Ouvi uma voz bem próxima. Dei um resmungo e virei de lado. Eu havia dormido muito pouco.
— Maria Cristina. Acorde, querida. O café está na mesa esperando por você. Maria Cristina, venha, eu ajudo você a se levantar.
Tia Odete segurou meu braço tentando me levantar da cama. Não saí do lugar. Então me lembrei do barulho na madrugada e resmungando com a boca colada no travesseiro perguntei à tia Odete.
— O que era aquele barulho infernal essa noite?
— São aqueles rapazes. Gostam de nos perturbar. São pessoas do mal. Nunca se aproxime deles, Maria Cristina. Eles são realmente do mal.
Virei-me de barriga pra cima, os olhos bem abertos.
— O que eles fizeram pra vocês dizerem que são do mal?
— Ah, é uma
Depois de almoçarmos descemos a colina. Vi a moto amarela passando na estrada. — Parece que a rebelde vai matar aula hoje. — Iana comentou rindo. Estávamos seguindo para o mirante do Vale da Morte. Ouvi o ronco da moto voltando a toda velocidade e vi algo que fez meu coração gelar. Uma moto amarela saindo da curva, indo direto para a grama úmida, derrapando, caindo de lado, batendo no muro e arremessando um corpo para o precipício. Desapareci no mesmo instante que ela sumiu de vista por sobre o muro. Reapareci no ar a uns quatrocentos metros abaixo e segurei o corpo que caía. Flutuei devagar tomando cuidado com ela. Estava desacordada. Havia sangue escorrendo de sua cabeça. Enquanto subíamos, ela abriu ligeiramente os olhos e voltou a desmaiar. Iana e Ansur estavam parados próximo ao muro. Pousei lentamente ao
“Droga. De novo com dor de cabeça.” Pensei sem abrir os olhos. Rolei na cama virando-me de lado e me encolhendo. “Tive um sonho estranho. Eu corria com minha moto tentando achar a saída da cidade. Mas andava em círculos. De repente não consegui fazer uma curva e fui jogada por cima daquele muro no precipício. Depois eu apenas vi um par de olhos azuis brilhantes. Mas não eram olhos normais. Não havia nem a parte branca, nem a pupila. Eram totalmente azuis como bolas de vidro fluorescentes. Sonho maluco.” Abri os olhos e fiquei totalmente confusa. Não sabia onde estava nem porque estava ali. Olhei em volta tentando me situar. Não era nenhuma casa de Barbie. O cômodo era enorme. Era noite e a luz de um abajur dava uma fraca claridade ao quarto. Eu estava deitada numa cama gigante com um dossel de veludo azul. As cortinas também em veludo azul estavam abertas. Havia um aparad
Descemos para sala para esperar que Krica se arrumasse. Fiquei sentado no sofá sem forças para levantar. O esforço extra para trazer a moto dela havia consumido ainda mais minha energia. O pequeno cochilo que dei ajudou um pouco meu corpo. Mas não minhas forças sobrenaturais. Ansur também não estava em boa forma. Gastou energia curando o ferimento de Krica. — Acho melhor ela voltar para casa dos tios até que possamos resolver o que fazer. Não é seguro mantermos um habitante aqui. Jonas irá agir de alguma forma e temo que isso recaia sobre os outros habitantes. — Tem razão, Arion. Mas também precisamos descobrir logo se ela é a profetisa. — Ela não é profetisa. Se sibila é realmente uma pessoa, como pode ser uma adolescente maluca? — Iana, sei que ela
Depois do banho saí do quarto e me deparei com um corredor comprido com várias portas. “Caramba! Será que moram sozinhos nessa mansão enorme?”. Segui pelo corredor deserto e silencioso. Era dividido ao meio por uma escada. Parei e olhei para baixo. Arion estava sentado num sofá, em uma sala que era maior que meu apartamento. Desci a escada e ele veio em direção a mim. Apontou minha camisa. — Vai ficar com frio. Não dei importância. Não estava com frio e não havia posto outro casaco na mochila. — Não trouxe outro casaco. Ele tirou a jaqueta revelando um peitoral musculoso. Ah, droga. — Sei que vai ficar grande, mas acho que Iana não irá gostar se eu pegar alguma coisa do armário dela para você. Essa eu
Alcancei os dois no meio da floresta de sumaúmas. Já haviam começado nosso ritual. Juntei-me a eles batendo nas sapopembas emitindo um som que ecoava por toda floresta. Conhecíamos cada palmo do vale e cada uma das quinhentas sumaúmas que havia. Estávamos quase terminando nosso trabalho quando Ansur bateu e uma sapopemba estourou causando um grande estrondo. Um líquido azul fluorescente jorrou para todos os lados e, unindo-se novamente bem à nossa frente, tomou uma forma humana. Ficamos olhando sem saber o que era exatamente. O líquido azul foi se tornando mais claro e ralo à medida que se transformava em névoa. E antes de desaparecer completamente, exibiu a figura do Sr. Sampaio. Nenhum de nós três se moveu ou falou por uns dois minutos contemplando o vazio. Iana sentou-se no chão e segurou a cabeça com as mãos. — A frase estava certa
Levantei cedo e desci. Resolvi que entraria no jogo deles. Talvez fosse mais fácil descobrir por que o povo agia assim e por que aqueles três eram tão diferentes. Durante as batidas da noite houve um som muito mais alto. Como se tivessem estourado um enorme barril cheio de água. Essa era mais uma das coisas que eu pretendia descobrir. Ao chegar na sala vi meu tio afagando as costas de tia Odete e Be sentado com o queixo entre as mãos. Havia algo errado. — Aconteceu alguma coisa? Tio Fernando olhou para mim pela primeira vez sem o sorrisinho bobo. — Um habitante do vale morreu essa noite. O pastor Jonas fará um culto especial agora pela manhã. — Morreu de quê? — Parece que foi o coração. Tia Odete olhou para meu tio balançando a cabeça. 
Ficamos ao lado do templo para escutar; cada detalhe era importante. As pessoas estavam nos acusando de ter matado o Sr Sampaio. Era o esperado. Sabíamos que a culpa recairia sobre nós depois do barulho que a sapopemba fez ao estourar. O sermão do pastor Jonas estava levando o povo a esquecer que o Sr Sampaio existiu. E para nosso espanto, Krica estava dentro do templo acompanhando o culto. — Será que Ansur não curou direito a batida que essa garota deu com a cabeça? — Iana falou sem entender o que Krica estava fazendo no templo. — Pra uma rebeldezinha ela desistiu muito rápido. — É. Rápido demais. Ela é esperta, não rebelde. — Eu disse tirando a única conclusão plausível depois de estar com ela. — Não é rebelde — Iana afirmou em tom sarcástico.
Fiquei parada olhando ele se afastar de costas para mim. Respondeu-me com um sonoro “não”. Por que eu queria correr atrás dele? Por que sentir suas mãos quentes nas minhas fez meu peito doer? Merda, eu não ligo pra garotos! Ele é arrogante, metido e muito, muito lindo. Fiquei com raiva de mim por ficar perturbada pelo toque de suas mãos e fiquei com raiva dele por ter me enrolado e não respondido a nada do que eu queria saber. Segui para casa. Além de raiva, eu estava com fome. Não estavam mais em frente à casa onde os encontrei. Entrei na casa de meus tios. Somente tia Odete estava ali. — Oi querida. Não quis ir à escola hoje? Seria bom que fosse amanhã. Eanes adorou você. Disse que queria te conhecer melhor. Seria bem difícil bancar a boazinha. Mas eu estava cada vez mais convencida de que aquele lugar era al