A temperatura, que caíra bruscamente nos arredores de Ataya, esquentara de tal forma enquanto a caravana atravessava a vasta região entre as montanhas da Cordilheira dos Profetas e a cidade de Zefanya que muitos dos adolescentes teriam viajado usando apenas a toga do uniforme, dispensando a roupa de baixo, não fossem as expressas proibições por parte dos guardas a essa ideia assim que os primeiros foram pegos e devidamente advertidos.
Àquela altura da viagem, aqueles oriundos de Yahudah, Zicar, Zefanya ou Meredina estavam refrescados, vestindo as roupas de tecido leve que traziam consigo a viagem toda. Iadah e Sarina emprestaram a Adameire, Abigail, Veridane e Deena seus esvoaçantes vestidos de seda e outros materiais levíssimos. Mordecai, por camaradagem, havia oferecido algumas de suas roupas aos companheiros mais próximos – mas com exceção de Uzias, que preferia não usar roupas alheias, pelas quais não poderia pagar se danificadas, os outros meninos eram todos menores, de
– Eu não acredito que você fez isso! – Abigail disse, com um sorriso bobo no rosto. – E ele, o que disse? – Eu não ouvi... – Veridane respondeu, parecendo um tomate de tão vermelha. – Saí correndo. Só olhei para trás na outra rua. – Bom, não deve ter sido ruim, caso contrário ele teria te empurrado pra longe, não acha? – Abigail perguntou. – Eu não sei se ele teve tempo de pensar em reagir... – Veridane continuou. – Eu fiz de supetão, nem eu esperava que... ai meu Deus, mas que vergonha! Não, eu não vou! – É claro que você vai. – Abigail a puxou pelo braço. As duas eram franzinas, mas comparada à Abigail, Veridane era ainda mais nanica. – Não vai poder fugir dele o resto da viagem, e quanto mais cedo você enfrentar a situação, melhor. As duas estavam na metade do caminho para o fórum, onde ocorreria o exame. Todos os concorrentes teriam permissão de assistir, desde que ficassem quietos e não atrapalhassem os examinados. Era uma manhã quente, e
Por alguns segundos, apenas o pasmo silêncio. Até aqueles que estavam já a meio caminho de sair haviam parado em algum lugar no meio das escadas. O magistrado chefe voltou, calmamente, ao seu lugar. Quando se sentou, os outros magistrados o acompanharam. Rapidamente, as outras pessoas nas arquibancadas do fórum também retornaram aos seus lugares. – O interventor compreende as implicações de sua solicitação? – O Magistrado falou, com a voz calma e certo cinismo no rosto. – Eu compreendo. – Uzias respondeu, tentando parecer firme. – O interventor terá até o anoitecer de hoje para efetivar sua solicitação. Deverá comparecer ao fórum portando sua documentação, ocasião em que formalizará seu pedido e receberá instruções adicionais. Por ocasião dessa nova intervenção, a ré será mantida na prisão desta cidade até que seu caso seja concluído. O som do martelo contra a madeira encerrou a manhã. – Me explique exatamente qual foi a
Os dias vinham se passando com alarmante rapidez desde que haviam deixado Zefanya. A maioria dos concorrentes desfrutava a viagem como um grande e demorado passeio, no qual podiam aproveitar longos períodos ociosos em que divagavam sobre o que fariam depois que chegassem em casa, triunfantes. Os únicos que ainda se prestavam a estudar eram aqueles que tentariam ser aprovados nos exames de Yahudah e Migdala. O exame de Yahudah era conhecido por ser uma espécie de prova de talentos. A natureza exata dos talentos requeridos, entretanto, não era muito clara, de forma que os quinze concorrentes que desejavam ser aprovados praticavam competências muito variadas, que iam de canto, recitação e dança até malabarismo com objetos pontudos, transformando os acampamentos noturnos em um tipo bizarro de circo cheio de iniciantes desajeitados. Outra tendência que começou a ganhar força foi o surgimento de pequenos namoricos, principalmente entre os mais velhos, que eram maioria desde o fim
Os dias se passaram em Yahudah com muita rapidez para a maioria dos concorrentes. A cidade, além de grande e populosa, reunia um número enorme de atrações e afazeres que mantinham ocupados todos que se aventuravam por suas ruas estreitas, suntuosas e lotadas de barracas. Aqueles que carregavam algumas moedas a mais consigo descobriram que o preço dos artigos, fossem quais fossem eles, era muito menor ali que nas outras cidades do reino, e além disso, circulavam nas feiras um número enorme de mercadorias estranhas – tipos diferentes de comida, de bebida, de joias, de objetos decorativos e mesmo objetos restritos ou proibidos no resto do reino, como livros de feitiços, venenos e armas, que podiam ser comprados a preços acessíveis à maioria dos adolescentes. O expediente daqueles que planejavam ingressar na Ordem dos Arautos, entretanto, foi marcado por treinamentos extenuantes nos quais desenvolviam algumas das habilidades exigidas pelo exame: dança, retórica, combate com arma
A viagem até Migdala, do outro lado do reino, protagonizou o período mais longo em que a caravana seguiu quase ininterruptamente na estrada. O caminho foi pontuado por três paradas, em Ariate, Noah e Tsinoe, ocasião em que os comboios paravam por duas horas para dar aos viajantes a chance de sair e esticar um pouco as pernas. Ariate e Noah eram, ao ver de quem se aventurou um pouco além dos armazéns de mantimentos, exatamente como Veridane as descrevera: áreas urbanas pequenas, ligeiramente maiores que Zefanya, rodeadas de enormes áreas rurais, onde se concentrava o grosso da população. Para além dos campos, a Travessia dos Exilados marcou uma abrupta mudança na paisagem. O frescor verde deu lugar à aridez selvagem e cinzenta. A cada novo dia de viagem a sensação de nostalgia se agravava nos concorrentes ao lembrarem-se de quantos eram quando passaram por ali pela primeira vez. Tal qual fariam veteranos de guerra, lembravam seus eliminados, colegas, parentes ou simpl
– Me passa o sabão, por favor. – Sarina pediu à Veridane, que fazia bolhas de ar com a boca, submersa até o nariz no tanque da casa de banho. – Vai precisar de umas três dessas barras para tirar toda a areia dos cabelos dessa menina. O que os ermitões pediram para você fazer, Abigail? Enterrar a cabeça na areia? – Não tive tempo de tomar banho regularmente esses dias. – Abigail respondeu, sentada, enquanto Sarina e Adameire a ajudavam a esfregar seu longo e volumoso cabelo por partes. – Eles começam a trabalhar muito cedo, e terminam muito tarde. A água de manhã e de noite é sempre muito fria, então eu só ficava o necessário no tanque. A casa de banho estava quase vazia naquele horário, como de costume. A maioria das monjas só chegaria uma ou duas horas mais tarde, quando acabassem seus afazeres, de forma que as meninas podiam aproveitar para se demorar e conversar à vontade. Estavam se preparando para jantar. Apesar de sua rotina não ter sido tão atarefada q
– Eu gostaria de dizer que tive imenso prazer em liderar meus homens em defesa de sua segurança e tranquilidade, futuros ordenados. A bravura de vocês em suportar provas tão difíceis inspirou-nos a redobrar nossos esforços para garantir que chegassem sãos aos seus destinos. Em nome de toda a companhia que os protegeu ao longo do caminho, eu os saúdo. Depois que Beniel terminou seu breve discurso, os membros restantes da guarda irromperam em aplausos. A Caravana havia chegado à Amihud por volta do meio dia e, exatamente como na época anterior ao início da viagem, a cidade estava cheia de gente transitando, comprando, vendendo e falando. Os adolescentes estavam todos amontoados em frente à sede da Ordem dos Juízes, recebendo honras dos soldados e ordenados que garantiram sua segurança durante o trajeto. – Vocês deverão se aprontar para o jantar e o baile. – Beniel os informou. – Nós carregaremos seus pertences e os guardaremos no arsenal, como quando estiveram
Ainda vivos. Ainda vivos? Adameire abriu os olhos estupefata, ao reparar no enorme buraco que o jorro de ácido vomitado pelo monstro havia aberto no muro, exatamente no lugar onde ela e Absalon tinham estado poucos segundos antes. Mais que rápido, ele a empurrou para fora, jogando-a sem muita delicadeza através da fenda. Ela caiu vários metros longe do muro, rolando pelo chão. – Traga ajuda! – Ele gritou. Adameire, habituada a obedecer sem questionar, não perguntou por que ele havia ficado. Absalon resistiu à tentação de sair daquele inferno pelo buraco por duas razões. A primeira: se ele e Adameire saíssem juntos, a criatura os seguiria e os alcançaria facilmente, tornando inútil a tentativa de chamar ajuda. A segunda: porque enquanto ele ficasse ali distraindo o monstro, o caos se limitaria àquele pátio, e as pessoas inocentes das ruas ao redor seriam poupadas.Diferente da primeira vez em que havia lutado contra a criatura, Absalon não alimentav