Os dias vinham se passando com alarmante rapidez desde que haviam deixado Zefanya. A maioria dos concorrentes desfrutava a viagem como um grande e demorado passeio, no qual podiam aproveitar longos períodos ociosos em que divagavam sobre o que fariam depois que chegassem em casa, triunfantes. Os únicos que ainda se prestavam a estudar eram aqueles que tentariam ser aprovados nos exames de Yahudah e Migdala.
O exame de Yahudah era conhecido por ser uma espécie de prova de talentos. A natureza exata dos talentos requeridos, entretanto, não era muito clara, de forma que os quinze concorrentes que desejavam ser aprovados praticavam competências muito variadas, que iam de canto, recitação e dança até malabarismo com objetos pontudos, transformando os acampamentos noturnos em um tipo bizarro de circo cheio de iniciantes desajeitados. Outra tendência que começou a ganhar força foi o surgimento de pequenos namoricos, principalmente entre os mais velhos, que eram maioria desde o fim
Os dias se passaram em Yahudah com muita rapidez para a maioria dos concorrentes. A cidade, além de grande e populosa, reunia um número enorme de atrações e afazeres que mantinham ocupados todos que se aventuravam por suas ruas estreitas, suntuosas e lotadas de barracas. Aqueles que carregavam algumas moedas a mais consigo descobriram que o preço dos artigos, fossem quais fossem eles, era muito menor ali que nas outras cidades do reino, e além disso, circulavam nas feiras um número enorme de mercadorias estranhas – tipos diferentes de comida, de bebida, de joias, de objetos decorativos e mesmo objetos restritos ou proibidos no resto do reino, como livros de feitiços, venenos e armas, que podiam ser comprados a preços acessíveis à maioria dos adolescentes. O expediente daqueles que planejavam ingressar na Ordem dos Arautos, entretanto, foi marcado por treinamentos extenuantes nos quais desenvolviam algumas das habilidades exigidas pelo exame: dança, retórica, combate com arma
A viagem até Migdala, do outro lado do reino, protagonizou o período mais longo em que a caravana seguiu quase ininterruptamente na estrada. O caminho foi pontuado por três paradas, em Ariate, Noah e Tsinoe, ocasião em que os comboios paravam por duas horas para dar aos viajantes a chance de sair e esticar um pouco as pernas. Ariate e Noah eram, ao ver de quem se aventurou um pouco além dos armazéns de mantimentos, exatamente como Veridane as descrevera: áreas urbanas pequenas, ligeiramente maiores que Zefanya, rodeadas de enormes áreas rurais, onde se concentrava o grosso da população. Para além dos campos, a Travessia dos Exilados marcou uma abrupta mudança na paisagem. O frescor verde deu lugar à aridez selvagem e cinzenta. A cada novo dia de viagem a sensação de nostalgia se agravava nos concorrentes ao lembrarem-se de quantos eram quando passaram por ali pela primeira vez. Tal qual fariam veteranos de guerra, lembravam seus eliminados, colegas, parentes ou simpl
– Me passa o sabão, por favor. – Sarina pediu à Veridane, que fazia bolhas de ar com a boca, submersa até o nariz no tanque da casa de banho. – Vai precisar de umas três dessas barras para tirar toda a areia dos cabelos dessa menina. O que os ermitões pediram para você fazer, Abigail? Enterrar a cabeça na areia? – Não tive tempo de tomar banho regularmente esses dias. – Abigail respondeu, sentada, enquanto Sarina e Adameire a ajudavam a esfregar seu longo e volumoso cabelo por partes. – Eles começam a trabalhar muito cedo, e terminam muito tarde. A água de manhã e de noite é sempre muito fria, então eu só ficava o necessário no tanque. A casa de banho estava quase vazia naquele horário, como de costume. A maioria das monjas só chegaria uma ou duas horas mais tarde, quando acabassem seus afazeres, de forma que as meninas podiam aproveitar para se demorar e conversar à vontade. Estavam se preparando para jantar. Apesar de sua rotina não ter sido tão atarefada q
– Eu gostaria de dizer que tive imenso prazer em liderar meus homens em defesa de sua segurança e tranquilidade, futuros ordenados. A bravura de vocês em suportar provas tão difíceis inspirou-nos a redobrar nossos esforços para garantir que chegassem sãos aos seus destinos. Em nome de toda a companhia que os protegeu ao longo do caminho, eu os saúdo. Depois que Beniel terminou seu breve discurso, os membros restantes da guarda irromperam em aplausos. A Caravana havia chegado à Amihud por volta do meio dia e, exatamente como na época anterior ao início da viagem, a cidade estava cheia de gente transitando, comprando, vendendo e falando. Os adolescentes estavam todos amontoados em frente à sede da Ordem dos Juízes, recebendo honras dos soldados e ordenados que garantiram sua segurança durante o trajeto. – Vocês deverão se aprontar para o jantar e o baile. – Beniel os informou. – Nós carregaremos seus pertences e os guardaremos no arsenal, como quando estiveram
Ainda vivos. Ainda vivos? Adameire abriu os olhos estupefata, ao reparar no enorme buraco que o jorro de ácido vomitado pelo monstro havia aberto no muro, exatamente no lugar onde ela e Absalon tinham estado poucos segundos antes. Mais que rápido, ele a empurrou para fora, jogando-a sem muita delicadeza através da fenda. Ela caiu vários metros longe do muro, rolando pelo chão. – Traga ajuda! – Ele gritou. Adameire, habituada a obedecer sem questionar, não perguntou por que ele havia ficado. Absalon resistiu à tentação de sair daquele inferno pelo buraco por duas razões. A primeira: se ele e Adameire saíssem juntos, a criatura os seguiria e os alcançaria facilmente, tornando inútil a tentativa de chamar ajuda. A segunda: porque enquanto ele ficasse ali distraindo o monstro, o caos se limitaria àquele pátio, e as pessoas inocentes das ruas ao redor seriam poupadas.Diferente da primeira vez em que havia lutado contra a criatura, Absalon não alimentav
– Setenta e duas construções civis ao chão, algumas irremediavelmente destruídas. O pátio do palácio regencial e as ruas próximas. Isso se não falarmos na onda de pânico que tudo isso já está gerando. Como a liderança das forças militares do meu governo, eu esperava que vocês tivessem um mínimo de cuidado ao lidar com uma ameaça dentro de nossos muros! O regente vociferava inconsolável, em direção às nove outras pessoas presentes. Estavam ali, além dele próprio, o Chefe da Ordem dos Juizes e Comandante Supremo das Forças Militares, o Chefe da Liga das Guildas, representante oficial da população civil, o Escrivão Regencial, os cinco Anciões e o representante de Mendell. Ocupavam o salão de reuniões, uma sala ampla, circular, em formato de anfiteatro. Dado o número reduzido de pessoas, estavam todas muito próximas, mas nada impedia que os ânimos exaltados fizessem alguns deles falar excessivamente alto. – Deixe de drama, Leonoro, ninguém morreu. – Levana retrucou, azed
Uzias já andava havia cerca de duas horas. O caminho marcado com as estacas era longo, seco, e cheio de poeira. Enquanto seus passos tentavam vencer a areia que se acumulava entre as solas de seus pés e as sandálias, sua mente ruminava com saudade os últimos momentos vividos ao lado dos amigos que havia feito durante a viagem. Acaiah e Adameire finalmente se separaram, depois de doze anos de convivência ininterrupta. Ele havia presenciado o momento da partida porque, depois que o regente leu, em praça pública, para toda a Amihud, (ou pelo menos a parcela da cidade que cabia na praça central) a retratação histórica em favor dos rebeldes, Aryah, Aminadave e Absalon haviam sido reconduzidos aos seus cargos. Assim, Aryah retornou à Ataya, levando Acaiah consigo, e Aminadave, ao invés de ir junto, ficou em Nedavya para poder acompanhar o treinamento de Adameire, que escolhera, por fim, ingressar na Ordem dos Armígeros. Foi uma despedida cheia de choro, promessas e muitas
Gostaria de dedicar este livro, primeiramente, às pessoas sem as quais ele jamais seria produzido. A lista é grande, mas nenhum desses nomes é dispensável e cada qual contribuiu de maneira decisiva para o final da obra, seja com seu apoio, sua companhia, sua leitura antecipada, ou com a simples existência em minha vida, atuando como fontes inspiradoras para os personagens de tinta e papel que aprendi a amar como se fossem pessoas de carne e osso. A Ronaldo “Marco” Inácio da Silva, que me ensinou, com poucas palavras e muita atitude, a ser um homem decente; A Sheila “Levana” Bezerra da Silva Santos, que me ensinou, com muitas, mas muitas palavras mesmo, a ser um bom marido; A Maraíze “Aryah” Lopes de Almeida, esposa amada, que me dá força para insistir quando nem mesmo eu acredito que as coisas vão funcionar; A Yasmim “Adameire” Bezerra Santos da Silva, por me ensinar, desde muito cedo, a entender a complexidade dos relacionamentos entre as pessoas;