Novas amizades

P.D.V de Kayla Prescott

Nunca pensei que aquele frio na barriga que senti ao acordar pudesse durar tanto tempo. Desde o momento em que abri os olhos, ainda antes do sol nascer, eu sabia que esse dia seria diferente. Me olhei no espelho com calma — e confesso que nem reconheci completamente o reflexo. Era estranho pensar que aquela garota, arrumada no uniforme impecável da St. Joseph High School, agora carregava o sobrenome Prescott. Um nome que, até poucos dias atrás, eu nunca tinha ouvido na vida.

Desci as escadas da mansão ainda tentando colocar ordem nos meus pensamentos. Richard me aguardava com uma xícara de café e um “bom dia” gentil. Kaiden, claro, já me esperava no carro com seu jeito meio sarcástico e descomplicado. Ele me tranquilizou mais com um olhar cúmplice do que com palavras.

Assim que atravessei os portões da St. Joseph, senti os olhos sobre mim. O sussurro de vozes, os olhares curiosos e julgadores — era impossível ignorar. Fingi costume. Mantive a postura ereta, passos decididos, como se já pertencesse àquele lugar. Por dentro, porém, cada célula minha pulsava com insegurança.

Enquanto eu procurava minha sala, tentando entender os códigos de horário no painel digital, uma garota surgiu ao meu lado. Cabelos ruivos selvagens, olhos verdes brilhantes e um sorriso sem reservas.

“Ivy Rowen”, ela disse com uma energia tão natural que parecia que éramos amigas há anos. E só de ouvir minha apresentação, ela brincou com meu sobrenome, me fez rir — coisa rara quando estou nervosa. Foi o suficiente para me fazer sentir um pouco mais eu mesma.

Ela me apresentou a alguns colegas — dois deles simpáticos, um meio estranho, e uma garota que parecia desconfiada demais.

As aulas passaram como um turbilhão. História americana foi a primeira — a professora era séria, mas parecia respeitar quem levava a matéria a sério. Em biologia, senti meus olhos brilharem. Aqueles temas sobre genética, evolução, simbiose, eu queria absorver tudo. Era como se algo dentro de mim despertasse, vibrasse com cada palavra dita, mas logo notei que eu sabia muito sobre tudo que já estava sendo ensinado e claramente o professor também notou.

Na aula de literatura, li um trecho de um livro em voz alta — e percebi que estavam me ouvindo. Não era inédito isso para mim, apesar que notei que parecia incomum por aqui, afinal a professora me olhava como se eu fosse de outro mundo.

O refeitório da St. Joseph High School era imenso, mais parecido com uma praça de alimentação de shopping de luxo do que com algo escolar. Havia janelas enormes de vidro que enchiam o ambiente de luz natural, e tudo era perfeitamente organizado: As filas, as mesas, os uniformes — como se um único passo em falso pudesse destoar daquela harmonia artificial.

Eu ainda caminhava ao lado da Ivy, bandeja nas mãos e coração acelerado. Ela ia falando dos grupos da escola, me apontando quem era quem com uma leveza quase teatral:

— Aqueles são os do grêmio, os chatos e metódicos. Ali os nerds da robótica, as patricinhas próximo aos populares que estão logo ali no fundo e veja só — ela parou subitamente com um sorrisinho no canto da boca — Seu irmão como sempre com toda atenção, vassalas e vassalos à sua volta.

Segui seu olhar e então o vi.

Kaiden estava sentado bem no centro da mesa mais disputada do lugar. Cercado por pelo menos cinco garotas — todas lindas, maquiadas, impecáveis. Riam alto demais, se inclinavam em sua direção, tentando desesperadamente capturar sua atenção com sorrisos exagerados e toques no braço.

Mas Kaiden... bom, ele parecia entediado.

Estava reclinado na cadeira com o braço jogado para trás, como se aquele harém ao redor fosse só ruído de fundo. A cada comentário mais ousado de uma delas, ele revirava os olhos discretamente ou apenas desviava o olhar para algo mais interessante — o teto, o relógio, o nada. A cada risadinha forçada, ele respondia com um “aham” seco ou um aceno preguiçoso de cabeça.

Uma delas, a mais ousada, com um coque impecável e unha vermelho sangue — tentou pegar algo no prato dele, dizendo algo como “posso provar?”. Kaiden puxou o prato de volta com calma e disse algo que não ouvi, mas o efeito foi imediato: A menina riu sem graça e recuou. Ele não precisou ser rude. Só deixou claro que não queria intimidade.

— Ele sempre foi assim? — perguntei, tentando soar desinteressada, mas não convencendo nem a mim mesma.

Ivy me olhou com curiosidade.

— Assim como?

— Indiferente a esse tipo de atenção — murmurei.

Ela deu de ombros.

— Sim. Ele é reservado. Mas é justamente por isso que atrai essas piriguetes. E ele não disfarça o desprezo que sente por quem finge ser algo só pra aparecer e odeia garotas fúteis e fáceis.

Olhei de novo para Kaiden. E, como se sentisse meu olhar, ele se virou. Nossos olhos se encontraram por um segundo. Ele arqueou uma sobrancelha, como se dissesse “tudo bem aí?”, e eu apenas acenei com a cabeça.

— Quer sentar ali fora? — sugeriu Ivy, percebendo meu desconforto.

— Sim. Melhor.

Fomos para uma mesa do lado de fora, sob a sombra de uma árvore enorme, onde o som das conversas era mais suave. Mas mesmo dali, por um instante, continuei observando meu irmão — tão inserido e ao mesmo tempo tão alheio àquele mundo. Aquela popularidade, as meninas tentando se aproximar mas nada parecia atingi-lo.

Naquele momento, entendi algo: Kaiden não era só bonito ou inteligente. Ele era inalcançável. Não por arrogância, mas por convicção. E talvez fosse exatamente isso que incitava tanto aquelas garotas.

O sino final tocou como um sopro de alívio. Meu primeiro dia na St. Joseph havia sido intenso. Cada sala, cada rosto novo, cada olhar curioso ou julgador, cada tentativa de sorrisos — tudo ecoava dentro de mim como um turbilhão contido. Ivy foi maravilhosa, minha bússola naquele oceano de novidade.

Desci as escadas da entrada principal em passos lentos, ainda sentindo o peso das aulas e da minha nova identidade se formando. E lá estava ele. Kaiden, encostado no carro preto com os braços cruzados, os olhos fixos em mim como se estivesse me esperando há séculos.

O uniforme da escola nem disfarçava o jeito que ele se impunha: firme, seguro, uma presença que chamava atenção sem pedir. As garotas que passavam lançavam olhares para ele — algumas mais ousadas até o chamavam pelo nome. Mas ele ignorava todas. Seus olhos estavam cravados só em mim.

Quando me aproximei, ele descruzou os braços lentamente e caminhou até mim com passos decididos.

— Achei que tivesse se perdido — Falou ele num tom sarcástico.

— Tive aula o dia inteiro — respondi, tentando soar leve.

Ele franziu o cenho e inclinou o rosto, abaixando um pouco a voz:

— Então, ninguém te provocou? Te perturbou? Ou deu em cima de você?

— Kaiden… — murmurei, surpresa. — Está tudo bem, de verdade, e a resposta é Não, não e não. Nessa ordem. Falei com tom brincalhão.

Ele passou a mão pela nuca, frustrado. Havia algo selvagem e inquieto dentro dele que eu ainda não conseguia decifrar. Como se ele quisesse me proteger do mundo inteiro mesmo que o mundo ainda não tivesse feito nada.

— Você não entende — disse ele por fim, a voz grave. — Aqui, você vai chamar atenção. E isso me incomoda. Porque sei do que as pessoas são capazes. Dos sorrisos falsos. Das intenções escondidas.

Houve um silêncio tenso entre nós.

— Eu só quero estudar viver uma vida normal — falei com um pequeno sorriso. — Você não precisa se preocupar o tempo inteiro.

Ele se inclinou, o rosto próximo demais do meu, o olhar firme, como se quisesse deixar algo muito claro.

— Mas eu vou. Se alguém se aproximar de você com algo além de respeito, eles vão ter que se ver comigo.

Eu deveria ter recuado, talvez… mas não consegui. Havia algo hipnótico na forma como ele dizia aquilo. Uma proteção tão intensa que beirava o domínio. E, por mais que parte de mim soubesse que aquilo era um pouco demais, a outra parte se sentia estranhamente segura. Como se aquele irmão recém-descoberto fosse muito mais do que aparentava.

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