Logo estou em uma roda de cinco jovens mais ou menos da nossa idade. A música árabe agora está mais gostosa, amena. As pessoas podem conversar normalmente sem precisar falar alto para serem ouvidas.
— Meninas, quero apresentar a vocês uma grande amiga. Karina. — Karina, essa é Alicia, Raquel, Bianca e Lorena.
— Oi — digo para elas.
Todas me cumprimentam. Umas com um aceno de cabeça, outras com um sorriso, mas percebo que há uma agitação entre elas. Estão avoadas, rindo de alguma coisa.
— Nos desculpe, Karina, mas vamos dar uma circulada — Lorena, a mais alta de todas, comunica.
Então, rindo, se afastam de nós. Eu achei uma baita indelicadeza da parte delas, não comigo, mas com Raissa.
Encaro Raissa.
— São todas suas primas?
— Sim, todas.
— Vocês não são muito próximas, são?
— Você reparou, né?
— Sim.
— É que a minha vida é muito diferente da delas. Elas vivem em baladas, e eu não fui criada assim.
— Isso que eu acho estranho. Sua mãe não parece ligada aos costumes.
— Minha mãe não, mas meu irmão é. E ela o teme.
Cada vez compreendo menos essa história. Busco o grupinho com o olhar. Elas estão rindo e olhando toda hora para uma parte do salão.
— Elas parecem bem agitadas — comento, ainda com o olhar voltado para elas.
— Ah, você reparou? Estão assim por causa do meu irmão. Estão ansiosas para vê-lo.
Eu pisco aturdida. Mas elas não são primas? Que tanto fogo é esse?
— Vem, vamos comer e beber alguma coisa.
Raissa me pega pelo braço e abre caminho entre os convidados. Vamos até uma mesa de bebidas com as mais variadas jarras. Todas enfeitadas com uma fruta, facilitando a escolha, pois assim dá para saber o sabor de cada uma delas. Ao lado, vejo uma taça gigante de ponche que parece vinho com abacaxi.
— Que tal tomarmos alguma coisa antes?
— Eu não quero nada forte.
Raissa ri.
— Nós não consumimos bebida alcoólica.
Eu coro de vergonha.
— Desculpe-me, esqueci desse detalhe.
— O que quer beber? Temos suco de abacaxi, de coco com abacaxi, maçã, ponche de uva com abacaxi.
— Suco de abacaxi com coco.
Quando experimento o suco, meus olhos brilham.
— Deus! Isso é muito bom.
Ela beberica o suco dela com o mesmo sabor do meu.
— Que bom que gostou — ela diz com um sorriso. — Estou tão feliz que esteja aqui.
— Eu também.
— Meu irmão daqui a pouco dará seu show à parte.
— Como assim?
— O homem egípcio adora se exibir. Ele dançará para nós uma música típica da nossa terra. No meio da dança, ele vai tirar uma convidada para ser cortejada com sua dança.
Ah, está explicado por que a agitação das garotas. Ele deve ser a luxúria em pessoa. Eu dou uma risada nervosa, imaginando a cena. Nunca vi tal coisa, será interessante observá-lo dançar. Ainda estou refletindo sobre isso quando a atmosfera da festa muda completamente. A conversa paralela se encerra. Tudo fica em silêncio e todos aplaudem alguém. E eu me senti quente por dentro. Agitada, com aquele sentimento de ansiedade…
—Vem, meu irmão chegou.
Eu deposito o copo vazio em uma mesa ao lado e me deixo ser conduzida por Raissa. Imediatamente avisto no centro da festa um homem. Ele é alto, muito alto. Os cabelos negros são grossos e brilhantes, as laterais grisalhas, as costas vigorosas. As linhas do rosto bem definidas, o que lhe dá um aspecto viril.
Vestido com uma roupa negra que parece um camisolão e um colar de ouro no peito. Ele foi se inclinando agradecendo as palmas de todos que vieram para recebê-lo demonstrando tanto entusiasmo. Eu não entendo nada disso, o porquê dessa sua popularidade toda.
Resolvo perguntar para ela, me inclino em direção ao seu ouvido:
— Por que as pessoas o recebem com tanta alegria? Quem são essas pessoas?
Ela desvia os olhos de Hassan e olha para mim.
— Meu irmão é um grande homem de negócios. Emprega muita gente. Aqui estão funcionários, as famílias de funcionários e clientes antigos que se hospedam no hotel sempre que eles visitam Londres. Todos vieram especialmente para dar as boas-vindas para meu irmão.
— Ah, entendi…
Fitei Hassan novamente. Nessa mesma hora, ele se vira em minha direção. Os lindos olhos negros se chocam com os meus grandes olhos verdes. E foi aí que algo aconteceu…
Deus! Ofeguei. Meu coração dispara imediatamente no peito e eu sinto como se um raio atingisse minha cabeça, meu corpo inteiro se aquece ante seus olhos, que de casuais se tornam quentes como o inferno. Eu consigo sentir a energia vibrando entre nós. Foi muito claro os olhos do todo-poderoso Hassan Hajid relampejarem quando se encontraram com os meus, vi também como o sorriso dele morreu quando ele olhou para mim. No entanto, agora, como se ele se recuperasse do inexplicável, ele volta a sorrir novamente e seus olhos se desviam da minha figura.
Hassan
Depois do banho de imersão, me sinto relaxado. Voltei para casa por Raissa. Mesmo assim, ainda me pergunto se isso foi uma boa ideia.
Visto um Kandoora preto, afastando os pensamentos que me afligem, e coloco meu colar de ouro.
Hora de fazer a mulherada gritar! Quantas vezes repeti essa mesma frase nas minhas voltas para casa?
Tornou-se até um ritual. Sempre me apresentei para os convidados. Hoje me sinto tão mudado, amadurecido, que isso se tornou uma ação fútil e, digamos, até desestimulante, mas elas aguardam com ansiedade isso, e eu não irei decepcioná-las.
Muitas razões me levaram a insistir na minha vida solitária. Mas ultimamente isso tem sido um peso para mim.
Minha madrasta, aquela víbora, é louca para que eu me case por causa da cláusula que está no testamento, em que ela só receberá a parte dela na herança caso eu contraia casamento.
Isso foi um dos motivos que me fizeram fugir de relacionamentos sérios.
Só para essa bruxa não levar nada do meu pai.
Vai morrer dependente de mim!
Cobra peçonhenta!
Eu adoro quando ela tem que pedir o aumento de sua mesada. É bom tê-la nas minhas mãos.
Saio do quarto e desço as escadas, sigo por um corredor que dá do outro lado do salão. Em frente à porta, respiro fundo e ensaio um sorriso no rosto antes de abri-la.
Imediatamente todos param de falar e logo sou recebido por uma salva de palmas. Amigos queridos, meu staff, funcionários, alguns clientes estão aqui. E, é claro, muitas mulheres solteiras que minha madrasta infiltra nas festas na tentativa de me fazer casar com elas. Caminho em direção ao meio do salão agradecendo a todos pelo carinho e por terem vindo com um gesto de cabeça. Logo um círculo é formado ao meu redor. Todos esperam que eu dance.
Passo os olhos por todos em agradecimento me inclinando, vejo minha amada irmã e uma moça linda ao lado dela que agora fala em seu ouvido. Meu coração se agita estranhamente no peito, quando ela se vira e nossos olhos se encontram…
Allah! Meu coração dá um salto mortal em meu peito quando meus olhos se demoram mais nela, tão atraídos, que eu me sinto preso por um ímã poderoso.
Allah! Ela é… linda. Os olhos são os mais lindos que eu já vi…
O rosto angelical. O contorno de sua sobrancelha perfeito, pestanas compridas e cerradas sombreando o seu rosto encantador.
Sua pele é tão clarinha como leite de cabra, seu rosto corado, sua boca fascinante. Ela é tão incrivelmente encantadora, que eu fico sem ação, e eu, que estava sorrindo, me vi ali, em pé, estacado como um poste.
Com medo de minhas emoções serem lidas, eu volto a sorrir e com uma dificuldade enorme desvio meus olhos daquela figura encantadora.
Allah! É a primeira vez na vida que tal coisa me acontece e não é nada semelhante às minhas paixões ao longo da minha vida, ou em qualquer outra coisa que eu tenha vivido. A impressão que fica quando eu a vejo é que, enquanto eu viver, o rosto dela ficará na minha cabeça, e isso me perseguirá pelo resto da minha vida.
Sinto como se tudo que vivi com as mulheres fosse insignificante se comparado a essa sensação que eu senti ao vê-la.
Allah! Eu preciso saber quem ela é! Pelo visto, é amiga de Raissa, e isso facilita muito as coisas.
Karina
Arfando, sentindo meu coração disparado, me pergunto o que aconteceu. A música egípcia entra e Hassan começa a dançar, e eu começo a sentir calor, muito calor. Ah! Seu sorriso é de tirar o fôlego. A maneira como seus cabelos brilham com a cor das velas me faz suspirar.
Ele dança de um jeito tão envolvente, tão sensualmente, que sem perceber o bebo com o olhar, sem perder nenhum de seus movimentos. Escuto a batida da música ritmada enquanto ele abre os braços e bate o calcanhar no chão conforme o ritmo da música.
Raissa se inclina e fala perto do meu ouvido:
— Agora ele escolherá alguma moça para dançar. Observe.
Os tambores ressoam enquanto Hassan vai virando lentamente o corpo, olhando para cada uma. Elas estendem os braços em sua direção para serem escolhidas. Todas embevecidas por sua figura sedutora, oferecendo-se para serem cortejadas por ele e acompanhá-lo na dança.
Mas ele continua virando o corpo sem parar, até que fixa seus olhos nos meus e para. Deus! Estou tão perturbada, que só consigo ficar estacada olhando para ele, hipnotizada pelo seu olhar; esquecida de mim mesma, apenas assimilando as linhas fortes e másculas do seu rosto, os grandes olhos negros, a boca sensual e bem-feita. Quando seus olhos se tornam larva líquida, fico vermelha, ele sorri ao perceber a minha reação. Sem perder contato visual, ele vem na minha direção e me puxa para ele. Prendo a respiração com seu toque.
— Dance comigo — ele diz, em um tom autoritário e com um sotaque carregado. Lindoooo…
Hassan
Outra vez senti aquela magia quando encontrei os olhos dela, aquela invasão de meu corpo por algo muito mais do que desejo, mas uma possessividade louca. Quero possuí-la selvagemente, como se disso dependesse minha vida. Nada pode me impedir de ter essa garota.
Meu lado irracional quer reclamá-la e trancá-la em um palácio, onde somente eu poderei olhá-la. Compreendo agora o ciúme do homem árabe. Estou disposto a matar qualquer pessoa que deseje ou queira tocar essa garota, ou mesmo queira arrebatá-la de mim.
Reparo novamente nas suas roupas. São curtas, justas e tem muito do corpo dela sendo revelado. Elas não me agradam nem um pouco, mas não vou pedi-la em casamento.
Decidido, sem tirar meus olhos dos dela, vou em direção a essa linda garota e a puxo para dançar.
KarinaNão me espantei quando Hassan me tirou. Mesmo assim, sinto uma onda de calor esquentar meu pescoço e meu rosto. Os olhos negros me observam como se estivessem fascinados, iguais aos meus para ele. Tento encontrar no meu cérebro bagunçado uma desculpa para não dançar, mas quando ele pega a minha mão ela morre em meus lábios e eu estremeço. A mão quente dele me deixa perturbada. Ele, então, eleva meu braço, segurando forte minha mão, como se nunca mais fosse soltar, e me conduz para o meio do salão.Deus! Eu nem sabia que eu era capaz de sentir tamanha atração por um homem. Como se eu estivesse à flor da pele, movida por instintos animais.Não consigo evitar o arrepio que corre todo o meu corpo quando ele olha para mim novamente, com um lindo e iluminado sorriso nos lábios. Os dentes brancos, gra
Hassan se recupera rápido e sorri para ela com os dentes muito brancos, contrastando com o rosto moreno.— Por que surpresa? — Hassan volta seu olhar para mim, agora indecifrável.Raissa sorri para mim e olha para seu irmão.— Porque eu falei a semana inteira de você para Karina.Hassan me encara com um sorriso irônico, como se alguma coisa tivesse iluminado sua mente.— Aposto que falou mal de mim.Raissa ri do comentário do irmão.— Só falei a verdade.Hassan gargalha, uma risada muito agradável, e me olha com intensidade, provocador:— Allah! Já estou ardendo no mármore do inferno, então.Raissa ri e o abraça.Deus! Esse homem mexe comigo: o sotaque carregado é extremamente sedutor. O mover das mãos morenas, olhar de um felino, o caminhar de uma pantera…
KarinaNo dia seguinte, eu acordo tarde. Dez horas. Não levanto com pressa. Depois de me trocar, caminho tranquilamente até a sala. Meu pai está lendo um jornal, enquanto mamãe arruma as flores em um vaso, que fica no canto da sala, em cima de um lindo aparador.Audrey é uma mulher de 50 anos e usa os cabelos grisalhos naturais. O branco misturado ao preto deixa-o com uma cor acinzentada. Seus olhos verdes, iguais aos meus, me focalizam e elaabre um sorriso.— Bom dia — digo a todos.— Bom dia — eles falam quase em coro.Papai deixa o jornal de lado e me encara com curiosidade.— Como foi a festa?Eu disfarço meu nervosismo com essa simples pergunta e respondo sem colocar emoção na voz.— Foi legal.Jonas sorri.— Legal? Já vi que você não gostou. Esse “l
Hassan Preso em pensamentos negativos e aborrecimentos, saio de casa. Estaciono a Ferrari em frente ao Victória Park. Nunca tinha vindo a esta parte da cidade. Mal sabia que existia. O céu está azul, crianças empinam pipas, enquanto suas famílias fazem piquenique. O dia está com uma temperatura agradável, mas nem mesmo a quietude do lugar tira a minha irritação. Meus olhos se voltam para o painel do carro. Onze horas da manhã. Allah! Prometi a mim mesmo que eu iria ignorá-la, que eu não ia me indispor com ela. Tudo por causa de Raissa. Mas não tem jeito, não consigo engolir aquela mulher dissimulada, falsa, adúltera. E ela sabe disso e faz de propósito, torna a minha vida um inferno insuportável para que eu finalmente ceda, procure uma esposa e, contraindo casamento, eu dê logo a parte dela da herança. Se ela não tivesse tido Raissa, ela sairia com uma mão na frente e outra atrás quando meu pai morreu.
KarinaChego à mansão às duas horas da tarde. Os seguranças, logo que avistam meu carro, já abrem os portões para eu passar. Meu coração está agitado, desde o momento em que resolvi que eu viria à casa de Raissa me sinto perturbada.Sempre que eu vou à casa dela vou entrando, já tínhamos combinado assim. Então abro a porta da mansão e entro no hall espaçoso, sigo até a sala e dou de cara com Hassan sentado no sofá, inclinado, os cotovelos apoiados nas pernas, segurando sua cabeça.Fico ali sem ação ao vê-lo, sem saber se me esquivo e dou a volta passando por suas costas e vou direto para o quarto de Raissa ou chamo sua atenção o cumprimentando.Como se pressentisse minha presença, ele se ergue. Quando me vê, muda imediatamente sua postura. Seus olh
— E Raissa? — ele indaga, e espera minha resposta com o rosto sério.— Ficou bem depois que soube que você não sairá mais do país. Por que você não sobe e fala com ela?Ele assente.— Já vai? — me questiona.— Sim, amanhã preciso levantar cedo.Hassan ergue as sobrancelhas interessado, e eu me repreendo por ter dado brecha para um diálogo:— Você trabalha?Eu solto o ar.— Sim. Me formei em Design de Moda, desenho roupas para uma loja de grife.Seus olhos passam pelo meu corpo, e eu sinto como se um rastro de fogo percorresse por onde quer que ele se deteve. Arfei, pois já não conseguia respirar direito. Ele pareceu notar, pois reagiu com aquela aura selvagem que notei nele.— Esse vestido é uma arte sua?Eu assenti.— Eu não gosto dele &mda
KarinaNo dia seguinte, chego ao meu trabalho um pouco mais cedo, embora não tenha dormido muito bem. Temo que Hassan não saia mais da minha mente. Então tomo a resolução de me dedicar naquilo que eu mais sei fazer: ser criativa. Pretendo tirar Hassan definitivamente dos meus pensamentos.Entro na loja, que ainda está vazia, e me dirijo aos fundos dela. Passo pelas costureiras e entro no meu ateliê. Sento-me em frente à minha prancheta. Observo o vestido que desenhei. Agora preciso definir o tecido e a cor. Pego várias amostras de tecido e estendo sobre o papel, tentando imaginar como ele ficaria com eles.Aos poucos o vestido vai tomando forma na minha cabeça. Coloco tudo no papel e vou até a sala de costuras para pedir sua produção e explicar como o imaginei.Conversando com elas, decidimos fazê-lo em três tamanhos. P, M e G e poucos n&
Em um piscar de olhos, é sexta-feira, fim de tarde…Hassan enviou o convite na minha casa na quinta-feira. Graças a Deus fui eu que peguei na caixinha de correio e ninguém viu. Eu não vou a essa festa mesmo, e o que menos quero é falar sobre isso com meus pais. Engraçado que na terça-feira, quando conversei com Raissa, ela me falou várias coisas, mas nem por um momento ela tocou no assunto “festa”, e eu não comentei nada também.Vitor também sumiu, nem mensagem ele me mandou. Minha atitude o espantou. Não acho ruim isso. Ele precisava dessa sacudida para seguir sua vida e parar de alimentar esse sentimento platônico por mim. Mesmo porque eu não consigo sair com um homem por sair. Para mim, estar com um homem é estar ligada por um sentimento irresistível, como uma droga potente. Mas, acima de tudo, essa relação precisa me fazer