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Um Adeus Para Dona Colina.

Ao aparecer do sol, minha mãe me acorda, ainda muito animada. Seu sorriso está o mais longo possível.

Animada?! –Questinou, sorrindo muito e quase saltitando.

Fecho meus olhos e respiro fundo até não poder mais.

Você não imagina como.

— Ótimo, se arrume, o ônibus já vai passar.

Parece que ironia não é muito o seu forte.

Ela sai do quarto e deixa a porta aberta. Olho para o teto por alguns segundos, na esperança de acordar e tudo ser um sonho.

— Acorde Marga, vamos lá! –Aperto meus olhos.

Falha.

Droga, vou mesmo embora! –Dou um leve tapa no colchão.

Me livro de minhas cobertas e sento em minha cama, procurando por meus chinelos, tocando o chão com meus pés.

Após tomar um banho e me arrumar, a angústia ainda me consome. Eu não quero ir.

Uma ideia passa pela minha cabeça. Em livros, há sempre um ápice da situação, onde a mocinha diz o que está sentindo e todos a entendem. É isto! Os protagonistas de livros sempre fazem isso, e tudo se resolve!!

Bato em meu peito.

Margarida, você é uma gênia.

Vejo minha mãe na sala e vou até ela dizer como me sinto.

— Mãe, eu realmente não quero ir, porquê...-

Ela me mostra seu dedo do meio, mas sem tirar seus olhos do celular.

— Mas mãe, eu não estou feliz! –Curvo minhas sobrancelhas.

— Marga, como posso postar uma selfie no grupo? Aquelas galinhas vão morrer de inveja. –Ela vira seu celular na horizontal e faz um biquinho para a câmera.

Inferno.

Dou meia volta e bufo.

Por que essas coisas só acontecem em livros?

Vejo GineGeni passar.

Como posso fazer para ficar aqui com você? –Olho para ela, esperando que ela me responda.

Ela continua andando e me ignora.

Bicha ingrata. –Digo, cruzando meus braços.

Papai chega com seu chapéu de palha e sua roupa suja, me abraçando.

— Vou tomar um banho e vamos. –Comentou, me encarando– Onde está o meu sorriso favorito?

De meu rosto, apenas movo minhas bochechas para cima.

Essa é minha menina.

Ele sorri, mas no fundo sei que está triste por deixar esse lugar.

– – –

Já saindo de casa, meus olhos se enchem de lágrimas. Se pudesse, não iria embora daqui jamais. Ouço o barulho do ônibus quando chegando aqui.

Espera!! –Saio correndo e vou aos fundos da casa.

Minha mãe grita algo que não consigo ouvir.

Vejo GineGeni e vou até ela.

— Adeus, GineGeni. Eu te amo. –Abraço-a– E sei que você também me ama.

Me levanto e olho para a lagoa.

— Eu amo você também ...

Ouço o ônibus mais perto e volto correndo para meus pais. É hora de partir.

– – –

Papai está dormindo do banco de trás, ao lado de uma senhora. Mamãe e eu estamos na frente.

Já não choro mais, porém, meu nariz está completamente entupido. O barulho do meu catarro ecoa pelo ônibus.

Uma garotinha de maria-chiquinhas e que aparenta ter seus oito anos, se vira para mim e enruga sua testa, não me mostrando uma boa expressão.

Dá pra parar? –Perguntou, rápida e lambendo seu enorme pirulito.

A mulher ao seu lado a belisca, a repreendendo.

Desculpa. –Murmuro, forçando a passagem de ar pelo meu nariz e fazendo outro barulho.

Ela me olha feio, como se fosse me esquartejar.

Garotinha, se ela parar, como vai respirar? –Perguntou minha mãe.

— Eu não sei, isso não é problema meu. –Retrucou a garotinha.

Mamãe e eu trocamos olhares.Tão pequena e tão abusada.

A senhora de grande porte e cabelos curtos pretos, que tem uma grande semelhança com Gru, parece envergonhada pelas palavras da garota que aparenta ser sua filha.

— Me desculpem, ela não sabe o que diz. –Sorriu, sem graça.

— Tudo bem, crianças são assim mesmo. –Mamãe comentou, colocando seus óculos escuros.

— Não, eu não sou uma criança. E também não sou obrigada a respeitar essa catarrenta horrorosa.

Abro meus olhos, sem acreditar no que a pirralha disse.

Horrorosa é você, não tem nem dente.

O olhar sínico da criança se transforma, ela curva suas sobrancelhas e sua boca para baixo. Seus olhos ficam vermelhos e ela começa a chorar.

Fico sem reação.

— Olhe só, fez minha filha chorar! É apenas uma criança, não precisa ser rude! –Gru abraça sua filha.

— Minha filha não tem nada a ver com a sua pequena peste! –Exclamou mamãe, retirando seus óculos.

— É verdade, ela que começou! –Exclamei.

MAMÃE, ELA ME CHAMOU DE HORROROSA, FEDIDA E DISSE QUE VAI ME MATAR, MAMÃE! –A criança grita, jogando seu pirulito no chão e mexendo suas pernas desesperadamente.

Minha boca se transforma em um O. Mamãe e eu a olhamos com as pálpebras o mais baixas possíveis.

A criança começa a fazer um escândalo por todo o ônibus, as pessoas olham e meu pai acorda, sem saber o que está acontecendo.

O que aconteceu? –Perguntou, me cutucando.

A senhora sem saber o que fazer, acaba "acreditando" na filha, mesmo sabendo que é mentira.

— Sua filha disse que irá matar a minha!

Papai me olha incrédulo.

Pai, eu não fiz isso!

— Querido, essa velha comeu muitas besteiras. Está louca! –Mamãe exclamou.

— Não estou louca, escutei com meus próprios ouvidos quando ameaçou minha doce Emília!

Um passageiro que estava ouvindo tudo resolve entrar no meio da discussão.

— Essa vaca gorda está inventando coisas! Sua filha apenas retrucou as ofensas da pirralha mimada.

A senhora abre seus olhos e não sabe mais o que fazer, vendo que a criança continua a fazer seu escândalo.

— Você deveria educar ela melhor. –Comentei.

— Quem é você pra falar alguma coisa, minha filha? –A mulher disse, sem paciência e em um grande tom de deboche.

— Sou uma garota de 16 anos que foi ensinada a não mentir.

A senhora olha para os lados, como se procurasse argumentos. Ela faz uma expressão de sofrimento e leva sua mão ao peito. 

— Tenho uma grave doença no coração, e vocês estão me fazendo passar mal! Vou morrer, minha filha vai ficar sem mãe e a culpa será toda de vocês!! –Griou.

A senhora que está ao lado do meu pai, bate sua bengala no chão.

— Quer calar a boca? Deixe a menina e sua mãe em paz! Apenas eduque essa mini-filha da puta e ensine- a a respeitar os outros! –Exclamou, nervosa e ajeitando sua dentadura. 

A senhora aperta o botão vermelho, indicando que quer descer do ônibus. Ela puxa fortemente a garota pelo braço. Provavelmente ali não é a sua parada, mas consigo sentir a vergonha que a filha a fez passar.

A criança chora e deita no chão. A mãe, tremendo, aperta o braço da menina, a levantando do chão e logo a frente não conseguindo passar na catraca, ficando com mais raiva ainda. Ela puxa a catraca a quebrando e vai embora.

Os passageiros comentam baixinho entre si.

Algo me diz que tudo está apenas começando.

Solto um longo suspiro. Graças a menina e sua mãe, esqueci que deixei minha melhor amiga para trás. Olho para minha mãe, que lê uma revista de fofocas.

— Mamãe, como é viver na Cidade Grande? O que lá tem de tão bom?

Ela sorri e fecha sua revista.

— Achei que não iria me perguntar isso nunca! –Antes de começar a falar, ela coloca a mão em meu ombro.

A sensação de arrependimento que sinto por ter perguntando é enorme.

Shoppings, cinemas, supermercados, praças, parques, tudo de bom, Margarida! Não vai se arrepender de ter ido.

— Por que eu ainda prefiro a Dona Colina?

— Só está assim porque nunca paquerou.

Abro meus olhos.

O-o que isso tem a ver?

— Margarida, quando você pegar um menino extremamente gostoso, irá perceber.

Olho para trás, e vejo papai olhando para ela, logo, retornando seu olhar para mim.

— Não dê ouvidos a ela. A melhor parte da cidade, é que terá um ensinamento melhor. Não vamos mais te ensinar em casa. Os professores são formados para isso.

Tantas informações acabam me deixando até confusa. 

— E cuidado com os assaltos. –Mamãe disse.

Nunca fui assaltada em toda a minha vida. Apenas uma vez em que tentaram roubar a GineGeni, peguei um pedaço de pau e grudei na cabeça do homem. Desmaiou na hora e foi preso.

— Igual quando roubaram a GineGeni? –Pergunto– Porque se for, vou andar com um pedaço de pau.

— Não, Marga. Os assaltos na cidade são piores. Todos os moradores de cidades grandes já passaram por um. Ou, pelo menos a maioria.

A olho confusa.

— Isso quer dizer que pra ser oficialmente aceita na sociedade, preciso ser assaltada? Calma, diz devagar, vou anotar aqui. –Digo, abrindo minha mochila e pegando um pequeno caderno.

— Margarida, não foi isso que eu quis dizer, eu disse que...-

— Eu também preciso ter uma arma? Soube que os assaltantes usam uma. Papai, pode conseguir uma pra mim?

Meus pais se olham, assustados.

— Sua mãe quer dizer que assaltos aqui são mais perigosos do que os da Dona Colina.

Torço meus lábios para baixo.

— Então, não posso ter uma arma?

— Tá doida, caralho? –Mamãe disse, enrolando a revista e me batendo com ela.

O ônibus para, meus pais se levantam, maravilhados com a vista da janela.

— Chegamos, chegamos, chegamos!! –Exclamou, animada e dando pulinhos.

Papai e eu ficamos para trás.

— Tente gostar do lugar. –Disse, baixinho.

— Mas, e se eu não gostar? –Questionei, quase como um sussurro.

— Aí você pelo menos finge que gostou.

Ele pega minha mão e me guia para fora do ônibus.

Ver tantas pessoas de uma só vez é como realmente ser um peixe fora da água. Terrível. Consigo perceber a íncrivel diferença, entre Dona Colina e aqui. Música alta, fumaça e pessoas rindo bem alto. Também consigo avistar uma padaria, chamada "Quitandas Da Vovó".

É só atravessar a rua. Cuidado. –Disse papai.

Fico olhando em volta e observando a quantidade de prédios e barulhos, porém, percebo que fiquei para trás.

Começo a entrar em um completo desespero ao ver que eles não perceberam que estou atrás. E sem pensar, resolvo me enfiar entre os carros, enquanto o sinal ainda está para os pedestres. Mas, para o meu azar, o sinal abre assim que já estou quase na metade da rua.

Os automóveis começam a buzinar e os motorista a colocarem suas mãos para fora da janela, reclamando.

—Eu já estou indo, calma, calma! Qual é?! Vocês esperaram nove meses para nascerem, não podem esperar só um segundinho?! –Exclamei, tentando andar o mais rápido que consigo, mas todos estão com pressa.

Meus pais estão parados, do outro lado da movimentada avenida. Assim que me aproximo deles, me lançam um olhar fuzilador, me repreendendo.

— Como pode atravessar na frente de todos esses carros, Margarida Ramos?! –Zangou– Tá maluca? Tá querendo morrer, garota?! Aqui não é Dona Colina, quantas vezes vamos precisar te dizer isso? Como fará para ir a escola, se não sabe nem esperar o sinal?

Na verdade, o sinal ainda estava verde quando comecei a atravessar...

— Por que vocês não podem me ensinar em casa?

— Por que agora você vai a escola? –Respondeu minha pergunta com outra pergunta, pegando seu celular em sua bolsa

Ela joga seu cabelo curto para trás e faz um V com seus dedos, esticando sua boca para frente, formando um bico de pato. O barulho de foto que seu celular faz é como o de uma câmera fotográfica.

Hashtag de volta para casa ...–Disse, lentamente, digitando algo em seu telefone.

Vejo papai revirar seus olhos.

Andamos mais um pouco, e até que enfim chegamos. Paramos em frente uma casa amarela.

— É aqui que vamos morar, Frederico? –Perguntou, em um tom não muito animado.

— É exatamente aqui, vamos!

A chave entra na fechadura, enfim, em nossa nova casa.

Mamãe parece desanimada, afinal, não é a mansão que ela estava esperando. Não tem um lustre grande e brilhante, nem um tapete vermelho no centro da sala.

A cozinha não possui armários na parede e nem um balcão, muito menos uma adega com vinhos. Ela está decepcionada.

— Querida, o que você tem? –Perguntou.

— É aqui que vamos morar?

— Não se preocupe, podemos reformar depois.

— Como vou trazer minhas amigas aqui? Irão rir de mim.

— Por que elas iriam rir? Aqui não é um circo. Você deveria rir, parecem palhaças com toda aquela maquiagem que passam. –Papai disse, gargalhando.

Vou aos fundos, há um banheiro e dois quartos. Acredito que um meu e outro e meus pais.

Vou ao meu, que possui uma cama de solteiro. As paredes são brancas, e há um guarda-roupas branco, pequeno. É bom, não tenho muitas roupas mesmo. Uma janela, e um espelho na parede.

Deito em minha cama. Admito, é melhor do que esperava.

Vejo a maçaneta torcer, e meu pai entra no quarto.

— Parece que você gostou. –Sorriu.

— É, melhor do que eu pensava.

— Sabe, como eu sei que vai ser difícil fazer você gostar daqui, me antecipei pra deixar tudo mais fácil, e te comprei dois presentes.

Sento em minha cama, já sorrindo.

Presentes? Quais presentes?

Ele está com as mãos para trás.

Tcharam! –Ele me mostra um celular.

Abro meus olhos.

— Não acredito, vai me dar um celular?! –Me levanto da cama.

— E, tem mais uma coisa te esperando lá de fora!

Corro até ele e o abraço o mais forte que consigo.

Você é melhor pai do mundo!!

— E o mais bonito também. –Comentou, me abraçando também.

Ao passarmos pela sala, mamãe já está no telefone, provavelmente falando com uma de suas amigas.

(...) E então ela disse "Eu não posso te devolver, você me emprestou a muito tempo!" E eu disse, então que enfie no seu...

Papai e eu olhamos um para o outro e encolhemos nossos ombros.

Ao chegar ao lado de fora, ele me mostra uma bicicleta azul com uma cestinha branca.

Tcharam !! –Ele abriu seus braços, balançando suas mãos.

Sorrio animada, mas me lembro que não sei andar de bicicleta.

Pai, é um bom presente, mas não sei pedalar...

— E o que está esperando para subir nela??

— Deveria? –Questionei.

Ele faz sinal positivo com a cabeça. Respiro fundo e coloco a mão no guidom, levantando minha perna e subindo.

— Pronto!

Ficamos uns 10 segundo olhando um para o outro, ele me olha com um olhar de "Anda, minha filha. Vai pedalar não?"

— Tente pedalar, Marga.

— Acho melhor não, e se eu cair?

— Eu te seguro. Quer que eu segure o guidom para você?

— Não tenho mais sete anos, pai. Vou conseguir...Eu acho.

Coloco meu pé em um pedal, tentando me equilibrar.

— 1, 2, 3... –Coloco meu outro pé e tento pedalar.

Levo um grande susto, quase caindo.

Tentando novamente, levo meu primeiro tombo. Esfregando meu nariz no chão.

Depois de cair e levantar várias vezes, começo a pegar equilíbrio e consigo andar.

— Eu consegui, estou andando!!

— Espera, preciso gravar isso!!

Enquanto papai pega seu celular em seu bolso, perco o equilíbrio e caio novamente, ralando meus joelhos.

Após ter "aprendido" a andar de bicicleta, resolvo voltar para dentro de casa.

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