Capítulo 14 -
Os dois cortes vertendo líquido rubro criavam um forte contraste em sua delicada pele clara. O sangue que escorria em abundância do rosto, descia pelo pescoço, manchando o vestido branco e escorrendo para dentro do decote.

A perda de sangue e o medo confundiam os pensamentos de Thea, enquanto lágrimas cristalinas brotavam de seus olhos e aumentavam o ardor em suas bochechas. A jovem estava em total desespero.

Diante do general Trent Xavier, todos os sentimentos ruins ganhavam força, mas, mais do que tudo, o ódio se espalhava no peito de Thea. Durante anos a jovem se arrependeu de ter ouvido aquele apelo e sem pensar em mais nada, ter se atirado em um mar de chamas. Afinal, por mais que tivesse salvado uma pessoa, o resultado daquela ação tinha lhe custado dez anos de tormento psicológico e dor física. Até mesmo as pessoas, de quem era mais próxima, foram se afastando até cortar relações. Thea era tratada como se tivesse uma doença contagiosa e até mesmo sua família a rejeitava. Seus próprios pais a tratavam como se ela fosse um fardo.

Quando James curou sua pele e a tratou com respeito e dignidade, Thea chegou a acreditar que se aquele tinha sido o preço para a vida doce que se apresentava, tudo tinha valido à pena. Entretanto, lá estava ela, novamente, em uma torrente de desespero.

― Por favor, General Xavier. Isso não tem absolutamente nada a ver conosco. É tudo culpa de Thea! ―

― Sim! É tudo culpa dela! Torture-a se quiser, mas, deixe-nos ir! ―

Thea olhou para o rosto inexpressivo de Trent enquanto ouvia seus familiares fazendo de tudo, até mesmo sacrificá-la, para que pudessem viver.

― Você não vai falar, não é? ―

Trent acenou com a mão, com a expressão ainda mais dura, e dois soldados se aproximaram.

― Senhor. ―

— Leve-a para a sala de leilões. Quero que todos em Cansington saibam o que acontece quando desafiam minha família. Lidaremos com Alex Yates depois de nos livrarmos dos Callahan.

― Sim, senhor. ―

Os homens desamarraram Thea e a arrastaram pelos cabelos, como se ela fosse uma boneca de pano.

O vestido de Thea era de um tecido fino que rapidamente se rasgou com o atrito contra o chão. Enquanto era levada para o elevador, o cimento sem tratamento do subsolo deixava sua pele em carne viva. Os ferimentos enviavam faíscas agudas de dor toda vez que faziam contato com o chão, mas os homens ignoraram seus pedidos de misericórdia, não importa o quão alto ela gritasse.

Na cobertura do Cansington Hotel, o leilão transcorria conforme programado.

Apesar dos itens leiloados não serem raridades, em prol da recuperação da família Xavier, os lances eram sempre altos, chegando a ultrapassar em dez vezes o valor do artefato. Os participantes eram figuras notáveis da cidade e percebiam o que estava acontecendo e, principalmente, as forças que estavam em jogo.

Alex Yates levou os Xavier à falência, mas Trent Xavier voltou para reunir fundos, com a intenção de reconstruir sua família. Não dar lances era apoiar Yates, um homem cujo maior poder se concentrava na Capital e, apoiar a reconstrução dos Xavier era apoiar Trent, um general da fronteira ocidental, com um poder imenso. Contrariar Trent era a última coisa que qualquer um dos presentes desejava.

Então, continuavam a dar lances e gastar dinheiro, mesmo sabendo que os itens eram pouco mais que ordinários e não possuíam o valor apresentado. Qualquer coisa era melhor do que despertar a fúria de Trent.

Finalmente, um item de valor tinha sido levado para o palco. Os convidados contemplavam a pintura Moonlit Flowers of Cliffside's Edge, enquanto a leiloeira passava as instruções:

― O item a seguir é uma relíquia nacional chamada Moonlit Flowers on Cliffside's Edge. O lance inicial será de oito milhões, os lances devem subir não menos que meio milhão por proposta. ―

Quando a pintura foi exibida, os convidados soltaram um ‘oh’ em uníssono, percebendo que se tratava de uma réplica, assim como a pintura destruída por Thea, também deveria se tratar de uma reprodução. Trent tinha aproveitado o momento para aplicar uma vendeta e destruir a família Callahan, na mesma noite em que reestruturavam os Xavier.

Rumores diziam que os Xavier tinham falido por ter caído em uma armadilha de Thea Callahan e Alex Yates.

A verdadeira pintura valia uma fortuna. 1,8 bilhão de dólares seria uma oferta inicial justa, mas agora, os Xavier, apresentavam aquela réplica para deixar claro o poder e controle que possuíam sobre a cidade.

― Estou representando os Frasier. Nosso lance é de dez milhões. Vou ficar com aquela pintura! ―

― Estou representando os Zimmerman. Onze milhões. Quero aquele quadro! ―

― Estou representando os Wilson. Doze milhões! ―

Eles sabiam que era falso, mas para cair nas graças do General Trent Xavier, da Fronteira Ocidental, algumas das famílias mais ricas começaram a fazer lances sérios. Em pouco tempo, a réplica sem valor passou a ser disputada por lances despropositados, até ser comprada por vinte e um milhões.

Os convidados esperavam por mais um item quando dois soldados arrastaram uma mulher para o palco. O cabelo desgrenhado estava colado em seu rosto pelo sangue pegajoso que manchava seu vestido até a altura da barriga. Ela tinha perdido um dos sapatos, a roupa estava arruinada e suas coxas, joelhos, quadris e cotovelos estavam ralados. O ambiente ficou silencioso enquanto Thea ocupava a posição central do palco, virada de frente para o público.

As dez pessoas sentadas na fileira da frente representavam os maiores nomes de Cansington. Suas expressões se tornaram máscaras de terror, enquanto suor frio escorria de suas costas, enquanto contemplavam o rosto ensanguentado de Thea. Sem saber como deveriam reagir àquilo, tinham medo, até mesmo, de respirar.

― Ajude... me ajude... ―

Perceber que estava na presença de pessoas de outras famílias renovou a esperança de Thea e ela voltou a implorar. Entretanto, por mais indignados e contrariados os convidados estivessem, ninguém teria coragem de desafiar a renovada família Xavier.

Trent subiu no palco, ainda segurando a adaga ensanguentada e puxou a cabeça de Thea pelos cabelos, colocando seu rosto à vista do público, dizendo:

― Os Xavier são os verdadeiros governantes de Cansington. Qualquer um que nos desafiar deve morrer! ―

A adaga abriu um novo caminho na bochecha de Thea.

― Ahhh! ― O rosto da jovem se contorceu de dor, enquanto ela chorava.

― Mate-me! Apenas me mate, eu imploro! Pare de me torturar! ― O corpo e a alma de Thea estavam exaustos pelo tormento e tudo o que ela queria era libertação. Assim, ela continuou implorando para que ele tirasse sua vida e acabasse com tudo.

Do lado de fora do hotel, sem saber exatamente o que acontecia na cobertura, mas intuindo que o momento era chegado, James e Henry vestiram as máscaras e passaram pela porta dos fundos, entre uma ronda e outra de soldados.

A dupla chegava à cobertura quando James ouviu os gritos de dor e apelos desesperados de Thea. Seu coração começou a bater forte e ele enxergou tudo em vermelho. Antes que pudesse fazer qualquer coisa a raiva rugiu dentro dele, consumindo-o por inteiro.

Henry congelou quando sentiu a hostilidade de James e, instintivamente, deu alguns passos para trás, tremendo de medo injustificado.

Em todos os anos ao lado de James, ele só o tinha visto tão furioso uma vez, quando, um ano atrás, uma grande batalha eclodiu nas Planícies do Sul. Centenas de homens do Exército do Dragão Negro foram exterminados tragicamente, nas mãos do inimigo, pegos em uma armadilha. Em um ataque de raiva incontrolável, James avançou sozinho para a fortaleza inimiga e, durante aquela batalha, o sangue fluiu livremente como um rio e cadáveres foram empilhados tão alto quanto uma montanha. O massacre só terminou quando James trouxe a cabeça do general inimigo de volta para sua base.

Trent Xavier deslizava a adaga pela garganta de Thea.

― Eu vou te dar uma última chance ― ele disse friamente ― quem foi a pessoa que você salvou? ―

A porta se abriu com um estrondo alto e a resposta veio, ainda mais sonora:

― Fui eu! ― O rugido de James, cheio de malícia e sede de sangue, ressoou pelo salão.
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