Prólogo
RAFAEL MENDEZ SE VIU cercado por repórteres e sendo bombardeado com as mesmas perguntas que ouvia repetidamente há semanas, não disse absolutamente nada enquanto irrompia pela multidão de repórteres e curiosos, ele apenas colocou seus óculos escuros, deu seu famoso sorriso sedutor e continuou o curto caminho em direção ao seu Mustang Shelby GT500 prateado. Um coro de vozes gritava cada vez mais alto.
— Senhor Mendez, por favor, somente uma pergunta.
Ele continuou a caminhar na mesma direção sem olhar para qualquer lado nem dar atenção a ninguém, como se o caminho estivesse completamente livre, apertou com força o botão do controle e destravou o carro e entrou o mais rápido que pode, colocou a chave na ignição, respirou fundo enquanto acariciava o volante de madeira como se fosse o corpo da mulher mais sensual que já havia tocado.
Sentiu saudades do papai, bebê...
Rafael conseguia sentir o sabor adocicado da liberdade em sua alma. Instantes antes de partir abriu a janela e respondeu aos repórteres com a voz calma, controlada, serena e o sorriso mais cínico que alguém poderia demonstrar:
— Eu disse que era inocente.
Ligou o carro, pisou o mais fundo que pode para fazer o máximo de barulho que conseguia e saiu rumo a uma nova vida.
Fez a única coisa que desejava não fazer, lembrou do início de toda aquela confusão dizendo para si mesmo olhando no retrovisor:
— Vamos continuar de onde estávamos.
Ligou o som do carro e aumentou o volume quando começou a tocar Back in Black da banda AC/DC, não era ideal como trilha sonora do momento...
Mas serviria...
Sabia que a música mais apropriada para relembrar o que havia passado era Highway to hell (Estrada para o inferno), mas como era aquela canção que estava tocando quando foi preso, por alguma ironia seria a mesma que tocaria em seu caminho rumo à liberdade. Ao soar os primeiros riffs de guitarra sua mente foi imediatamente transportada do paraíso ao inferno...
RAFAEL ESTAVA DIRIGINDO seu Mustang Shelby na autoestrada quando olhou para trás percebeu uma movimentação estranha...
Eles já estão aqui...
Por incrível que pareça, sua mente estava tranquila, sabia que era inocente, pelo menos para o que estavam acusando, sim, mas por muitas coisas que nem sequer sonhavam, não...
Nesse momento começou a tocar no rádio AC/DC, Back in Black e o ritmo da canção deixava tudo ainda mais emocionante por que iria realmente para um buraco negro se conseguissem alcançá-lo.
Assim como fazer sexo ao som deles também deixava tudo muito mais emocionante, mesmo sabendo que era a Sherlley responsável por transformar coisas comuns nas mais especiais, incríveis e inesquecíveis.
A música era apenas um coadjuvante quando estavam juntos, mas agora tudo o que viveram fazia parte do passado, não adiantava nada pensar nisso agora era doloroso demais e a dor não ia ajudar, mas ter se vingado deles fez tudo ter um sentido...
Foi então que ele ouviu o primeiro disparo e seu carro começou a derrapar sobre a via.
— Merda... o que esses filhos-da-puta acham que estão fazendo?
O carro não capotou, o que Rafael classificou como um dos inúmeros milagres vividos depois daquele maldito dia.
Quando a poeira abaixou, pôde ver pelo menos trinta policiais com armas em punho apontando na sua direção.
— Levante as mãos onde possamos ver – gritava um deles.
Quando conseguiu se erguer, pelo menos dez deles se aproximavam, fizeram uma breve varredura e o arrancaram de dentro do veículo. Antes de qualquer coisa fazer sentido e poder erguer as mãos e seguir as instruções, os policiais o jogaram com força no chão e sentiu as algemas apertarem seus pulsos mais que o necessário.
— Você tem o direito de permanecer calado e tudo o que disser poderá e será usado contra você em juízo.
— Garanto que estão pegando a pessoa errada.
— Por enquanto isso é tudo o que precisamos.
OS MESES QUE SE PASSARAM foram um tormento, toda a mídia estava acusando o maior arquiteto contemporâneo pós Oscar Niemeyer por diversos crimes, inclusive de matar a sangue frio e com requintes de crueldade sua própria esposa e filha.
— Como se declara, senhor Mendez?
— Inocente!!!
Toda a plateia começou a se agitar e pelo canto do olho Rafael via sussurros e olhares de acusação, mesmo assim conseguiu tirar um sorriso do rosto.
— Ordem... ordem no tribunal!!! – Tinha que gritar a juíza com cada vez mais frequência...
Durante todo o julgamento que se arrastou por três longas semanas, tudo era transmitido e divulgado, os noticiários fervilhavam de emoção atualizando o público sobre o andamento do processo, logo todas as pessoas tinham uma teoria sobre o porquê e como ele tinha feito as coisas terríveis de que era acusado.
As privações não podiam ser comparadas com a tortura psicológica, mas no último dia tudo mudou e a principal testemunha de tudo aquilo finalmente apareceu...
— Ele não é culpado de nada meritíssima – a voz era Clara e tinha um timbre de certeza e ironia – todos se calaram, o silencio era quase absoluto, e a testemunha continuou – EU SOU...
Capítulo 1CUBA – 30 de dezembro de 1958CAPITÃO GIUSEPPE Ramón Mendez era o segurança particular de Fulgencio Batista Zaldívar há mais de vinte anos, seu braço direito, seu homem de confiança. Participou com ele na Revolta dos Sargentos, e mais de uma vez salvou sua vida durante uma emboscada. Por sua fidelidade e devoção cega jamais foi esquecido por Batista durante todos aqueles anos em que esteve no auge do comando político do país.Logo após a Revolta o próprio Batista nomeou-se como comandante das Forças Armadas de Cuba com o posto de Coronel, era inteligente e após manipular diversos presidentes conseguiu ser eleito democraticamente. Concedeu ao seu guarda o posto de capitão por ser o mais fiel de todos os homens que lutara ao seu lado. E em todos estes momentos Giuse
Capítulo 2RIO DE JANEIRO – 1964O SALÃO DE FESTAS do hotel Copacabana Palace estava lotado, os convidados eram com certeza da mais alta sociedade, além das celebridades mais badaladas do momento, porém, as estrelas da noite eram alta cúpula da nova política recém-implantada com a derrocada de João Goulart.Entre eles estava a família Viana, conhecidos pelos atos heroicos de seu pai, militar, que lutou bravamente na Itália contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Recebeu pela sua atuação e pelos seus atos heroicos no campo de batalha diversas medalhas de honra, ascendeu à carreira não somente pela sua capacidade de liderança, mas também pelas manobras políticas.O TENENTE CORONEL VIANA adorava contar para as pessoas o famoso bordão de Getúlio
Capítulo 3GIUSEPPE PEGOU ALGUMAS POUCAS mudas de roupa, abriu o cofre e pegou todas as joias que tinham acumulado, algumas delas herança de seu pai, outras que tirou de famílias como prêmio de guerra.Havia aprendido alguma coisa com seu pai, que além de diplomata, era um italiano judeu, uma combinação pouco comum, mas que ensinou o filho a importância da família e a falta de escrúpulos em fazer o que fosse possível e quase sempre não correto para manter todos seguros e confortáveis, mas para ele não havia nenhum interesse na sua descendência paterna e nem no que ele acreditava.Sua única fé era sua Carmenzita e Batista, mas daquele momento em diante era somente nela.Tudo estava pronto para eles, havia um avião esperando em um hangar clandestino que Batista mantinha em segredo. Segu
Capítulo 4O CORONEL ESTAVA OLHANDO atentamente do outro lado do salão e disse para sua esposa:— Será que o Roberto não vai aprontar nada? Esse jantar é extremamente importante, precisamos causar uma boa impressão diante da sociedade.— Acho que até ele tem algum senso de responsabilidade, mas a garota é mais velha que ele, por ser filha de quem é deve ter juízo por eles dois, acredito que o não deixará aprontar nada.— Espero que o pai dela não esteja pensando o mesmo que nós.Tinham conseguido enganar todos os que vigiavam e saíram de fininho durante o discurso infindável de algum político, estavam na lateral do hotel ouvindo a música, a noite estava agradável e não se preocupavam mais se alguém os veria.<
Capítulo 5CARMEN ESTAVA SAINDO ESCOLTADA das instalações militares com o filho nos braços, o dia estava cinza, talvez refletisse seu interior destruído por aquela guerrilha maldita.Ouviu alguns soldados gargalhando e olhou na direção deles, foi quando viu o piloto algemado. Enquanto o soldado empurrava o piloto, que mantinha a cabeça baixa, para um galpão afastado, os outros riam de algo que o soldado dizia, mas ela não conseguia compreender as palavras da distância que estava.— Qual o seu nome? – Gritou ela.Ele olhou com uma expressão quase sem vida, tinha os olhos roxos e o lábio ferido, a roupa suja de sangue.— Esteban Hernandez – ele gritou em resposta e ganhou um soco no estômago que roubou todo o ar.O soldado ao seu lado lhe deu uma coronhada que o fez trope&cce
Capítulo 6A FAMÍLIA ESTAVA REUNIDA para o café da manhã e Roberto estava comendo três vezes mais do que era habitual.— Você está bem, querido? – Perguntou sua mãe.— Só com muita fome.— Imagino porquê. – Indagou seu pai imaginando o que haviam feito.— Só não sei porque estou sentindo uma violenta dor no rosto, parece que um trem passou por cima de mim.— Se quiser faço o mesmo do outro lado para lhe refrescar a memória.— Carlos!— Porque o senhor me bateu?O coronel se levantou imerso em fúria.— Você poderia ser como os demais membros desta família? Pessoas decentes, que estudam e trabalham, que dão bom exemplo, sabem se comportar, que não fica dizendo: pô!!! Bix
Capítulo 7RIO DE JANEIRO – 1964CARMEN OLHAVA O FILHO brincar no quintal de sua casa com um sorriso no belo rosto, no início pensou que estaria trocando uma ditadura por outra, porém, acabou percebendo que havia sido uma transição razoavelmente tranquila e feliz. Mesmo tendo passado por incontáveis dificuldades, percebeu que tinha valido a pena para chegar ali e poder ver seu filho crescer. Ninguém sabia do seu passado, poderia ser quem e o que quisesse, aquela era uma chance rara, a oportunidade de ter uma vida nova.Deus foi bom conosco...Seu garotinho, acabara de completar cinco anos, e todos os dias desses rápidos anos que passou ao lado dele se sentiu agradecida. Ela colocou o nome de Esteban Ramón Mendez para honrar uma promessa que fez em uma época há muito tempo passada.Ele era um garoto alegre e
Capítulo 8CARMEN E O FILHO foram atendidos por um médico que já estava esperando por eles. Depois de revistar e revirar tudo, deixaram seus pertences ao lado da cama. Ela tinha acabado de fechar os olhos exausta quando um oficial entrou e disse sem rodeios.— Fala espanhol ou inglês?Ela ainda estava um pouco atordoada com tudo o que tinha acontecido.— Fala espanhol ou inglês, senhora?— Espanhol... – disse como se houvesse saído de um transe – sou cubana, onde estou e para onde levaram o homem que estava comigo?— Você não está em condições de fazer muitas perguntas, moça. Gostaria de saber o que faziam com uma maleta cheia de dólares americanos, para onde vocês estavam indo?— Meu marido era oficial do exército cubano e seguranç