Hassan se recupera rápido e sorri para ela com os dentes muito brancos, contrastando com o rosto moreno.
— Por que surpresa? — Hassan volta seu olhar para mim, agora indecifrável.
Raissa sorri para mim e olha para seu irmão.
— Porque eu falei a semana inteira de você para Karina.
Hassan me encara com um sorriso irônico, como se alguma coisa tivesse iluminado sua mente.
— Aposto que falou mal de mim.
Raissa ri do comentário do irmão.
— Só falei a verdade.
Hassan gargalha, uma risada muito agradável, e me olha com intensidade, provocador:
— Allah! Já estou ardendo no mármore do inferno, então.
Raissa ri e o abraça.
Deus! Esse homem mexe comigo: o sotaque carregado é extremamente sedutor. O mover das mãos morenas, olhar de um felino, o caminhar de uma pantera…
E olha que eu detesto cafajestes, senti na pele isso com Heitor. Eu me odeio por ele mexer tanto comigo, até sua risada é música para os meus ouvidos.
— Habibi, seus convidados estão perguntando por você.
Hassan parece relutante em sair dali.
— Está certo. Até breve, Karina.
Deus! O que ele quis dizer com “até breve”? Raissa o vê se afastar e pega meu braço.
— Vem, vamos comer alguma coisa. Você não comeu nada.
Eu sorrio para ela, mas está difícil manter minha calma sabendo que Hassan estaria por perto.
Acompanho Raissa até a mesa de salgados. Ela aponta cada um e me explica do que é feito:
— Temos Foul, que é uma pasta de feijão incrementada com alho, tomate e limão que você pode pôr nesse pão. Falafel, o bolinho de favas e vegetais fritos, com bastante cominho e pimenta-do-reino. Servido também em forma de sanduíche. Fetir Meshaltet, que é uma torta de massa folhada recheada de carne e queijo. Kebab, que é esse espeto de carne temperado. Marshi, que é folha de repolho recheado com arroz e carne moída. Tudo cozido com bastante molho de tomate e condimentos.
— Eu não estou com muita fome, vou de torta.
Raissa pegou um pedaço para mim. Tentei me distrair vendo as dançarinas de dança do ventre dançar, mas a vontade que eu tenho é ir embora, me acalmar, pois sinto como se eu tivesse entrado em parafuso, todos os terminais nervosos do meu corpo estão em alerta.
Busco com o olhar Hassan, o homem que em um instante se tornou o centro da festa e agora não sai dos meus pensamentos. Estou totalmente abalada por ele.
Ao vê-lo, meu coração bate agitado. Ele está em uma roda de homens, conversando. Imperioso, majestoso. Deus!
Desvio os olhos dele. Agora eu sei que o que senti com meus namoricos não é nada comparado com o incontrolável desejo que senti por ele. Ele anulou totalmente a existência de outro homem, e nada me preparou para isso. É como se eu tivesse a certeza de que os homens que conhecerei após ele serão apenas um rascunho da beleza e carisma de Hassan.
Começo a me lamentar por ter ido à festa. Se eu pudesse, não teria conhecido Hassan.
Quando encaro Raissa, ela me olha, e depois na direção em que eu estava olhando e vê Hassan.
— Ah, não, não, não… — ela diz, entendendo tudo, me fazendo corar. — Esqueça meu irmão. Não se envolva com ele, pois senão sairá machucada.
Suspiro.
— E eu não sei? Pode ficar sossegada, não cometerei essa loucura.
Ela assente para mim com um sorriso.
— Assim é que se fala!
O resto da noite foi uma tortura. Fiz o possível para parecer normal. O tempo todo consciente de Hassan. Eu estou tão tensa, que minha cabeça começa a doer.
— Raissa, eu já vou. Estou morrendo de dor de cabeça.
Raissa me olha desapontada.
— Que pena! Tão rápido. Você quase não aproveitou a festa. Vem, eu te conduzo até a porta.
Eu lhe dou um sorriso, um fraco sorriso. Fora da mansão, ela me pergunta, me olhando desconfiada:
— Hassan te incomodou?
— Você o conhece melhor do que eu. Ele ficou incomodado que o deixei plantado no meio do salão quando acabou a dança.
Raissa ri.
— Do jeito que conheço meu irmão, não deve ter gostado mesmo. Um aviso: tome cuidado com ele — e, falando em tom de confidência, explica: — Por que você acha que mamãe programou essa festa? Ela não se conforma de ver Hassan solteiro. Um homem na idade dele precisa ter uma família. Ela tem esperanças de que Hassan se interesse por alguma garota e se case e tenha um varão para perpetuar nossa linhagem. Mas, pelo jeito, ela vai esperar sentada.
Eu dou de ombros.
— É a natureza dele, ela não deveria impor. É melhor ele ser solteiro do que ser um marido infiel.
— Mas aí é que está. Papai e mamãe se casaram com separação de bens. Quando ele estava doente, ele fez um testamento, que minha mãe só receberá parte dela da herança caso Hassan se case e gere um filho para levar o nome da família. Meu pai nunca se conformou de Hassan não contrair matrimônio.
— Deus! Que absurdo! Mas tem você para gerar filhos.
— A criança não levaria meu sobrenome. O sobrenome quem dá é o homem. Para um egípcio, a continuação da geração é muito importante, pois levará nosso nome e nosso sangue e a perpetuação da nossa raça não se perderia.
Eu estou me envolvendo demais nisso tudo, então eu a corto.
— Raissa. Eu estou indo agora. Aqui fora está frio. Entre e aproveite a festa.
Raissa me olha tristemente, como se não tivesse me ouvido, e diz:
— Meu irmão é um mistério. Às vezes ele passa a impressão de que tem raiva das mulheres.
Eu esfrego meus braços nus, com frio. Raissa parece perceber e indaga:
— Amanhã você vem aqui, não vem?
Todo domingo vou até a casa dela, mas agora quero evitar Hassan.
— Eu sempre vou aí. Por que você não vai à minha casa?
Ela suspira.
— Eu até iria, mas amanhã é domingo e Hassan ficará em casa. E ele acabou de chegar. A semana é agitada, ele vai trabalhar e eu vou à faculdade, só temos amanhã para conversarmos.
Eu dou um sorriso e digo:
— Então aproveita o dia para passar com seu irmão.
— Eu não posso monopolizá-lo o dia inteiro. Karina, venha só um pouco aqui.
Deus! Ela não entende que fui nocauteada pelo irmão dela? O que eu menos quero é encontrá-lo novamente.
— Eu vou ver, qualquer coisa te ligo. Ah, tive uma ideia! Por que eu não passo aqui para sairmos? Vamos tomar café à tarde juntas! Tem uma ótima delicatéssen no centro.
Raissa sorri.
— Você está querendo me engordar? Você não sabe o que eu já sofro em casa evitando os doces que a cozinheira faz. Tenho inveja do meu irmão, que come o que quiser e não engorda um grama — então, negando com a cabeça, diz: — Não, eu prefiro que você venha em casa.
Eu suspiro resignada.
— Se der, eu venho.
— Eu sei por que está indecisa. Mas meu irmão irá morar aqui. E quanto mais você encarar isso naturalmente, melhor para você. Se você o evitar, é pior.
Só de pensar nisso, meu coração se agita.
— Está certo, amanhã te ligo.
KarinaNo dia seguinte, eu acordo tarde. Dez horas. Não levanto com pressa. Depois de me trocar, caminho tranquilamente até a sala. Meu pai está lendo um jornal, enquanto mamãe arruma as flores em um vaso, que fica no canto da sala, em cima de um lindo aparador.Audrey é uma mulher de 50 anos e usa os cabelos grisalhos naturais. O branco misturado ao preto deixa-o com uma cor acinzentada. Seus olhos verdes, iguais aos meus, me focalizam e elaabre um sorriso.— Bom dia — digo a todos.— Bom dia — eles falam quase em coro.Papai deixa o jornal de lado e me encara com curiosidade.— Como foi a festa?Eu disfarço meu nervosismo com essa simples pergunta e respondo sem colocar emoção na voz.— Foi legal.Jonas sorri.— Legal? Já vi que você não gostou. Esse “l
Hassan Preso em pensamentos negativos e aborrecimentos, saio de casa. Estaciono a Ferrari em frente ao Victória Park. Nunca tinha vindo a esta parte da cidade. Mal sabia que existia. O céu está azul, crianças empinam pipas, enquanto suas famílias fazem piquenique. O dia está com uma temperatura agradável, mas nem mesmo a quietude do lugar tira a minha irritação. Meus olhos se voltam para o painel do carro. Onze horas da manhã. Allah! Prometi a mim mesmo que eu iria ignorá-la, que eu não ia me indispor com ela. Tudo por causa de Raissa. Mas não tem jeito, não consigo engolir aquela mulher dissimulada, falsa, adúltera. E ela sabe disso e faz de propósito, torna a minha vida um inferno insuportável para que eu finalmente ceda, procure uma esposa e, contraindo casamento, eu dê logo a parte dela da herança. Se ela não tivesse tido Raissa, ela sairia com uma mão na frente e outra atrás quando meu pai morreu.
KarinaChego à mansão às duas horas da tarde. Os seguranças, logo que avistam meu carro, já abrem os portões para eu passar. Meu coração está agitado, desde o momento em que resolvi que eu viria à casa de Raissa me sinto perturbada.Sempre que eu vou à casa dela vou entrando, já tínhamos combinado assim. Então abro a porta da mansão e entro no hall espaçoso, sigo até a sala e dou de cara com Hassan sentado no sofá, inclinado, os cotovelos apoiados nas pernas, segurando sua cabeça.Fico ali sem ação ao vê-lo, sem saber se me esquivo e dou a volta passando por suas costas e vou direto para o quarto de Raissa ou chamo sua atenção o cumprimentando.Como se pressentisse minha presença, ele se ergue. Quando me vê, muda imediatamente sua postura. Seus olh
— E Raissa? — ele indaga, e espera minha resposta com o rosto sério.— Ficou bem depois que soube que você não sairá mais do país. Por que você não sobe e fala com ela?Ele assente.— Já vai? — me questiona.— Sim, amanhã preciso levantar cedo.Hassan ergue as sobrancelhas interessado, e eu me repreendo por ter dado brecha para um diálogo:— Você trabalha?Eu solto o ar.— Sim. Me formei em Design de Moda, desenho roupas para uma loja de grife.Seus olhos passam pelo meu corpo, e eu sinto como se um rastro de fogo percorresse por onde quer que ele se deteve. Arfei, pois já não conseguia respirar direito. Ele pareceu notar, pois reagiu com aquela aura selvagem que notei nele.— Esse vestido é uma arte sua?Eu assenti.— Eu não gosto dele &mda
KarinaNo dia seguinte, chego ao meu trabalho um pouco mais cedo, embora não tenha dormido muito bem. Temo que Hassan não saia mais da minha mente. Então tomo a resolução de me dedicar naquilo que eu mais sei fazer: ser criativa. Pretendo tirar Hassan definitivamente dos meus pensamentos.Entro na loja, que ainda está vazia, e me dirijo aos fundos dela. Passo pelas costureiras e entro no meu ateliê. Sento-me em frente à minha prancheta. Observo o vestido que desenhei. Agora preciso definir o tecido e a cor. Pego várias amostras de tecido e estendo sobre o papel, tentando imaginar como ele ficaria com eles.Aos poucos o vestido vai tomando forma na minha cabeça. Coloco tudo no papel e vou até a sala de costuras para pedir sua produção e explicar como o imaginei.Conversando com elas, decidimos fazê-lo em três tamanhos. P, M e G e poucos n&
Em um piscar de olhos, é sexta-feira, fim de tarde…Hassan enviou o convite na minha casa na quinta-feira. Graças a Deus fui eu que peguei na caixinha de correio e ninguém viu. Eu não vou a essa festa mesmo, e o que menos quero é falar sobre isso com meus pais. Engraçado que na terça-feira, quando conversei com Raissa, ela me falou várias coisas, mas nem por um momento ela tocou no assunto “festa”, e eu não comentei nada também.Vitor também sumiu, nem mensagem ele me mandou. Minha atitude o espantou. Não acho ruim isso. Ele precisava dessa sacudida para seguir sua vida e parar de alimentar esse sentimento platônico por mim. Mesmo porque eu não consigo sair com um homem por sair. Para mim, estar com um homem é estar ligada por um sentimento irresistível, como uma droga potente. Mas, acima de tudo, essa relação precisa me fazer
HassanFico em transe ouvindo o que ela me diz. O entendimento da situação me atinge como um trem de carga.Que merda é essa?Meu sangue ferve e eu sinto como se a raiva tivesse sido injetada em minhas veias. Não.Não. Não pode ser verdade. Ela está brincando comigo. Sim, é isso. Só pode ser. Hoje ela deu para me contrariar, para me ver nervoso. Relanceio o olhar para ela, aparentando calma, mas a vontade que me dá é de jogar o carro para o meio-fio e mostrar a ela quem manda aqui. Eu a encaro, e sorrio sem acreditar em suas palavras.— Sério? Você só pode estar brincando comigo. Com 25 anos você nunca saiu com ninguém? Ela me encara ofegante, a testa franzida.— Por que o espanto? Sim, sou virgem.O choque só se intensifica.Então é verdade?— Ghabi! Ghabi! —
Flashes de fotógrafos caem sobre nós na calçada enquanto andamos até a entrada do hotel. É de praxe sempre que fazemos uma festa nessa magnitude termos que passar por um detector de metais antes de adentrarmos ao hotel. Passamos por ele sem problemas. Ao nosso lado direito, oriento Karina a deixar seu casaco na chapelaria, embora o vestido dela me incomode. Ele é muito chamativo. Avançamos então para o interior do hotel. Um amigo meu, da minha terra e que é organizador de eventos, está conversando com um dos seguranças que contratamos para fazer a ronda nesse dia, todo cuidado é pouco. Quando ele me avista, vem em minha direção. Seus olhos fixam-se por um momento em Karina, então ele me olha e sorri. Quando perto, me dá um abraço apertado. — O Papa-anjo ataca novamente — ele fala em árabe quando nossos rostos se tocam. Nos afastamos. — Deus! Você sabe que eu detesto esse apelido, e não é bem assim. Não desvirtu