Beije-me.

𝙼𝚊𝚛𝚌𝚘 ━━━━━━━ •♬• ━━━━━━━

Margarida está atrás do balcão, ela não olha em meus olhos e está abraçando seu próprio corpo. Mas o que tenho a ver com tudo isso?

— O que você está dizendo? O que Mercedes fez? –Fico sem entender.

— Você é igual a ela, olhe só como a Marga está triste! Diga para sua namoradinha ruiva, com um corpo bonito e lutadora de boxe que mandei isso!

A mão direita de Glenda gruda rapidamente em meu rosto, ouço Margarida se assustar.

— Qual é o problema de vocês?! –Digo, batendo minha mão no balcão e deixando o dinheiro do Milkshake.

Saio do restaurante pisando duro e batendo a porta.

Levei um tapa totalmente de graça por algo que a Mercedes fez. Ela realmente tem uma personalidade difícil, o que ela pode ter dito pra Marga para que ela ficasse tão triste?

Meu rosto dói e arde ao mesmo tempo, eu realmente não deveria levar a culpa pelo que Mercedes anda ou não fazendo. Glenda é uma filha da puta por descontar sua raiva em mim.

Posso sentir meu sangue ferver por ter levado um tapa sem literalmente ter feito nada.

Chegando em minha casa, vejo Mercedes escorada no portão.

— Marco!! –Ela sorri e vem em minha direção.

— Por que não me disse que iria fazer estágio onde estudo? –Pergunto sério.

— Ah, bebê, eu iria te contar ontem, mas parece que você não gostou do Dantas ter voltado para levar a Marga pra casa.

— Entendi. –Digo, pegando minhas chaves em meu bolso e destrancando o portão, ignorando-a.

— Bebê, o que é isto no seu rosto? Quem bateu em você?! –Ela coloca a mão em meu rosto, acariciando a marca.

Retiro sua mão de minha face.

— O que andou fazendo? –Pergunto, olhando diretamente em seus olhos.

— Como assim? –Ela parece confusa.

— O que disse para Margarida?

— Ah, está se referindo a isso? Bom, apenas a verdade.

Curvo minhas sobrancelhas.

__ "A verdade"? Que verdade?

Ela solta um ar de risada pelo nariz.

— Vai fingir que não sabe? Todos sabemos que ela pode voar apenas com um vento fraco. –Ela cobre sua boca com sua mão, para abafar o riso.

Abro meus olhos.

— Disse isso para ela?! Você é louca? Levei um tapa por sua culpa! 

— Quem bateu em você? A Margarida te fez isso?! –Ela me toca novamente.

— Não coloque suas mãos em mim. Talvez tenhamos nos precipitado, acho melhor darmos um tempo no nosso relacionamento, "ficada", ou sei lá como você acha que estamos.

— Marco! Tem noção do que está dizendo?!

— E outra, a estagiária e um aluno juntos não me parece certo.

— Eu sou apenas um ano mais velha que você! 19 e 18 são números próximos!

—Tanto faz, vamos dar um tempo. Não venha mais aqui.

— Mas, bebê...–

Antes que ela diga algo, entro em minha casa, fechando o portão em sua cara.

Entro, a procura de Tina.

Ando em todos os cômodos e a acho em seu quarto, penteando os cabelos estragados de uma de suas poucas bonecas.

— Marco!! –Ela deixa sua boneca nua em cima da cama e move sua cadeira de rodas até mim, me dando um abraço.

— Como foi o seu dia hoje? –Pergunto, brincando com seu cabelo.

Tina e eu vivemos sozinhos desde que minha mãe morreu em seu parto. Após isso, meu pai nos abandonou para viver com uma bailarina de 19 anos, no caso, 26 anos mais jovem que ele.

Ele é um deputado famoso e corrupto, as vezes nos dá migalhas do que ganha em seu trabalho, mas, não tocarei nunca nesse dinheiro. Tina não irá viver de um dinheiro sujo, catado na lama.

— Foi chato, eu sei que a Jujuba fala, mas ela se nega a falar comigo! –Ela cruza seus braços.

Jujuba é o nome de sua boneca preferida, eu a dei quando Tina ainda tinha cinco anos.

—Bonecas não podem falar, sua tola! –Sorrio.

— Claro que falam, mas com você não, porque você é um chato. Nem as bonecas te aguentariam.

Coloco minha mão em meu peito, como se isso tivesse me atingido muito.

— Nossa, agora pegou pesado, Tina! –Faço uma expressão de choro.

— Falando na palavra pesado, advinha quem tem a alma pesada e acabou de bater no portão!

— A Mercedes?

— Sim… Espera, como sabe?!

— Eu falei com ela, do lado de fora de casa. –Me levanto para ir tomar um banho.

— Eu escutei ela te chamar, mas, não fui abrir.

Me viro para Tina.

— Ah, é? E por que você não abriu?

Tina fica calada por um tempo.

— O que foi? Algo está incomodando você? –Me abaixo para ficar de seu tamanho.

— Eu não sei, Jujuba não quer falar comigo. –Ela muda de assunto.

— Não quer falar agora? Tudo bem, quando quiser, estarei aqui para te ouvir. –Bagunço seus cabelos.

Saio do quarto de Tina e vou para o meu, vejo minha pequena caixinha, ali estou juntando dinheiro para comprar para Valentina outra boneca, as delas estão muito velhas.

Trabalhar em uma farmácia a noite junto com Max não me dá tanto lucro, apenas o suficiente para sustentar minha irmã e eu. Os instrumentos que usamos para tocar foram ganhados por um concurso de música. A banda no começo era apenas por hobby, mas, acabou se transformando em uma pequena febre entre as garotas na escola. Não ganhamos nada, além de um fã-clube de meninas idiotas.

Mesmo tentando cobrir meus pensamentos com outros assuntos, não consigo parar de pensar na hipótese de Marga estar triste comigo, mesmo que eu não tenha feito nada. Talvez, um pedido de desculpas melhore meu sentimento de culpa.

Amanhã terei que pedir desculpas por tudo que Mercedes disse.

𝑀𝑎𝑟𝑔𝑎𝑟𝑖𝑑𝑎 ╚════•| ✿ |•════╝

Chegando em casa, após um longo dia de decepções.

Meus pais estão sentados no sofá da sala, me cumprimentam, mas, apenas passo reto.

Vou para o quarto e me jogo na cama. Olho para o meu bíceps e o envolvo com meu polegar e meu indicador, vendo o quão fino ele é. Meu olhar se entristece.

Resolvo tomar uma drástica conclusão, vou até a cozinha, sem que meus pais notem minha presença. Abro o armário e pego várias e várias coisas para comer, mesmo não estando com fome.

Volto para o meu quarto, com sacos de salgadinhos, barras de chocolate, comidas enlatadas, geleias e um pote com picles.

Vou e volto várias vezes para pegar mais e mais alimentos, sendo silenciosa igual um assassino.

Volto para o meu quarto, me sento em minha cama vendo aquele monte de comida em minha frente, respiro fundo.

— Vamos deixar essa magreza de lado.

Começo comer os picles, algo que nunca gostei.

Depois de horas comendo, começo a chorar. Não aguento mais.

Olho para o meu braço e para as minhas coxas.

— Vamos lá, Margarida. Você não será o esqueleto que todos veem. –Continuo a comer, mesmo chorando.

                                ☙ ᴀ ɴᴏɪᴛᴇ ☙

Deitada em minha cama, com ânsia de vômito e suando frio. Meus pais já estão dormindo.

Quase desmaiei ao tomar banho, provavelmente precisarei de outro daqui uns minutos, sinto minha camiseta encharcada de tanto suar, infelizmente acho que não conseguirei dormir.

— Por que foi fazer isso, sua perfeita anta? –Bato minha mão em minha testa– Comi por que estava parecendo uma vassoura, agora estou vassoura e triste.

Levanto de minha cama e abro a janela.

— Marco está bravo comigo?

Apenas agora penso no que aconteceu no restaurante hoje. Glenda esbofeteou a bochecha de Marco por minha causa, o coitado não tinha nada a ver com a situação. Não quero ninguém bravo comigo, talvez devesse pedir desculpas pelo acontecido.

Mercedes não deveria ter me dito isso, sei que já fui confundida com um cabo de vassoura, isso não me afetou. As palavras dela também não deveriam. Mas, acho que por ela entender de saúde e ter um corpo considerado bonito, piora tudo.

Quando alguém feio te xinga, normalmente você da graças a Deus por não fazer o tipo daquele alguém, mas, quando o alguém é bonito ou bonita, tudo se vira do avesso. Problemas que não incomodavam começam a incomodar e se tornam o ponto de toda a sua atenção.

É assim que me sinto agora, e por esse motivo eu acho que também entendo o porquê de Dantas não estar afim de mim, talvez minha beleza única não chegue perto da de Helly. Talvez meu porte Magro não chegue perto ao corpo malhado e bonito de Mercedes.

Tudo vem como um jogo, onde a pessoa que tem a fuça mais bonita tem vantagens.

Mas, como pessoas comuns e consideráveis "rústicos" pela sociedade se saem nesse jogo?

Mesmo estando a pouquissimo tempo aqui, já sei a resposta, que talvez seja simples, elas não entram em um jogo pelo simples fato de não terem chances de ganhar.

A ânsia não passa, o suor não para de escorrer, sinto que posso desmaiar a qualquer momento. Isso pode ser considerado culpa de Mercedes ou minha por cair em suas provocações? Não importa, apenas quero me desculpar com Marco e fingir nunca ter ouvido isso.

  

                        ༼    𝓝𝓸 𝓸𝓾𝓽𝓻𝓸 𝓭𝓲𝓪 . . .  ༽

Já estou melhor do que ontem, mas a ânsia de vômito está cada vez mais intensa.

Vou ao banheiro e faço força para vomitar, soltando um barulho um tanto alto.

— 𝘽𝙇𝙃𝙀𝙍 –Solto esse barulho, após cutucar minha goela.

Minha mãe vem correndo.

— Mas, o que está fazendo?! –Ela segura meu cabelo.

—Enfiando o dedo na goela. –Faço novamente– 𝘽𝙇𝙃𝙀𝙍!

— Não faça isso! É errado vomitar sem ter vontade!

A ânsia é muito forte, não consigo resistir ao choro.

— Marga!! Está chorando? O que houve?!

Ela me levanta e coloca suas mãos em meus ombros.

Ela encara meu olhar triste.

— Tem alguém incomodando você? Te disseram algo que te deixou triste? Está estranha desde ontem. Não almoçou e nem jantou.

Faço que não com a cabeça.

— Marga, tem alguém xingando você ou fazendo piadas? –Ela cerra seus olhos.

Tem.

— Não... –Digo em baixo tom.

_ Você quer faltar de aula hoje? Não me parece bem.

Gostaria de faltar, mas a única coisa pior do que ir, seria não ir.

— Eu estou bem, mãe.

— Tudo bem, mas vou te dar um conselho. Se alguém estiver te insultando sem você merecer, volte lá e mereça, tudo bem?

Sorrio e faço que sim com a cabeça.

Pego minha mochila, dou um beijo em minha mãe e vejo que meu pai ainda dorme.

Saindo de casa, penso que andar de ônibus pode ser pior, posso acabar vomitando em alguém.

Resolvo ir andando vagarosamente. Me sinto como um barril por dentro, pesada. Sinto vontade de vomitar, mas tenho certeza que se eu for tentar vomitar por mim mesma, não irá sair nada.

O vento me ajuda um pouco, não está muito frio e nem muito quente, uma temperatura agradável.

Chegando na escola, avisto Helly, Dantas e Max, vou até eles.

— Vocês viram o Marco? –Pergunto, tentando disfarçar que estou quase colocando minhas tripas para fora.

— Por que quer saber do Bibble? –Helly cruza seus braços.

Dantas permanece quieto.

— Acho que ele ainda não chegou, Marga. Se ele vier, aviso que você quer falar com ele. –Max diz, como sempre, gentil.

— Obrigada.

— Você está bem? –Max pergunta.

— Melhor do que nunca. –Levanto minhas bochechas– Até mais! –Digo, me virando.

Após esperar um pouco perto do banheiro masculino, não vejo Marco. Resolvo deixar para lá.

Após me virar para ir para a sala de aula, sinto alguém me cutucar.

Me viro e vejo Marco.

—Oi, eu estava te procurando. –Ele diz, parece envergonhado.

— Eu também estava te procurando, loucura, não é?

— Sério?

— Sim. Eu queria… queria pedir desculpas pelo tapa que Glenda te deu, você não tem nada a…-

— Eu também iria me desculpar! –Ele gargalha– Fiquei com medo de estar triste comigo, vim pedir desculpas pelo que Mercedes fez…

— Eu te desculpo se você me desculpar. –Sorrio.

— Legal, combinado.

— Ah meu Deus, o Batman e sua capa, conversando. –Mercedes diz, chegando e entrelaçando seu braço e o de Marco.

Reviro meus olhos.

— Agora não é hora de brincadeiras desnecessárias –Marco diz, se soltando.

Mercedes ri de forma irônica.

— Está vendo, Olivia Palito? Marco não quer falar comigo por causa da sua magreza. Está feliz? Tudo que eu te disse ontem é para o seu bem, e você ainda ousa ficar bravinha e faz ele se virar contra mim? Ao invés de ficar por aí, de bobeira com a sua amiga sapatão, vá fazer academia e cuidar de sua saúde. Anorexia é uma doença grave e nada bonita. –Ela diz, parece furiosa.

—  Mercedes quer calar a PORRA boca? –Marco diz, sem paciência.

Com ódio dentro de mim, me lembro das palavras de minha mãe:  "Se alguém estiver te insultando sem você merecer, volte lá e mereça, tudo bem?"

Sem pensar duas vezes, coloco meu corpo mais perto do de Marco.

— O que está fazendo, colocando seu corpo magrelo perto do MEU Marco?! –Mercedes diz, sem entender o que vou fazer.

Com muito enjôo, levanto meus pés, respiro fundo, e junto nossos lábios.

— O que está fazendo?! –Mercedes pega em meu braço e me afasta de Marco.

Marco está sem reação.

— Vadia! Vai aprender a respeitar relacionamentos alheios! –Ela levanta seu braço para bater em meu rosto.

Me encolho, esperando a bofetada, mas, Marco segura seu braço, impedindo o tapa.

Meu estômago se sente cheio e começa a embrulhar.

Não, não, não! Agora não!!

Meu estômago dança, não consigo segurar e sem querer acabo vomitando em Mercedes.

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