Quando o último desistente alcançou a parte seca da praia o mar tinha uma fração mínima dos concorrentes que outrora lotaram a água. Apenas aqueles que desejavam se tornar Égides ou que tinham um compromisso verdadeiro com os companheiros seguravam as correntes. Em alguns tripés, apenas uma pessoa sustentava sozinha o peso de um grupo inteiro.
Na praia, os desclassificados se aglomeravam aflitos. Era desesperador assistir aos companheiros exaustos, carregando todos os demais sobre os ombros, a um escorregão da eliminação.
– É um torniquete emocional. – Lênis comentou, ao lado de Acaiah. A sua aparente tranquilidade fora substituída pela tensão. – Quem está na água carrega o grupo inteiro nas costas. Desistir agora vai condenar o grupo todo, diante de todo mundo.
– Acha que eles vão conseguir? – Acaiah perguntou, mais para aliviar a tensão do que por acreditar que a análise de Lênis fizesse qualquer diferença naquela situação.
– Uzias é forte. – Lênis
Caros mamãe e papai; Estou escrevendo para lhes contar que conseguimos, o Acaiah e eu, passar no segundo exame. A prova foi menos complicada que a de Nedavya, mas muito mais difícil. A gente teve que sustentar umas bolas de ferro debaixo do sol quente quase o dia todo, foi horroroso. Acaiah teve uma ideia que pareceu brilhante no começo, mas que quase fez todo mundo ser eliminado. No fim, Uzias e Abigail, a mesma que me salvou do afogamento, tiveram de segurar o peso planejado para o grupo inteiro, por bem mais que uma hora. Foi o momento mais tenso até agora, com exceção daquele em que eu quase me afoguei. Muita gente foi eliminada, agora só deve ter umas duzentas pessoas na caravana todinha! Nesse momento, estou com a pele ardida e queimada do sol, por causa do exame, assim como quase todo mundo que passou. Ah, e o rosto de Acaiah já desinchou. Ele está meio diferente, mais ou menos como ficava quando a gente ia para os treinos de inverno, sabe? Sério, quieto.
Mesmo a uma grande distância, a cidadela-torre de Tsione podia ser vista se erguendo, praticamente isolada, em meio a uma paisagem árida e pouco atrativa. À medida que a caravana ia se aproximando do trecho conhecido como a Travessia dos Exilados, a campina verdejante ia dando lugar a um terreno seco, pedregoso e quase desprovido de habitantes.Aquela era uma região que se podia chamar de deserta. Os únicos animais ocasionalmente vistos pelos viajantes eram chacais, lobos ou coelhos, estes últimos prontamente capturados por alguns dos concorrentes mais atentos, como Jerusha e Várzios, que os consumiam à noite durante os intervalos de descanso. Por ter desviado da rota original, contornando à distância o Pântano dos Sapos, a viagem havia acrescentado alguns dias ao percurso. Devido a esses contratempos, era importante parar em Tsione para reabastecimento.Quando a caravana chegou aos portõe
O caminho pelas montanhas foi silencioso, e a tensão pairava como se fizesse parte do ar que todos os viajantes respiravam. Diferente da Travessia dos Exilados, que era composta de um terreno plano e árido cuja visibilidade era perfeita, nas montanhas a caravana transitava pelos vales, lugares conhecidos por serem perfeitos para emboscadas. Mesmo que a rota principal fosse coberta pelas vigias distribuídas regularmente por toda a estrada, entre uma e outra a sensação de mau agouro evocava uma apneia morbidamente contagiosa, que ia dos concorrentes aos guardas e até mesmo aos animais. Apesar de ainda ser verão, a temperatura caíra bruscamente, e a baixa precipitação dava lugar a uma bruma suave, porém insistente que enchia o ar de forma agourenta. O ânimo dos viajantes mais uma vez se desgastava devido ao cansaço e ao tédio de dia após dia das mesmas paisagens. Quando, porém, o trecho de vales montanhosos finalmente ficou para trás, os participantes novamente sentiram excitaç
Haviam se passado dez dias desde o incidente no cemitério, e de lá para cá ninguém havia tocado no assunto. Aparentemente todos estavam muito felizes em não perguntar nada e nem responder nada, desde que ficassem longe daquele lugar. Absalon, o outro morador da casa, também não aparecera nesse tempo, e nas vezes em que se perguntava por ele nos povoados próximos ninguém afirmava tê-lo visto nas últimas semanas. Depois dos dois primeiros dias de descanso, nos quais Uzias havia mostrado para todos alguns lugares interessantes na região, como um pequeno pomar nas imediações, onde eles travaram uma divertidíssima guerra de figos, ou uma antiga caverna com pinturas estranhas nas paredes, ossos de pequenos animais e vários utensílios feitos de madeira e couro, que de tão velhos esfarelavam quando alguém tentava tirá-los do lugar, além, claro, do banho no riacho ao entardecer, com roupa e tudo, onde permaneceram até a noite cair e ficar tão frio que nem sentiam as pontas dos dedos, os estu
– Meu Deus! O que é isso? O Dormitório feminino era uma sucessão de gritinhos histéricos. Em toda parte, as meninas estavam tateando os próprios corpos debaixo das camisolas, desesperadas, como se procurassem alguma coisa. A confusão havia começado quando a primeira menina havia acordado e saído sorrateiramente da cama para se lavar antes que as outras e assim evitar a fila para o banho. Voltara aos berros minutos depois, acordando e assustando todo mundo. Quando ela finalmente disse o que lhe havia ocorrido, mais meninas começaram também a surtar, percebendo que com elas acontecera o mesmo. Adameire fazia parte do pequeno grupo de meninas que não havia surtado. Estava, entretanto, intrigada. Examinava o próprio corpo diante do espelho no dormitório, imaginando se a semente que engolira na noite anterior tinha alguma relação com aquilo. A cabeça, os braços e as pernas estavam normais, como sempre estiveram. Porém toda a região do torso e do abdômen, começando
– Onde está Adameire? A pergunta de Uzias foi acompanhada dos olhares pressurosos de Mordecai e Abigail, que àquela altura já estava acordada e preocupada. A resposta de Acaiah veio dura e fria: – Não há sinal dela. Nem dela, nem de Gidom, ou de Abel. Mas houve combate. Havia sangue e os destroços do escudo. Na melhor das hipóteses, ela ainda está perambulando por aí, machucada demais para chegar onde estamos. – Então vamos atrás dela. – Uzias falou. – Se nos dividirmos... – Não. – Acaiah respondeu, com firmeza. – Aqueles dois ainda estão pelas redondezas, e é estupidez separar o grupo por causa de um membro que inclusive já pode ter sido eliminado. Diante da resposta, Abigail e Uzias fitavam Acaiah estarrecidos. Mais uma vez Mordecai o observou como se estivesse diante de um estranho. Abigail já ia começar a protestar quando Acaiah interrompeu: – Vocês vão partir. Sigam para o ponto de encontro, e esperem até o meio dia de amanhã. Se
O primeiro golpe foi bloqueado pelo machado. Considerando que Abel estava de cabeça para baixo, a resposta foi impressionante. Acaiah percebeu imediatamente que não enfrentava um mero brutamontes. Diferente do confronto contra Gade, em que a diferença de força foi contornada pela perícia, aquela não ia ser uma luta fácil.Abel conseguiu evitar o segundo e o terceiro golpes, esquivando e novamente bloqueando. No quarto golpe, enganchou a parte curva da lâmina do machado no punho da espada, e com um movimento bruto de torção a atirou vários metros para longe. Acaiah imediatamente sacou a faca da cintura, mas antes que pudesse usá-la foi atingido no diafragma pelo cabo do machado e dobrou-se sobre o ventre caindo de joelhos. O tempo que levou para se recuperar deu a Abel a chance de alcançar o cipó que prendia seu pé e cortá-lo, caindo no chão de costas.A
A temperatura, que caíra bruscamente nos arredores de Ataya, esquentara de tal forma enquanto a caravana atravessava a vasta região entre as montanhas da Cordilheira dos Profetas e a cidade de Zefanya que muitos dos adolescentes teriam viajado usando apenas a toga do uniforme, dispensando a roupa de baixo, não fossem as expressas proibições por parte dos guardas a essa ideia assim que os primeiros foram pegos e devidamente advertidos. Àquela altura da viagem, aqueles oriundos de Yahudah, Zicar, Zefanya ou Meredina estavam refrescados, vestindo as roupas de tecido leve que traziam consigo a viagem toda. Iadah e Sarina emprestaram a Adameire, Abigail, Veridane e Deena seus esvoaçantes vestidos de seda e outros materiais levíssimos. Mordecai, por camaradagem, havia oferecido algumas de suas roupas aos companheiros mais próximos – mas com exceção de Uzias, que preferia não usar roupas alheias, pelas quais não poderia pagar se danificadas, os outros meninos eram todos menores, de