Hassan
Fico em transe ouvindo o que ela me diz. O entendimento da situação me atinge como um trem de carga.
Que merda é essa?Meu sangue ferve e eu sinto como se a raiva tivesse sido injetada em minhas veias.Não.Não.Não pode ser verdade. Ela está brincando comigo. Sim, é isso. Só pode ser. Hoje ela deu para me contrariar, para me ver nervoso.Relanceio o olhar para ela, aparentando calma, mas a vontade que me dá é de jogar o carro para o meio-fio e mostrar a ela quem manda aqui. Eu a encaro, e sorrio sem acreditar em suas palavras.— Sério? Você só pode estar brincando comigo. Com 25 anos você nunca saiu com ninguém?Ela me encara ofegante, a testa franzida.— Por que o espanto? Sim, sou virgem.O choque só se intensifica.Então é verdade?— Ghabi! Ghabi! —Flashes de fotógrafos caem sobre nós na calçada enquanto andamos até a entrada do hotel. É de praxe sempre que fazemos uma festa nessa magnitude termos que passar por um detector de metais antes de adentrarmos ao hotel. Passamos por ele sem problemas. Ao nosso lado direito, oriento Karina a deixar seu casaco na chapelaria, embora o vestido dela me incomode. Ele é muito chamativo. Avançamos então para o interior do hotel. Um amigo meu, da minha terra e que é organizador de eventos, está conversando com um dos seguranças que contratamos para fazer a ronda nesse dia, todo cuidado é pouco. Quando ele me avista, vem em minha direção. Seus olhos fixam-se por um momento em Karina, então ele me olha e sorri. Quando perto, me dá um abraço apertado. — O Papa-anjo ataca novamente — ele fala em árabe quando nossos rostos se tocam. Nos afastamos. — Deus! Você sabe que eu detesto esse apelido, e não é bem assim. Não desvirtu
— E então, vai me dar uma chance?O quê?Quando eu contei para ele que era virgem, não é porque defendo essa causa, mas para ele entender que não sou avulsa. Eu fico em silêncio.Logo vejo vários casais dançando ao nosso lado, incentivados por nossa dança. Mas eu não consigo me distrair com nada. O corpo forte e rijo de Hassan junto ao meu me tira a paz, me perturba. Ele tem o poder de minar minhas forças. Hassan segura o meu queixo e me faz olhar para os olhos dele.— O que foi? Perdeu a capacidade de falar? — ele pergunta, enquanto examina meu rosto.— Não há nada para dizer — digo, e o rosto dele perde a expressão irônica, ficando duro e frio. Eu baixo meu rosto, sentindo a força do corpo musculoso, desejando intimamente que a música chegue ao seu final.— Se arrependeu de ter saído
Olho para Hassan, procurando nele alguma força ou consolo, mas seus olhos estão fazendo a varredura do local e ele nem olha para mim. Isso me preocupa e me deixa mais agitada.Hassan finalmente me olha, ofegante.— É agora — ele diz baixinho.— Deus! É agora o quê? — eu questiono, baixo.Ele me levanta e me empurra para frente, tudo muito rápido.— Aonde você está me levando? — pergunto, tremendo.Logo estou perto de uma parede, então reparo na maçaneta e na chave pendurada. Hassanabre a porta camuflada, ela é da mesma cor do papel de parede dourado.— Porra! Eles estão fugindo! — um deles grita para o outro.Hassan me empurra para dentro quando abre uma porta grossa e com agilidade tenta fechá-la.Apavorada, vejo um relance dos bandidos muito perto. Ouço tiros, almejando a
Hassan bufa exasperado, movendo-se. Ele se senta e leva a mão ao ombro ao sentir dor. Já sentado, ele me encara, está pálido. Seu cabelo negro está deliciosamente bagunçado, e, quando ele me fita com esse olhar quente, tudo se agita dentro de mim.— Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida.O silêncio enche o espaço entre nós por alguns minutos.— Hassan, somos tão diferentes.Ele está olhando fixamente para mim, me estudando com uma espécie de profundidade a que eu nunca tinha sido sujeita.— Somos, não nego. Mas quem disse que não pode dar certo?Minha respiração se agita.— Você precisa melhorar muito seu jeito.Hassan ri e leva a mão ao ombro quando sente dor novamente, e diz:— Que jeito?— De querer me mudar, ditar o que eu visto.
HassanEu não disse nada da minha vida e nem expliquei por que sempre me mantive distante de relacionamentos. E nem o porquê eu nunca levei muito a sério as mulheres que não fossem da minha cultura. Simplesmente porque não gosto de revisitar meu passado. Dizer que caí em depressão profunda e fiquei trancado em uma sala escura vivendo de poeira e água da chuva.Trágico, não?Pois é!Puxo Karina em um abraço e a beijo como se nunca maisfosse soltá-la.O importante dessa relação é ela saber que eu a levarei a sério. Que ela não será esquecida, pois ela já tem um lugar na minha alma como uma estrelatem seu lugar no céu.Nos afastamos, e eu passo os olhos pelo seu rosto.Minha linda Karina, ela é uma flor no meu deserto, linda e delicada, e tem a capacidade de
Logo que chego em casa, ligo para Raissa. O telefone toca, toca e ninguém atende. Até que, por fim, a empregada fala comigo e diz que ela saiu de casa com Helena, que foram para o hospital São Gabriel.Eu agradeço.Vitor, que está no sofá, me observando, se levanta quando eu desligo o telefone pensativa. Fito o relógio da sala.Quatro horas da manhã.Agora é dormir um pouco e acordar cedo, ligarei então para Raissa e verificarei se ele ainda está no hospital.Hospital ou em casa, não importa, amanhã irei visitá-lo!— E agora? Vai se sentar e conversar comigo e me contar como tudo aconteceu?Eu pisco e olho para ele.— Não, eu estou cansada, Vitor.— Tudo bem, amanhã você me conta tudo. Saiba que eu fiquei muito preocupado. Ficamos horas ali em pé esperando que tudo s
HassanEmbora eu esteja meio sonolento com a injeção que me aplicaram para baixar a febre e a dor, meu humor está azedo depois da cena que vi quando eles empurravam minha maca até a ambulância.Quem é aquele ibn iš-šarmuuta — “F.d.P” — que beijou Karina com tanto ardor?Isso me cheira mal, muito mal.Se não fosse o enfermeiro ter me segurado na maca e ter me aplicado um calmante, eu teria tirado aquilo a limpo. Eu prendo o ar em meus pulmões, me sentindo sufocado de forma esmagadora. Minhas emoções estão bagunçadas e sem controle algum.Sinto como se eu tivesse levado uma rasteira, meus sentimentos estão feridos. Eu deveria estar acostumado com as intempéries da vida. Mas a raiva e a dor que estou sentindo me fazem entender que eu nunca me acostumarei com isso.
KarinaUm gemido profundo e súbito me vem aos lábios quando percebo que acordei muito tarde, muito tarde mesmo. Sei, pela luminosidade do quarto, pelo posicionamento do sol. Viro na cama e procuro com os olhos o rádio relógio.Deus! Duas horas?É isso mesmo?Respiro como se estivesse em uma maratona.Minha mãe sabia que eu queria me levantar cedo!Preciso ver Hassan, ou pelo menos ligar para Raissa para saber dele.Eu me levanto apressada.Será que ele ainda está no hospital? Ou já está em casa?Afastando as cobertas, em um pulo saio da cama. Vou para o banheiro e tomo um banho rápido, coloco um roupão e abro meu guarda-roupa. Pego uma calça jeans escura e coloco uma blusa branca de mangas curtas. Então, pego uma jaqueta preta e botas d