Capítulo 2
RIO DE JANEIRO – 1964
O SALÃO DE FESTAS do hotel Copacabana Palace estava lotado, os convidados eram com certeza da mais alta sociedade, além das celebridades mais badaladas do momento, porém, as estrelas da noite eram alta cúpula da nova política recém-implantada com a derrocada de João Goulart.
Entre eles estava a família Viana, conhecidos pelos atos heroicos de seu pai, militar, que lutou bravamente na Itália contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Recebeu pela sua atuação e pelos seus atos heroicos no campo de batalha diversas medalhas de honra, ascendeu à carreira não somente pela sua capacidade de liderança, mas também pelas manobras políticas.
O TENENTE CORONEL VIANA adorava contar para as pessoas o famoso bordão de Getúlio Vargas:
“Só entraremos na guerra quando a cobra fumar...”
Mas quando estavam lá decidiram tirar uma foto no front, escreveram em uma das munições usadas:
“A cobra está fumando...”
E até hoje era conhecido por fazer parte daquele grupo de heróis que sempre desfilavam orgulhosos ostentando o símbolo das Forças Expedicionárias Brasileiras – FEB, a cobra fumando um cachimbo.
O único eixo destoado de sua família era o filho do meio, Roberto.
Roberto tinha dezessete e esperava ansiosamente o dia que iria completar dezoito, faltava pouco. Sentia por seu pai um orgulho imenso, mas se sentia um peixe fora d’água no meio da própria família.
Todos eram conservadores – o que já é esperado em uma família de militares – mas Roberto agia da forma que queria, como dava na telha, e essa falta de comprometimento com os planos que seus pais tinham traçado para sua vida e falta de vontade de seguir a carreira imposta além de obedecer às regras era sempre um grande problema entre eles.
Sua mãe era quem ele mais detestava magoar, diversas vezes ela o foi buscar na delegacia e só foi liberado após usar o nome do pai. Era como se ao invés de um anjinho e um diabinho dizendo o que fazer, existissem dez diabinhos soprando péssimas ideias em seus ouvidos e ele acatava cegamente cada sugestão não se importando com as consequências.
NA FESTA, TUDO ESTAVA razoavelmente tranquilo, Lisandra a caçula da família estava encarregada de vigiar Roberto, como se fosse o mais fiel das atalaias para que ele não aprontasse nada.
Deixar Roberto sem vigilância era um completo perigo tanto para ele quanto para os demais. Naquela noite estavam presentes pessoas muito importantes para a família deixar uma ovelha negra sem um pastor confiável, mesmo assim Roberto conseguiu enganar os olhos de águia da irmã e contrariando todos os avisos e ameaças do pai e os pedidos carinhosos da mãe para que se comportasse chegou ao limite.
Roberto estava acompanhado de seus pais quando foi apresentado para o embaixador da Espanha, Juan Gomez.
O embaixador era um homem baixo, atarracado que tinha uma careca reluzente e estava acompanhado por duas belas mulheres, a mais velha sorria de uma forma educada, mas o sorriso não alcançava os olhos. A mais nova das duas e não lembrava em nada a expressão dura do embaixador, Roberto supôs que deveria ter sua idade ou mais um pouco, também o havia notado com destacado interesse.
— Olá – disse ele assim que a viu sozinha em um canto.
— Olá... como se chama?
— Roberto e você?
— Alejandra.
— Que nome lindo.
— Só o nome? – Ela respondeu flertando.
— Óbvio que não... você é toda maravilhosa.
Ela o colou o corpo no dele e sussurrou no ouvido – vamos dançar.
— Poderíamos nos divertir muito, sabia?
— O que tem em mente, boneca?
Capítulo 3GIUSEPPE PEGOU ALGUMAS POUCAS mudas de roupa, abriu o cofre e pegou todas as joias que tinham acumulado, algumas delas herança de seu pai, outras que tirou de famílias como prêmio de guerra.Havia aprendido alguma coisa com seu pai, que além de diplomata, era um italiano judeu, uma combinação pouco comum, mas que ensinou o filho a importância da família e a falta de escrúpulos em fazer o que fosse possível e quase sempre não correto para manter todos seguros e confortáveis, mas para ele não havia nenhum interesse na sua descendência paterna e nem no que ele acreditava.Sua única fé era sua Carmenzita e Batista, mas daquele momento em diante era somente nela.Tudo estava pronto para eles, havia um avião esperando em um hangar clandestino que Batista mantinha em segredo. Segu
Capítulo 4O CORONEL ESTAVA OLHANDO atentamente do outro lado do salão e disse para sua esposa:— Será que o Roberto não vai aprontar nada? Esse jantar é extremamente importante, precisamos causar uma boa impressão diante da sociedade.— Acho que até ele tem algum senso de responsabilidade, mas a garota é mais velha que ele, por ser filha de quem é deve ter juízo por eles dois, acredito que o não deixará aprontar nada.— Espero que o pai dela não esteja pensando o mesmo que nós.Tinham conseguido enganar todos os que vigiavam e saíram de fininho durante o discurso infindável de algum político, estavam na lateral do hotel ouvindo a música, a noite estava agradável e não se preocupavam mais se alguém os veria.<
Capítulo 5CARMEN ESTAVA SAINDO ESCOLTADA das instalações militares com o filho nos braços, o dia estava cinza, talvez refletisse seu interior destruído por aquela guerrilha maldita.Ouviu alguns soldados gargalhando e olhou na direção deles, foi quando viu o piloto algemado. Enquanto o soldado empurrava o piloto, que mantinha a cabeça baixa, para um galpão afastado, os outros riam de algo que o soldado dizia, mas ela não conseguia compreender as palavras da distância que estava.— Qual o seu nome? – Gritou ela.Ele olhou com uma expressão quase sem vida, tinha os olhos roxos e o lábio ferido, a roupa suja de sangue.— Esteban Hernandez – ele gritou em resposta e ganhou um soco no estômago que roubou todo o ar.O soldado ao seu lado lhe deu uma coronhada que o fez trope&cce
Capítulo 6A FAMÍLIA ESTAVA REUNIDA para o café da manhã e Roberto estava comendo três vezes mais do que era habitual.— Você está bem, querido? – Perguntou sua mãe.— Só com muita fome.— Imagino porquê. – Indagou seu pai imaginando o que haviam feito.— Só não sei porque estou sentindo uma violenta dor no rosto, parece que um trem passou por cima de mim.— Se quiser faço o mesmo do outro lado para lhe refrescar a memória.— Carlos!— Porque o senhor me bateu?O coronel se levantou imerso em fúria.— Você poderia ser como os demais membros desta família? Pessoas decentes, que estudam e trabalham, que dão bom exemplo, sabem se comportar, que não fica dizendo: pô!!! Bix
Capítulo 7RIO DE JANEIRO – 1964CARMEN OLHAVA O FILHO brincar no quintal de sua casa com um sorriso no belo rosto, no início pensou que estaria trocando uma ditadura por outra, porém, acabou percebendo que havia sido uma transição razoavelmente tranquila e feliz. Mesmo tendo passado por incontáveis dificuldades, percebeu que tinha valido a pena para chegar ali e poder ver seu filho crescer. Ninguém sabia do seu passado, poderia ser quem e o que quisesse, aquela era uma chance rara, a oportunidade de ter uma vida nova.Deus foi bom conosco...Seu garotinho, acabara de completar cinco anos, e todos os dias desses rápidos anos que passou ao lado dele se sentiu agradecida. Ela colocou o nome de Esteban Ramón Mendez para honrar uma promessa que fez em uma época há muito tempo passada.Ele era um garoto alegre e
Capítulo 8CARMEN E O FILHO foram atendidos por um médico que já estava esperando por eles. Depois de revistar e revirar tudo, deixaram seus pertences ao lado da cama. Ela tinha acabado de fechar os olhos exausta quando um oficial entrou e disse sem rodeios.— Fala espanhol ou inglês?Ela ainda estava um pouco atordoada com tudo o que tinha acontecido.— Fala espanhol ou inglês, senhora?— Espanhol... – disse como se houvesse saído de um transe – sou cubana, onde estou e para onde levaram o homem que estava comigo?— Você não está em condições de fazer muitas perguntas, moça. Gostaria de saber o que faziam com uma maleta cheia de dólares americanos, para onde vocês estavam indo?— Meu marido era oficial do exército cubano e seguranç
Capítulo 9— VOCÊS O QUE? – Explodiu um coro de vozes que alternavam entre a raiva e a perplexidade.— Isso mesmo, meu velho – disse Roberto com tranquilidade e um sorriso bobo apesar de sequer ter onde morar e não se importava se algum dia teria, não ter dinheiro nenhum ou profissão – vamos nos casar.O embaixador estava se contendo de raiva, suas esposas tentavam contornar sem sucesso a situação. A cada vez que arriscava um olhar para o marido percebia um novo tom de vermelho no seu pescoço.— E vocês irão viver do que, me digam?Roberto foi até seu sogro quase flutuando, o abraçou, segurou carinhosamente seu rosto com ambas as mãos como se fosse lhe tascar um beijo de cinema e disse:— Relaxa, bicho, o universo é maravilhoso, irei cuidar muito bem do no
Capítulo 10CARMEN E O PEQUENO ESTEBAN passaram aquela noite no hotel e como tudo o que tinha foi-lhe furtado, simplesmente não sabia o que fazer em um país estranho, não era fluente no idioma, não conhecia ninguém, ou seja, pressentia que tudo de ruim poderia acontecer-lhe.Quando o dia raiou ela foi até o gerente do hotel que estava conversando com o atendente e disse:— Senhor, poderia ter com o senhor um minuto?O gerente se virou humildemente e dispensou toda a atenção a ela:— Claro, senhora Carmen, o que gostaria? As instalações não são do seu agrado?— Sim... é que...O atendente chegou até eles e entregou uma correspondência ao gerente, ele a leu rapidamente e disse:— Diz respeito à senhora.— Meu respeito?&