Gostaria de dedicar este livro, primeiramente, às pessoas sem as quais ele jamais seria produzido. A lista é grande, mas nenhum desses nomes é dispensável e cada qual contribuiu de maneira decisiva para o final da obra, seja com seu apoio, sua companhia, sua leitura antecipada, ou com a simples existência em minha vida, atuando como fontes inspiradoras para os personagens de tinta e papel que aprendi a amar como se fossem pessoas de carne e osso.
A Ronaldo “Marco” Inácio da Silva, que me ensinou, com poucas palavras e muita atitude, a ser um homem decente;
A Sheila “Levana” Bezerra da Silva Santos, que me ensinou, com muitas, mas muitas palavras mesmo, a ser um bom marido;
A Maraíze “Aryah” Lopes de Almeida, esposa amada, que me dá força para insistir quando nem mesmo eu acredito que as coisas vão funcionar;
A Yasmim “Adameire” Bezerra Santos da Silva, por me ensinar, desde muito cedo, a entender a complexidade dos relacionamentos entre as pessoas;
A Marlene “Gilana” Lopes de Almeida, por estender a mão, o braço e a vida, justo quando a gente mais precisa e nunca exigir absolutamente nada em troca;
A Renato “Uzias” Sales, o primeiro a me fazer entender que não há como negociar com o mal – é preciso combatê-lo;
A George “Acaiah” Morais, o primeiro de nós a agarrar a vida com as mãos nuas e sacudi-la até que os frutos caíssem de seus galhos, por me mostrar que a vida se enfrenta com os dentes cerrados;
A Leandro “Abigail” Felipe, aquele de quem todos se lembram por último, por ser sempre o primeiro a ficar para trás e dar atenção aos feridos;
A Diego “Absalon” Felipe, cuja paciência foi meu professor nos anos de fúria, por me ensinar a não me preocupar com aquilo que não posso resolver;
A Alexandro “Lemuel” Oliveira, mentor, professor, amigo e exemplo, por me mostrar como o conhecimento é precioso e dignificante;
E, evidentemente, a você, que tem diante dos olhos meu filho primogênito.Yuri Pablo dos SantosO cheiro insuportável do sangue, da sujeira e do suor subia às narinas dos quatro sobreviventes. Ao seu redor, a floresta era um emaranhado de árvores destroçadas, cadáveres desmembrados, terra removida e massas amorfas de carne e ossos que escorriam, formando poças dentro das fendas e valas abertas no solo humoso. A névoa, um expediente comum à Floresta Silenciosa, estava carregada de uma suave tonalidade verde e ardia ao ser aspirada. Havia o ruivo, um homem atarracado e musculoso, cuja barba de poucos dias era como uma lixa grosseira. Segurava seu ameaçador martelo de guerra com tanta força que duvidava um dia ser capaz de largá-lo novamente. Sua esposa, a única mulher do grupo, tinha os longos cabelos, a armadura e as vestes cobertas de entranhas e terra. Suas manoplas haviam se partido horas atrás, assim como seus tendões e falanges. O calor da batalha e o medo, no entanto, não a permitiam sentir dor. Não ainda. O negro era um homem baixo, sorrateiro e careca. Suas vest
O Sol se punha depressa no horizonte, levando consigo a aura alaranjada que banhava as copas das coníferas mais altas da Floresta Silenciosa. O negrume e o frio que as primeiras estrelas traziam enquanto espreitavam timidamente sobre o céu cada vez mais escuro anunciava uma noite de nevoeiro denso, mas sem as chuvas geladas que costumavam despencar nas montanhas ao sul durante os invernos rigorosos – enchendo o céu com o poderoso espetáculo dos relâmpagos e trovões que podiam ser vistos a uma distância de dias de caminhada. Ainda era o final da floração, e um verão agradável se aproximava. Em Ataya, um verão agradável significava ter orvalho pendendo das folhas das árvores pela manhã,caça, pesca e coleta abundante em todo o vasto território florestal e uma nova leva de Adolescentes deixando a cidade em direção à Amihud, a capital do reino. Uma vez por ano, as Ordens dos Guerreiros Renascidos abriam a temporada de testes através da qual escolheriam os novos recr
Havia muito os olhos azuis da menina observavam a claridade irregular e avermelhada da lamparina a óleo se estender pelo telhado do quarto. A cidade ainda dormia, e mesmo as aves das redondezas ainda não haviam começado a cantar em uníssono, anunciando o dia que se iniciaria.Adameire, assim como algumas centenas de adolescentes reino afora, estava tendo problemas para dormir. No fundo ela sabia que seria assim, quando faltassem só seis dias para o início dos exames. Insônia. Angústia. Excitação. Mesmo que, para ela, fosse apenas a primeira tentativa.Estava se preparando da melhor maneira que podia para aquilo desde os nove anos. Treinos físicos excessivos. Estudos sobre cada uma das ordens. Conselhos e mais conselhos, dos pais, de amigos e familiares. A pressão, principalmente vinda da sua mãe. Passar na primeira tentativa era muito importante, porque Adameire sabia que apesar de
Abigail ofegava. Ao seu lado, Beni a olhava com a mesma descrença que o afligia sempre que ela voltava para buscá-lo, ainda que ao longo de todos esses anos sempre retornasse. – Eu não acredito que você voltou! – Beni sibilou, o peito arfando. – Cala a boca e fica abaixado! – Ela sibilou de volta. Os dois estavam escondidos em uma fenda da altura e largura aproximada à de um homem, com os ouvidos apurados, esperando o miliciano se aproximar. Essa era uma das muitas cavernas que compunham a passagem subterrânea entre as cidades de Migdala e Neemya: um complexo de túneis escuros e úmidos, ora iluminados pelas tochas posicionadas nas passagens principais, ora tendo como única fonte de claridade os fungos luminescentes que cresciam aos montes nas beiradas dos córregos subterrâneos e nas paredes que ocultavam lençóis freáticos. No passado, as cavernas serviam tanto à imponente Migdala quanto à paupérrima Neemya, que disputavam os espaços de coleta com algu
O tremeluzir suave da chama de uma única e grossa vela de cera era toda a luz que podia ser percebida dentro do quarto um tanto abarrotado de livros, papéis e anotações do jovem estudioso. O Sol já se pusera havia pelo menos cinco horas, e em uma região de hábitos madrugadores, era realmente muito incomum ter alguém a gastar velas àquela altura da noite.À mesa, um adolescente se debruçava sobre um complicado tratado acerca de rotas comerciais, divisões políticas e acidentes geográficos - outra excentricidade, uma vez que a capacidade ler documentos não era uma habilidade especialmente popular em Mashala, a cidade mais militarista do reino. A maioria dos adolescentes de Mashala tinha apenas uma ambição na vida: participar de uma das três forças militares existentes em Agnum. Tornar-se um Ordenado, um Soldado do Exército ou um Miliciano. Cada uma das três opções oferecia níveis de dificuldade, riscos e ganhos totalmente diferentes. Basicamente, um Ordenado era parte da eli
Além das planícies agrícolas a leste do centro político agnumiano, bem próximo aos limites das terras estrangeiras de Hamode, a grandiosa cidade de Yahudah era a coroa do extremo oriente. A segunda cidade mais populosa do reino era um grande festival de construções suntuosas e edifícios trabalhados nos mais variados formatos e estilos, hibridizados com o que costumava ser uma antiga metrópole de um povo esquecido. Os invernos eram tão secos que a exposição prolongada ao vento poderia ferir as narinas. No verão, o calor do Sol era tão intenso que a brisa mais suave se tornava uma baforada quente. Entretanto, longe de ser um lugar inóspito, Yahudah era uma cidade que explodia em vida, variedade e pessoas. Muitas pessoas. No passado, quando a grande cidade ainda se chamava Manancial, tribos de nômades vindos de ainda mais longe no leste eram responsáveis por todo tipo de crimes. Manancial era na verdade o que restara de uma cidade ainda mais antiga - pertencente a um reino dest
Muito além da cidade de Yahudah, fora dos limites de Agnum, o deserto a leste estendia-se como uma prisão sem muros capturando e matando viajantes despreparados. O sol escaldante, as dunas sempre em movimento, o vento cortante e os salteadores. Muitos salteadores.A pequena companhia montada em camelos havia encontrado até então cerca de dez dessas pequenas quadrilhas de criminosos. À primeira vista, o grupo parecia indefeso: três homens adultos e um rapaz atravessando aquela imensidão - os alvos perfeitos aos olhos de um saqueador.Adon não havia pensado nessa questão quando escolheu pagar aos seus guarda-costas por cabeças decepadas ao invés do pagamento habitual por tempo de serviço, em dias. Sabia que a viagem pelo deserto teria seus perigos, mas até então os seus contratados já haviam decapitado cerca de sessenta assaltantes – muito além do previsto
Fazia muito tempo desde que a noite havia caído sobre as copas das árvores na Floresta Silenciosa. A cidade de Ataya dormia, com apenas alguns patrulheiros circundando os muros, desejosos de uma bebida quente e do conforto de suas camas. A floresta recebera esse nome justamente por sua característica marcante: o completo silêncio que fazia em qualquer que fosse o horário do dia. Apesar das aparências, entretanto, a floresta não era desabitada – tinha abundância de animais dos mais variados tipos. Eles apenas eram muito mais soturnos que em outras áreas do reino. Havia quem dissesse que a floresta retinha uma aura de silêncio sobrenatural, oriunda dos dias em que as incursões dos primeiros Redentores exigiam silêncio absoluto para evitar combates desnecessários. O fato, entretanto, era que todos os habitantes de Ataya e das imediações acabavam desenvolvendo uma boa audição, tanto para poder caçar os animais da floresta, quanto para evitarem ser surpreendidos por predadores. Alguns, i