim, algo profundo dentro dela se recusava a aceitar aquele lugar como lar. Era como se uma sombra pairasse sobre aquela perfeição, uma dúvida silenciosa que não a deixava em paz.Damián dirigia em silêncio, os olhos fixos na pista molhada, onde os reflexos da chuva criavam um mosaico de luzes e sombras. Seu rosto estava tenso, marcado por uma preocupação que ele não conseguia disfarçar. O peso da responsabilidade parecia esmagá-lo, e o silêncio entre os dois era carregado de palavras não dita
O portão do jardim dos fundos da casa se abriu sem aviso, e Veronica entrou como uma tempestade. Vestida com uma elegância fria e calculada, seus cabelos negros permaneciam impecáveis, mesmo com o vento que agitava as folhas do jardim. Cada passo dela afundava suavemente na grama molhada, mas não havia hesitação em seu caminhar — havia fogo nos olhos e um nome preso nos lábios, pronto para ferir.Na varanda, Reginald estava absorto em relatórios, os dedos deslizando pelo teclado do computador. O som dos passos a fez erguer a cabeça lentamente, o olhar cansado, mas firme.— Então é aqui que você se esconde — disse Veronica, a voz doce, mas carregada de veneno. — Longe da cidade, dos sócios... e de mim?Reginald suspirou, a expressão opaca. Não havia surpresa, apenas uma fadiga silenciosa.— Veronica, agora não é hora.— Agora é exatamente o momento — rebateu ela, avançando um passo, os olhos faiscando. — Já esperei demais. Você sumiu, Reginald. Ignorou minhas mensagens, m
O céu estava coberto por nuvens espessas. A brisa da manhã trazia consigo o cheiro úmido da terra molhada, misturado ao perfume adocicado das glicínias silvestres que se espalhavam, livres, pelas bordas do antigo cemitério dos ancestrais Montrose Carrington e agora propriedade da família Ashbourne. As lápides cobertas por musgos e heras pareciam mais do que simples túmulos — guardavam séculos de histórias, mágoas silenciosas e segredos nunca revelados.Ao fundo, entre ciprestes retorcidos, erguia-se um banco de pedra coberto por líquens, onde a condessa de Ashbourne permanecia sentada, imóvel, como parte da paisagem decadente. Ela mantinha os olhos fixos sobre uma única lápide, branca e imponente, de mármore puro, com inscrições em letras douradas: Donovan Montrose Carrington Ashbourne, 2001 – 2024. “Filho amado. Irmão leal. Tua breve presença marcou nossas vidas. Com amor, coragem e ternura. Embora tenhas partido cedo, teu nome permanece eterno em nossos corações. Na memória e no amo
O sol da tarde, filtrado pelas janelas altas da carpintaria, tingia o ar de um dourado pálido, iluminando partículas de poeira que dançavam lentamente. O cheiro de óleo de linho e verniz impregnava o espaço, misturando-se ao aroma de madeira envelhecida. Geoffrey estava imerso no silêncio habitual daquele refúgio, os dedos deslizando sobre o contorno de uma cadeira inacabada, quando batidas firmes na porta o arrancaram de seus pensamentos.Estranhou. Não ouvira o ronco de um motor, nem os passos na calçada. As batidas se repetiram, mais urgentes.Ao abrir a porta, deparou-se com Evelyn.Ela estava envolta em um sobretudo bege, os cabelos levemente desalinhados pelo vento, mas era o olhar que o atingiu — profundo, abatido, carregando um peso que ia muito além do cansaço.— Evelyn? — a voz dele soou surpresa com um toque de alegria. — O que está fazendo aqui?— Preciso conversar com você — respondeu ela, atravessando a soleira sem cerimônia, olhando para ele com ansiedade.
A biblioteca era o cômodo mais antigo da mansão. As paredes, cobertas por estantes de carvalho escuro, absorviam os sons como se ouvissem demais há décadas. A luz fraca das luminárias dourava o ambiente com uma sensação de nostalgia pesada.Henry, sentado em sua poltrona de couro surrado, girava lentamente o cálice de conhaque entre os dedos. Seus olhos estavam perdidos no brilho âmbar da bebida, mas sua mente vagava para lugares muito mais sombrios.A condessa, sentada em uma poltrona lendo um livro, desviou os olhos das páginas e olhou para o conde com reprovação ao vê-lo encher o copo novamente, logo depois de ter bebido todo o conteúdo anterior.Ele a olhou de volta e deu de ombros, antes de retornar aos seus próprios pensamentos, mergulhando devagar.Os acontecimentos dos últimos dias o fizeram recordar de fatos do passado que ele detestava lembrar. Como, desde sempre, soubera que sua mãe fazia distinções. Reginald era o preferido. Sempre fora. Quantas vezes, ainda men
Evelyn caminhava pelo saguão imponente das Empresas Ashbourne. O chão de mármore branco refletia a luz dourada dos lustres, e o perfume suave de flores frescas misturava-se ao som ritmado dos saltos contra a pedra.À medida que ela se aproximava da porta, esta se abriu suavemente, deixando-a entrar no espaço, onde três recepcionistas, impecavelmente vestidas e maquiadas, se voltaram para ela com sorrisos profissionais.Por um instante, Evelyn hesitou. Sentiu-se pequena naquele mundo de luxo calculado. Segurou a bolsa Tote com firmeza, reunindo toda a coragem que conseguiu, e aproximou-se do balcão.— Boa tarde, senhora. — A recepcionista inclinou-se levemente, seus dentes alvos contrastando com a pele ébano, impecável sob a maquiagem neutra. — Como posso ajudá-la?Evelyn ergueu o queixo, direto ao ponto:— Preciso falar com Lorde Reginald Ashbourne.A mulher — Kalina, lia-se no crachá — deslizou os olhos pelo vestido simples e pela bolsa de Evelyn, antes de pergun