Haviam se passado dez dias desde o incidente no cemitério, e de lá para cá ninguém havia tocado no assunto. Aparentemente todos estavam muito felizes em não perguntar nada e nem responder nada, desde que ficassem longe daquele lugar. Absalon, o outro morador da casa, também não aparecera nesse tempo, e nas vezes em que se perguntava por ele nos povoados próximos ninguém afirmava tê-lo visto nas últimas semanas. Depois dos dois primeiros dias de descanso, nos quais Uzias havia mostrado para todos alguns lugares interessantes na região, como um pequeno pomar nas imediações, onde eles travaram uma divertidíssima guerra de figos, ou uma antiga caverna com pinturas estranhas nas paredes, ossos de pequenos animais e vários utensílios feitos de madeira e couro, que de tão velhos esfarelavam quando alguém tentava tirá-los do lugar, além, claro, do banho no riacho ao entardecer, com roupa e tudo, onde permaneceram até a noite cair e ficar tão frio que nem sentiam as pontas dos dedos, os estu
– Meu Deus! O que é isso? O Dormitório feminino era uma sucessão de gritinhos histéricos. Em toda parte, as meninas estavam tateando os próprios corpos debaixo das camisolas, desesperadas, como se procurassem alguma coisa. A confusão havia começado quando a primeira menina havia acordado e saído sorrateiramente da cama para se lavar antes que as outras e assim evitar a fila para o banho. Voltara aos berros minutos depois, acordando e assustando todo mundo. Quando ela finalmente disse o que lhe havia ocorrido, mais meninas começaram também a surtar, percebendo que com elas acontecera o mesmo. Adameire fazia parte do pequeno grupo de meninas que não havia surtado. Estava, entretanto, intrigada. Examinava o próprio corpo diante do espelho no dormitório, imaginando se a semente que engolira na noite anterior tinha alguma relação com aquilo. A cabeça, os braços e as pernas estavam normais, como sempre estiveram. Porém toda a região do torso e do abdômen, começando
– Onde está Adameire? A pergunta de Uzias foi acompanhada dos olhares pressurosos de Mordecai e Abigail, que àquela altura já estava acordada e preocupada. A resposta de Acaiah veio dura e fria: – Não há sinal dela. Nem dela, nem de Gidom, ou de Abel. Mas houve combate. Havia sangue e os destroços do escudo. Na melhor das hipóteses, ela ainda está perambulando por aí, machucada demais para chegar onde estamos. – Então vamos atrás dela. – Uzias falou. – Se nos dividirmos... – Não. – Acaiah respondeu, com firmeza. – Aqueles dois ainda estão pelas redondezas, e é estupidez separar o grupo por causa de um membro que inclusive já pode ter sido eliminado. Diante da resposta, Abigail e Uzias fitavam Acaiah estarrecidos. Mais uma vez Mordecai o observou como se estivesse diante de um estranho. Abigail já ia começar a protestar quando Acaiah interrompeu: – Vocês vão partir. Sigam para o ponto de encontro, e esperem até o meio dia de amanhã. Se
O primeiro golpe foi bloqueado pelo machado. Considerando que Abel estava de cabeça para baixo, a resposta foi impressionante. Acaiah percebeu imediatamente que não enfrentava um mero brutamontes. Diferente do confronto contra Gade, em que a diferença de força foi contornada pela perícia, aquela não ia ser uma luta fácil.Abel conseguiu evitar o segundo e o terceiro golpes, esquivando e novamente bloqueando. No quarto golpe, enganchou a parte curva da lâmina do machado no punho da espada, e com um movimento bruto de torção a atirou vários metros para longe. Acaiah imediatamente sacou a faca da cintura, mas antes que pudesse usá-la foi atingido no diafragma pelo cabo do machado e dobrou-se sobre o ventre caindo de joelhos. O tempo que levou para se recuperar deu a Abel a chance de alcançar o cipó que prendia seu pé e cortá-lo, caindo no chão de costas.A
A temperatura, que caíra bruscamente nos arredores de Ataya, esquentara de tal forma enquanto a caravana atravessava a vasta região entre as montanhas da Cordilheira dos Profetas e a cidade de Zefanya que muitos dos adolescentes teriam viajado usando apenas a toga do uniforme, dispensando a roupa de baixo, não fossem as expressas proibições por parte dos guardas a essa ideia assim que os primeiros foram pegos e devidamente advertidos. Àquela altura da viagem, aqueles oriundos de Yahudah, Zicar, Zefanya ou Meredina estavam refrescados, vestindo as roupas de tecido leve que traziam consigo a viagem toda. Iadah e Sarina emprestaram a Adameire, Abigail, Veridane e Deena seus esvoaçantes vestidos de seda e outros materiais levíssimos. Mordecai, por camaradagem, havia oferecido algumas de suas roupas aos companheiros mais próximos – mas com exceção de Uzias, que preferia não usar roupas alheias, pelas quais não poderia pagar se danificadas, os outros meninos eram todos menores, de
– Eu não acredito que você fez isso! – Abigail disse, com um sorriso bobo no rosto. – E ele, o que disse? – Eu não ouvi... – Veridane respondeu, parecendo um tomate de tão vermelha. – Saí correndo. Só olhei para trás na outra rua. – Bom, não deve ter sido ruim, caso contrário ele teria te empurrado pra longe, não acha? – Abigail perguntou. – Eu não sei se ele teve tempo de pensar em reagir... – Veridane continuou. – Eu fiz de supetão, nem eu esperava que... ai meu Deus, mas que vergonha! Não, eu não vou! – É claro que você vai. – Abigail a puxou pelo braço. As duas eram franzinas, mas comparada à Abigail, Veridane era ainda mais nanica. – Não vai poder fugir dele o resto da viagem, e quanto mais cedo você enfrentar a situação, melhor. As duas estavam na metade do caminho para o fórum, onde ocorreria o exame. Todos os concorrentes teriam permissão de assistir, desde que ficassem quietos e não atrapalhassem os examinados. Era uma manhã quente, e
Por alguns segundos, apenas o pasmo silêncio. Até aqueles que estavam já a meio caminho de sair haviam parado em algum lugar no meio das escadas. O magistrado chefe voltou, calmamente, ao seu lugar. Quando se sentou, os outros magistrados o acompanharam. Rapidamente, as outras pessoas nas arquibancadas do fórum também retornaram aos seus lugares. – O interventor compreende as implicações de sua solicitação? – O Magistrado falou, com a voz calma e certo cinismo no rosto. – Eu compreendo. – Uzias respondeu, tentando parecer firme. – O interventor terá até o anoitecer de hoje para efetivar sua solicitação. Deverá comparecer ao fórum portando sua documentação, ocasião em que formalizará seu pedido e receberá instruções adicionais. Por ocasião dessa nova intervenção, a ré será mantida na prisão desta cidade até que seu caso seja concluído. O som do martelo contra a madeira encerrou a manhã. – Me explique exatamente qual foi a
Os dias vinham se passando com alarmante rapidez desde que haviam deixado Zefanya. A maioria dos concorrentes desfrutava a viagem como um grande e demorado passeio, no qual podiam aproveitar longos períodos ociosos em que divagavam sobre o que fariam depois que chegassem em casa, triunfantes. Os únicos que ainda se prestavam a estudar eram aqueles que tentariam ser aprovados nos exames de Yahudah e Migdala. O exame de Yahudah era conhecido por ser uma espécie de prova de talentos. A natureza exata dos talentos requeridos, entretanto, não era muito clara, de forma que os quinze concorrentes que desejavam ser aprovados praticavam competências muito variadas, que iam de canto, recitação e dança até malabarismo com objetos pontudos, transformando os acampamentos noturnos em um tipo bizarro de circo cheio de iniciantes desajeitados. Outra tendência que começou a ganhar força foi o surgimento de pequenos namoricos, principalmente entre os mais velhos, que eram maioria desde o fim
Os dias se passaram em Yahudah com muita rapidez para a maioria dos concorrentes. A cidade, além de grande e populosa, reunia um número enorme de atrações e afazeres que mantinham ocupados todos que se aventuravam por suas ruas estreitas, suntuosas e lotadas de barracas. Aqueles que carregavam algumas moedas a mais consigo descobriram que o preço dos artigos, fossem quais fossem eles, era muito menor ali que nas outras cidades do reino, e além disso, circulavam nas feiras um número enorme de mercadorias estranhas – tipos diferentes de comida, de bebida, de joias, de objetos decorativos e mesmo objetos restritos ou proibidos no resto do reino, como livros de feitiços, venenos e armas, que podiam ser comprados a preços acessíveis à maioria dos adolescentes. O expediente daqueles que planejavam ingressar na Ordem dos Arautos, entretanto, foi marcado por treinamentos extenuantes nos quais desenvolviam algumas das habilidades exigidas pelo exame: dança, retórica, combate com arma