Na manhã seguinte, Kayla desceu as escadas sentindo-se deslocada, como se ainda estivesse dentro de um sonho estranho. A casa era grande demais, silenciosa demais — e cada detalhe parecia saído de uma revista de luxo. Mas era real. A nova vida que acabara de começar.
Ao atravessar o arco da sala de jantar, seus olhos encontraram a mesa cuidadosamente posta: sucos, frutas frescas, croissants ainda quentes. E à mesa, os três a aguardavam. O homem e a mulher que haviam dito ser seus pais… e o garoto que mal dissera uma palavra na noite anterior. A mulher de cabelos loiros cor de cobre se levantou com suavidade e sorriu, caminhando até ela. — Bom dia, querida. Sei que ontem foi muita coisa para você e que nem tivemos tempo de nos apresentar corretamente — disse com uma voz suave, porém firme. — Meu nome é Eleanor Prescott. E eu sou sua mãe. O homem ao lado colocou o guardanapo sobre o colo e levantou-se também, vindo em sua direção com passos contidos. — E eu sou Richard Prescott, seu pai. Kayla os encarou em silêncio, absorvendo os nomes como se fossem uma língua estrangeira. — Prescott? — murmurou. Nathaniel assentiu. — Sim. É o nosso sobrenome. E também é o seu, Kayla. Você é Kayla Prescott. Ela piscou algumas vezes, tentando digerir aquilo. — Eu nunca ninguém nunca me disse nada sobre esse nome. — Ela apertou os braços ao redor de si. — E por que só agora me encontraram? Eleanor se aproximou, tocando de leve o ombro da filha. — Porque só agora foi possível. E, acredite, há razões muito maiores do que podemos explicar num único café da manhã. Mas você vai entender tudo… com o tempo. Richard olhou para ela com seriedade. — O nome Prescott carrega um peso, Kayla. Uma história antiga, uma responsabilidade e, para você, um destino. Mas não queremos te assustar. Só queremos que saiba quem você é, de verdade. Kayla desviou o olhar, inquieta. Do outro lado da mesa, o garoto de cabelos escuros finalmente falou, com um olhar levemente provocador: — E eu sou o Kaiden. Kaiden Prescott. Teu irmão. Mas pode me chamar só de Kaiden, se quiser. Ela o olhou rapidamente. A semelhança entre ele e o pai era inegável. Cabelos negros, pele alva como papel, e olhos intensos. Já ela era o espelho da mãe: os mesmos cabelos quase acobreados, a pele como porcelana, os olhos límpidos e azuis. — Então é isso — sussurrou ela. — Eu sou uma Prescott. Nathaniel assentiu, voltando à cadeira. — Sim. E aos poucos, você vai descobrir o que isso realmente significa. Eleanor retomou o lugar ao lado do marido e ofereceu-lhe um sorriso caloroso. — Hoje, você conhecerá sua nova rotina. Começaremos com algo leve, um tutor virá te visitar. Mas por agora, sente-se. Vamos tomar café juntos. Como uma família. Kayla olhou a mesa, olhou os três e apesar da saudade do seu antigo lar, ela sentiu-se parte de algo. Ainda que cercada de mistério, havia algo naquele nome, naquela casa, naquela conexão — que pulsava forte dentro dela. Kayla beliscava um pedaço de croissant quando Eleanor comentou casualmente: — Após o café, seu tutor virá conhecê-la. Será um primeiro passo suave, para te ajudar a se adaptar aos estudos fora do colégio interno. A jovem congelou com o garfo no ar. — Tutor? Richard ergueu os olhos do jornal digital, já esperando a reação. — Sim. Alguém experiente, que pode acompanhar seu ritmo. Será por tempo limitado, até você se sentir pronta para um ambiente maior. Kayla pousou o garfo, cruzando os braços com firmeza. — E o Kaiden? Ele teve tutor também? Kaiden deu uma risada baixa. — Eu? Não. Estudei em escola particular desde pequeno. E agora tô prestes a começar a faculdade. Kayla o encarou surpresa. — Faculdade? Eleanor sorriu com orgulho. — Sim, Kaiden sempre foi muito dedicado, e foi aceito em Harvard e Yale, mas ele preferiu Yale, para ficar próximo de casa. A jovem Prescott franziu as sobrancelhas. — Então por que eu seria tratada diferente? Por que não posso ir pra escola também? Richard recostou-se na cadeira, observando-a com atenção. — Kayla, não é uma questão de capacidade. É precaução. Sua vida mudou de forma repentina, e queremos garantir que essa transição seja segura. — Mas eu não quero ser isolada — rebateu. — Passei anos num orfanato. Agora tenho uma família, uma casa, um sobrenome. Quero saber como é viver de verdade. Kaiden apoiou o cotovelo na mesa e sorriu de canto. — Eu acho que ela tem um ponto. Eleanor olhou de um para o outro, um pouco tensa. — Não é tão simples… — Eu posso cuidar dela — interrompeu Kaiden com naturalidade. — Se a preocupação é proteção, eu dou conta. Ninguém vai encostar um dedo nela. Posso cuidar dela, ninguém mexerá com a Kayla quando souberem que ela é minha irmã. E seria divertido ter uma irmã na escola. Kayla sentiu o coração aquecer um pouco. Ainda estava se adaptando à ideia de ter uma família — mas aquele apoio repentino mexeu com ela. Richard trocou um olhar longo com Eleanor, e então falou, com voz firme: — Vamos conversar com a direção da escola, ver as possibilidades. Mas você terá que se dedicar, Kayla. Nada de rebeldias ou deslizes. Ela assentiu com determinação. — Pode deixar. Eu só quero uma chance. Kaiden levantou o copo de suco como um brinde improvisado. — Bem-vinda à selva, irmãzinha. Kayla soltou uma risadinha e levantou o dela também. Kaiden, Kayla, Richard e o motorista adentraram o carro com a habitual elegância que cercava a família Prescott. Para o motorista, aquela rotina era bem conhecida: levar o jovem senhor Kaiden até a escola e, em seguida, seguir com os demais compromissos do dia. No entanto, naquela manhã, algo era diferente. A presença de Kayla no banco traseiro, com sua expressão curiosa e olhar atento, quebrava a previsibilidade do trajeto. O motorista, discreto, lançava ocasionais olhares pelo retrovisor em sua direção — não por desconfiança, mas por genuína curiosidade. Afinal, era a primeira vez que via a jovem que, até pouco tempo, ninguém sabia sequer se ainda existia. Ela mantinha a postura serena, observando a cidade através da janela com um misto de admiração e receio. O carro preto deslizou suavemente pelo pátio interno da St. Joseph High School, uma prestigiada escola particular localizada no coração de New Haven. Os prédios com arquitetura clássica, os jardins meticulosamente cuidados e a atmosfera refinada exalavam tradição, disciplina e excelência acadêmica. Kayla observava tudo com olhos atentos e maravilhados, sentada ao lado de Kaiden. — Então é aqui que você estuda? — ela perguntou, ajeitando discretamente o suéter elegante que usava. — Sim. Nada mal, né? — Kaiden sorriu, orgulhoso, enquanto saltava do carro. — Vamos, vou te mostrar o local, enquanto o pai conversa com o diretor, e se tudo correr bem, você começa aqui em breve. Kayla respirou fundo, ainda assimilando tudo. Desde que deixara o orfanato e conhecera seus pais, sua vida estava mudando, ela podia sentir os ventos da mudança vindo — e agora, ali estava ela, prestes a ser matriculada numa das melhores escolas do estado. Ela estava feliz, empolgada, absorta em pensamentos até que uma voz irritantemente aguda adentrou seus tímpanos e a retirou de seu regozijo.— Kaiden, querido — disse Stella Sullivan, pousando uma das mãos no braço dele como se fosse algo rotineiro. Seus olhos então se voltaram para Kayla com um ar inquisidor. — Veio buscar mais uma admiradora?Kaiden suspirou, retirando delicadamente a mão dela do seu braço.— Stella, essa é a Kayla. Minha irmã.— Irmã? — Stella piscou, tentando disfarçar o choque. — Nunca mencionou nada disso...— Longa história — ele respondeu com naturalidade.Stella encarou Kayla, como quem avalia uma adversária.— Hm. Veio visitar ou vai mesmo estudar aqui?— Estou conhecendo o lugar — Kayla respondeu com calma, mantendo o olhar firme. — Pode ser que eu comece em breve.— Ah, espero que sim. — Stella disse com um sorriso que não alcançou os olhos. — Vai descobrir rápido que essa escola tem seus... padrões.Kayla sustentou o olhar, tranquila.— Não se preocupe. Me adapto fácil.Kaiden não conteve um sorriso e interrompeu antes que a conversa desandasse.— Stella, a gente precisa ir. Vou mostrar a esco
P.D.V de Kayla Prescott Nunca pensei que aquele frio na barriga que senti ao acordar pudesse durar tanto tempo. Desde o momento em que abri os olhos, ainda antes do sol nascer, eu sabia que esse dia seria diferente. Me olhei no espelho com calma — e confesso que nem reconheci completamente o reflexo. Era estranho pensar que aquela garota, arrumada no uniforme impecável da St. Joseph High School, agora carregava o sobrenome Prescott. Um nome que, até poucos dias atrás, eu nunca tinha ouvido na vida.Desci as escadas da mansão ainda tentando colocar ordem nos meus pensamentos. Richard me aguardava com uma xícara de café e um “bom dia” gentil. Kaiden, claro, já me esperava no carro com seu jeito meio sarcástico e descomplicado. Ele me tranquilizou mais com um olhar cúmplice do que com palavras.Assim que atravessei os portões da St. Joseph, senti os olhos sobre mim. O sussurro de vozes, os olhares curiosos e julgadores — era impossível ignorar. Fingi costume. Mantive a postura ereta, pa
P.D.V de Kaiden.O refeitório fervilhava com vozes, risadas e o tilintar de bandejas. Eu estava com meu grupo habitual — os populares, como todos os outros insistiam em chamar — mas minha mente estava em outro lugar. Ou melhor... em uma só pessoa.Ela entrou como um raio de luz em meio à rotina monótona do meu dia. Kayla.Por um instante, o mundo ao redor se calou. Ela caminhava com aquele jeito quase inocente, olhando ao redor com curiosidade genuína. Seu cabelo brilhava sob a luz do teto, com aquele tom loiro acobreado tão raro, tão dela. Os olhos azuis límpidos varriam o ambiente, atentos, mas discretos. Tinha uma aura diferente. Única.Meu coração bateu mais rápido, e não pela primeira vez desde que a vi naquele dia no jardim, na foto enviada por engano. E agora, ali, em carne e osso, Kayla era ainda mais hipnotizante.Senti algo se retorcer dentro de mim. Um desejo bruto, primitivo, misturado com um instinto feroz de protegê-la. Cada olhar que outro garoto lançava em sua direção
Chegada de Kayla ao Orfanato St. Joseph’s Haven for ChildrenA neblina pairava baixa naquela manhã fria de outono, envolvendo em silêncio os arredores do St. Joseph’s Haven for Children, um orfanato católico situado nos arredores de uma pequena cidade americana. Os portões de ferro se abriram com um rangido suave, dando passagem ao carro preto do serviço social que avançava lentamente pela alameda coberta de folhas secas.Nos braços da assistente social, uma bebê recém nascida, observava o mundo com olhos azuis límpidos, grandes e silenciosos como um lago em pleno inverno. Seu cabelo loiro, puxado para um tom quase cobre, caía em mechas desalinhadas sobre a testa, contrastando com a palidez impecável de sua pele — branca como porcelana. A única coisa que apertava contra o corpo com força era um ursinho de pelúcia e em seu pescoço um colar fino em ouro, em sua roupa ainda continham marcas de sangue.Na escadaria principal, Irmã Margaret — de hábito azul-escuro e olhar maternal — aguard
Quando Kayla completou quinze anos, o pátio interno do St. Jude se encheu de luzes douradas e flores brancas, cuidadosamente organizadas pelas freiras e pelas colegas de classe. Era uma celebração simples, mas feita com amor. As irmãs haviam pedido doações e preparado tudo em segredo. Quando ela entrou no salão improvisado, de vestido azul claro e os cabelos presos num coque solto com pequenas pérolas, todos ficaram em silêncio por um instante.Ela estava deslumbrante — não só por sua beleza única, mas pela força silenciosa que irradiava. Como uma rainha selvagem em seu momento de glória.Houve música, risos, danças tímidas. E no fim da noite, enquanto Kayla observava a lua cheia no jardim do colégio, Ethan, um colega de turma e amigo próximo, se aproximou com as mãos trêmulas.— Eu… preciso te dizer uma coisa — disse ele, desviando o olhar por um segundo. — Eu te amo, Kayla. Desde o primeiro dia em que você chegou. Você me inspira. Me desafia. Me faz querer ser alguém melhor, e quand