Só o alarme do carro ainda soava, abafado agora, como se sentisse vergonha também.A polícia chegou rápido demais. As luzes girando, os uniformes, as perguntas... tudo foi tão rápido que mal tive tempo de respirar. Eu sequer saberia como explicar aquilo, nem como me desculpar com Alexandre. Ele foi quem falou com o policial, provavelmente entendendo que eu estava submersa em vergonha — e que qualquer palavra minha naquele estado seria falha, trêmula ou, pior, comprometedora.Mas o que me corroía por dentro era a ideia de que aquilo pudesse chegar até minha mãe. Como eu poderia explicar? Como justificar que Marcelo, o homem com quem ela dividia a vida, se tornara esse... alguém? Alguém que me feria, me puxava, me tratava como propriedade. Tudo isso poderia prejudicá-la — e ao bebê também. Os danos já eram grandes demais.Só de olhar para Marcelo, eu sentia o estômago embrulhar.— Você vai ficar bem? — ouvi a voz baixa de Alexandre.Seu toque foi leve, como se não quisesse me assustar —
Maria Vitória tinha mais camadas do que parecia à primeira vista. Fugindo de um padrasto abusivo, presa a uma relação conflituosa com a mãe, tentando se readaptar a uma nova vida... Durante uma conversa com Hélio, soube que ela pretendia começar a trabalhar. Talvez isso a tivesse levado até Heitor — não por um simples passeio, mas como uma fuga daquele cenário sufocante.Tomei um banho frio depois que Mavi saiu do banheiro. Ao sair, a vi sentada na poltrona, olhando para o nada. Ela se sentia culpada. Peguei uma camisa na mala e atirei em sua direção, com delicadeza.— Vá tomar um banho. Se preferir, tente descansar. — Mas quem conseguiria dormir?Eu não parava de pensar na brutalidade de Marcelo. Ele falava com ela como se fosse sua propriedade, como se ela lhe devesse obediência — mesmo diante das ordens mais absurdas e insanas.Ela entrou no banheiro. No silêncio que ficou, tentei ligar para Heitor. Queria contar tudo. Disquei seu número, mas nenhuma ligação foi atendida.Maria Vit
O quarto ainda estava mergulhado em penumbra, mas eu conseguia ver o contorno dele ao meu lado. Alexandre respirava fundo, o peito subindo e descendo devagar. Um leve traço de suor brilhava na linha do pescoço. Ele parecia... calmo. Ou talvez só estivesse fingindo bem.Eu, por outro lado, estava em frangalhos.O meu corpo ainda pulsava. Cada célula parecia ter sido invadida, tomada por uma coisa que eu não sabia nomear. Era prazer, sim — mas também era raiva, confusão, alívio. Eu me sentia viva, mas quebrada. Inteira, mas com as peças fora do lugar.Olhei para o teto, tentando organizar os pensamentos, mas eles vinham em espirais, como se a noite tivesse me virado do avesso.O que eu tinha feito?O gosto da sua pele ainda estava na minha boca. O cheiro dele impregnado na minha camisa — ou melhor, na camisa dele, que agora era só mais um lembrete do quanto eu havia cruzado a linha.Mas... qual linha, exatamente?Eu tinha fugido de um inferno. Marcelo gritando, me arrastando pelos braço
O dia se tornara claro — alto demais. A luz atravessava as cortinas do quarto com uma insolência que eu não estava pronto para enfrentar. O sol, impassível em sua soberania, desafiava a escuridão da noite anterior, trazendo consigo o peso daquilo que tínhamos feito. Pisava sobre as sombras com uma crueza que me atingia como um golpe.Senti a dor primeiro — os hematomas ainda latejando, como se o meu corpo estivesse tentando me lembrar do que havia acontecido. Mas o que realmente me despertou não foi isso. Foi o vazio ao meu lado. A ausência dela, que preencheu o espaço do quarto de uma forma tão palpável que quase consegui tocá-la. E foi aí que a lembrança veio, arrastando comigo a intensidade da noite anterior.O rosto de Mavi, sob o meu. Os olhos dela semicerrados de prazer e de confusão. O corpo dela, arqueando-se contra o meu. Como se me pertencesse. Como se fosse só minha. Aquela noite, aquele momento, não tinham sido apenas um encontro. Não para mim. E, por mais que tentasse fug
Ainda esperava o desprezo. As palavras cortantes que ele pudesse disparar, me atravessando feito lâmina, completando de vez a minha ruína. O silêncio parecia prestes a explodir.Apoiada na porta recém-fechada, eu evitava encará-lo. Olhava a bancada da cozinha, o chão, qualquer coisa — menos ele. Alexandre. O homem que eu desejava com cada fibra do meu corpo, mas cuja presença me consumia de medo e contradição. Aquela paixão era um erro, uma loucura... mas era minha.E onde havíamos chegado já não existia limite algum.Ele se aproximou sem aviso. Senti sua mão tocar minha nuca, subir com precisão até se firmar em meu pescoço. Me obrigou a olhar. E quando encarei seus olhos castanhos, intensos, cravados nos meus, tudo pareceu calar.— Não poderia me dar esse direito de decidir?Engoli em seco. O nó na garganta era tão apertado quanto a mão que me segurava. Eu nem sabia se conseguiria falar. Seus olhos me despiam, sua presença me pressionava contra a porta. O calor do corpo dele no meu e
Após tê-la outra vez — depois de tudo o que dissemos que não faríamos — eu só queria calar a voz na minha cabeça que repetia um nome que não devia. Heitor.Sentei-me no colchão, ainda nu, recolhendo minhas roupas. Os músculos do corpo estavam cansados, mas satisfeitos. Ouvia os sons suaves dela se movimentando no banheiro. Vesti-me lentamente, sentindo dores em partes aleatórias do corpo, reflexos da confusão da noite anterior. A água cessou, e poucos minutos depois ela surgiu pela porta. Virei-me, deixando para trás a visão de outros prédios através da janela. Por um segundo, perdi o fôlego.Short jeans branco, folgado, quase escapando do quadril. Uma camiseta preta do Harry Potter, que parecia ainda mais escura sobre a pele úmida. O cabelo preso no alto da cabeça, com algumas mechas rebeldes caindo pelo pescoço. Havaianas brancas nos pés, como se nada nela gritasse perigo — e tudo nela gritava.Ela me viu observando-a, meus olhos fixos em cada curva, e soltou uma risada breve e tími
Entre lágrimas, dentro do abraço de Alexandre, eu adormeci. Não estava acostumada com estímulos — tampouco com emoções tão fortes dentro de mim. Nem saberia dizer exatamente quando desabei.Passei a mão pelo rosto, afastando os fios soltos. Olhei em volta e percebi que já era noite. A cama vazia me trouxe um medo súbito. Ele havia partido? Me abandonado?Sentei, fitando o vazio daquele quarto luxuoso. Mas o som das teclas sendo digitadas trouxe um alívio imediato. Meus olhos foram até ele, sentado na poltrona, ainda concentrado em seu trabalho. Alexandre digitava sem parar.O observei em silêncio. Tão calmo. Tão confiante. Havia uma força tranquila no seu jeito de existir. Uma culpa me invadiu.A vida dele era perfeita demais — ou parecia ser. E devia ter levado anos para construir. Quanto ele não precisou reprimir? Quantos desejos, sentimentos, desvios de rota ele não teve que engolir em seco para chegar onde está?Eu não podia simplesmente bagunçar tudo. A minha vida já era um caos,
Eu sequer sabia o que estava acontecendo comigo. Enquanto Maria Vitória adormecia em meus braços, percebi que havia mais do que desejo entre nós — havia um laço invisível e perigoso. Mas eu sabia: no dia seguinte, tudo aquilo precisaria chegar ao fim.Ela adormeceu apoiada em meu peito, o rosto sereno, e por um instante, eu quase me permiti esquecer do mundo. Mas então o telefone vibrou em algum canto do quarto. O silêncio era tão profundo que qualquer ruído parecia um grito.Ignorei as primeiras chamadas. As seguintes, insistentes, cortavam o ar e o pouco de paz que restava. Levantei devagar, encontrei o aparelho sobre a mesa. Hesitei antes de tocar a tela — se fosse Heitor, traria uma série de perguntas; qualquer outro nome seria apenas um detalhe.Mas o nome que apareceu em azul não era um detalhe. Era Marcelo.Além das chamadas, as mensagens começaram a chegar:"Você é minha.""Volta pra casa agora, ou vai se arrepender.""Vai me fazer sair por aí te procurando feito um cachorro?