O Dia Que Descobri O Amor
O Dia Que Descobri O Amor
Por: Raesso
Tudo Acabado.

A primavera é a minha estação do ano favorita. As flores ficam lindas, o céu fica lindo, os animais ficam lindos, tudo fica extremamente lindo!

A janela de minha pequena casa mostra a verdadeira face do paraíso. Uma enorme tranquilidade. Posso ver também várias borboletas brincando ao longe.

— Marga! –Exclamou mamãe– Quer sair dessa janela e me ajudar com o almoço? –Questionou, ajeitando seu avental.

— Claro! –Concordei, com um grande sorriso nos lábios.

Ela olha para a janela e solta um longo ar de desgosto. 

— Odeio esse lugar. –Murmurou.

Mamãe e papai são um tanto opostos. Ele é um cara de interior e ela uma completa patricinha de cidade grande. Ele a trouxe para viver aqui, e assim me tiveram. Ela odeia essa fazenda.

— Mas mamãe, aqui é tão lindo e calmo! Olha só como a GineGeni é feliz aqui! –Digo, dando um giro, como se estivesse dançando.

—  Margarida, já ouviu falar em cidade grande? Aquilo sim é que é vida. Carros, shoppings, prédios e tudo que há de bom.

— Já ouvi falar que lá tem muita fumaça e cheiro de lixo por todo lugar. –Falei, contorcendo minha boca e fazendo uma careta.

— O que é a fumaça das ruas comparada ao cheiro de merda que sai desse lugar?

Outras pessoas me achariam estranha se soubessem que o cheiro de esterco me deixa feliz, pois assim sei que estou em casa.

Quando tinha uns 6 anos, fui na cidade grande comprar alimentos que não se acham na fazenda. Odiei. Muitas pessoas, muitos carros e quase fui atropelada por um ônibus.

            Me lembro que nesse dia, fiquei louca querendo voltar para casa. Assim que fomos embora, senti o cheiro de fezes e já sabia que estávamos próximos.

— Você ainda insiste em colocar esse pedaço ENORME de bacon aqui dentro! –Exclamou, ao ver GineGeni passar.

Vou até GineGeni, minha porquinha de estimação e a abraço.

— Ela não sabe o que está dizendo, ok? Nunca iremos comer você!

GineGeni me olha e dá uma lambida no rosto, seguida de um roncado. Gargalho.

— Está vendo? Ela é um amor!

Vemos meu pai chegar, sujando a casa com suas botas e deixando rastros de lama.

—  Papai, minha mãe está chamando a GineGeni de bacon!

— Oi pra você também, Margarida. –Sorriu, retirando seu chapéu.

—Você vai limpar essas pegadas depois. –Mamãe disse, olhando de ladinho.

— Meu bem, para que tanto mau humor? Olha que dia bonito. –Comentou, abraçando-a por trás.

— Quando vamos ir embora daqui? –Perguntou, impaciente.

Ir embora?! –Papai e eu falamos juntos.

—O que quer dizer com isso? –Ele indaga.

Frederico, você me trouxe pra cá, e eu, uma bobinha apaixonada vim. Está na hora de me levar de volta! A Juliana, Odette, Jenevive e até a estranha da Domênica moram na cidade. Todos os dias elas me mandam mensagem e mostram como tal shopping é bonito. Vacas.

— Jenevive não tinha morrido? –Papai questionou, beijando seu pescoço.

— Essa Jenevive é outra. Estou falando daquela que colocou implante capilar vaginal.

Implante capilar vaginal? Isso existe? –Perguntei, com uma expressão confusa, tentando imaginar o que seria.

— Isso não é assunto pra criança. –Disse, voltando a sua postura, fazendo meu pai desgrudar dela.

— Qual é mãe, eu tenho 16 anos!

— É querida, ela tem 16 anos! –Exclamou, tentando me ajudar.

Mamãe lança um olhar fuzilador para ele, que o faz mudar de ideia bem rápido.

— Digo... É isso mesmo, não é assunto para criança. Concordo com sua mãe. -Sorriu.

O trabalho de viver na fazenda é saber que nada é garantido. Que dependendo do tempo, não temos colheita e que o trabalho é muito puxado. Ser ensinada em casa e cuidar dos animais é completamente difícil, mas não poderia pensar em uma vida melhor.

Após ajudar com o almoço e almoçar, caminho em direção a lagoa. Um pequeno rio que é uma das coisas que mais gosto. Mesmo a fazenda não sendo nossa, tratamos como se fosse. Mas, se não pagarmos, podemos ser despejados. Mas, por sorte, deixamos tudo em dia. Mesmo com meus pais trabalhando muito, e às vezes nos sacrificando em casa, deixando de termos algumas coisas, como por exemplo, água e luz, estamos vivendo em uma casa que podemos chamar de lar.

             Sinto que se fosse para alguma cidade grande, me sentiria como um peixe fora d'água. Como uma menina que têm sotaque, com roupas estranhas e que não sabe nada de gírias maneiras ou falar de modo legal.

Prefiro continuar sendo educada em casa e vivendo com meus pais aqui, e claro, junto com a GineGeni também.

Respiro fundo e pulo no lago. Me lembro muito bem da vez em que vi o filme Sexta-Feira 13, onde um cara bizarro mata todas as pessoas. Fiquei com medo por vários dias, até mesmo evitei nadar a noite. Esse dia foi semana passada. 

Ao mergulhar, sinto meu corpo se arrepiar ao entrar em contato com a água fria.

Dentre todas as coisas que eu amo no mundo, a fazenda Dona Colina é a que fica em primeiro lugar. O meu lar onde cresci —E que pretendo morrer aqui—, é literalmente o melhor lugar do mundo. Porém, ele me priva de algumas coisas que eu presumo que toda adolescente já passou, ou ainda vai passar. Como por exemplo, o primeiro beijo, o primeiro paquera, ou em casos mais extremos, fazer sexo, ou como minha mãe costuma chamar: Furar o Bolo.

Sempre que faço perguntas desse tipo, ela usa metáforas que não entendo. E não tenho coragem de perguntar para papai, apesar dele ser mega-liberal, ele é homem e não me sinto confortável falando disso com ele. Ou seja, eu não sei nada sobre sexo, e nem imagino como se beija. Qual a probabilidade dos dentes se baterem ou que alguém acabe engolindo o piercing de outra pessoa? Parece que nunca terei as respostas para essas minhas dúvidas.

A única experiência "diferente" e ao mesmo tempo traumatizante, foi quando morávamos com meu falecido avô, Joaquine, que faleceu dormindo. Em um dia aleatório, fui varrer em baixo de sua cama e acabei achando uma revista repleta de mulheres peladas e alguns textos bem… taradinhos. Eu tinha uns 10 anos. Fui passando páginas por páginas, vendo todos os corpos possíveis, e assim acabei descobrindo o que eram fantasias sexuais. Haviam várias e várias mulheres vestidas de capeta, coelhos e até mesmo de gatos. Isso pode ser considerado zoófilia?

No mesmo dia, fui até meu vô, e disse que tinha achado lá a tal revista e perguntei se era dele,  ele se fez de surpreso e disse "Marga, onde achou isso? Quem será que deixou em baixo da minha cama? Me dê, irei procurar de quem é, e vou bater nele", claro, com apenas 10 anos, acreditei em suas palavras. Mas ao crescer mais um pouco, descobri que era dele com 13 anos. Por algum motivo desconhecido, sua janela estava aberta, provavelmente se esqueceu de fechar, ele estava olhando a revista, vi ele mexendo o pinto e chorei muito, fiquei muito triste.

Infelizmente, para a minha infelicidade, o primeiro pênis que eu vi —E único— foi o do meu avô. Aquela imagem ficou dias na minha cabeça. Ninguém nunca soube desse acontecimento, muito menos meu avô.

Gostaria muito de contar isso tudo para alguém, mas, não para os meus pais, e sim para amigas. Mas, infelizmente, estar isolada me faz não ter nenhuma, apenas GineGeni, mas não é a mesma coisa. Sem amigas para conversar, sem Wi-Fi... É, consigo viver sem.

Percebo que o céu já está escurecendo, parece que a água me prende, pois não sinto a menor vontade de sair, até ouvir um grito vindo de minha casa.

Saio da lagoa, com a roupa encharcada e vou correndo ver o que houve. Me deparo com meu pai falando ao telefone e minha mãe sorrindo muito.

Fico sem entender nada. Ela vem até mim, apertando meus braços e completamente feliz.

Nós vamos para a cidade grande!! –Gritou, me abraçando como um urso.

O quê?! —Questionei no mesmo tom que ela.

—(…) Certo, certo… Estarei aí amanhã! –Papai disse, andando de um lado para o outro e falando ao telefone.

Olho para ele, esperando uma explicação. Como assim nos mudar? O quê? Por quê?

Ele desliga o telefone.

— É tão bom ver você feliz! —Ele abraça minha mãe.

Me ver feliz ninguém quer, né?! –Digo com a roupa molhada e meus cabelos pingando.

— Filha, você vai gostar muito de lá! –Disse mamãe, com um sorriso de orelha a orelha.

— Eu gostaria, se eu fosse. Acontece que eu não vou.

— Marga, você vai gostar de lá, juro. –Ele comentou, tentando me olhar com sinceridade.

— Vocês estão brincando comigo? Porque se for pegadinha,quero que parem agora! –Exclamei, com os olhos nadando em água.

— Filha, eu vou ganhar um salário bem maior do que aqui! O dono da empresa me fez um empréstimo para uma casa nova! Você vai ir a escola, ter amigas, socializar! –Exclamou, em uma falha tentativa de me animar.

— Mas pai, e a GineGeni?? –Perguntei, chorando.

Vejo GineGeni passando e vou logo abraça-la.

— Eu não vou me separar dela.

— Margarida, os próximos moradores da Dona Colina vão cuidar bem dela.

— Ela vai virar chur… –cubro os ouvidos de GineGeni– Churrasco!!

— Margarida, pare de ser pessimista. É só deixar um recado falando que a leitoa tem dono. –Falou, abraçando meu pai.

— Leitoa não, mais respeito com a GineGeni… –Digo em baixo tom, com a voz rouca.

— Vou arrumar minhas coisas agora mesmo!! –Mamãe diz, pulando de alegria.

Vejo meu pai me olhando, ele parece triste.

Você também não quer ir, não é? –Questionei.

Papai é alguém divertido, com senso, doce e muito gentil. Espero encontrar um dia alguém como ele. Ele me olha com ternura.

— Não. –Disse, com a mão em minhas costas.

Levanto minha cabeça.

— Então, por que você vai? –As palavras quase não saem, presas pelo choro.

— Quando tinha 22 anos, muitos caras tinham brincado com sua mãe, que tinha apenas 20. Me apaixonei por ela, e prometi que ia fazer dela a mulher mais feliz do mundo.

—Mas, e a mim? –Pergunto.

— Você é a minha única filha, e claro que quero te ver bem também. E, você não conhece a cidade grande. E se você gostar?

— E se eu não gostar?

— Você nunca vai saber se não tentar. Vamos lá, enxugue essas lágrimas. –Ele limpa minhas lágrimas com seus polegares– Eu te amo e te prometo que você vai gostar de lá.

— E a GineGeni?

— Vou conversar com os próximos moradores e direi que se tocarem nela, vou dar um golpe de karatê neles, "Ayáh" –Disse, imitando os gestos de um golpe.

Sorrimos e nos abraçamos.

— Você vai gostar de lá.

— Vou sentir falta daqui. –Murmurei.

Ele respira fundo.

— Eu também vou.

Ficamos um tempo abraçados.

— Vá arrumar suas malas. Partiremos amanhã de manhã.

— Já? Tão rápido...

— Sim, muito rápido. E tire essa roupa molhada e vá se secar, antes que fique doente. –Ele dá um beijo em minha testa.

Me levanto e saio, ainda muito triste.

É muita coincidência estar pensando bem do lugar e de como eu amo morar aqui, e do nada aparece uma notícia horrível de que vou me mudar? Tenho muito azar.

Pego minha toalha no banheiro e coloco sobre minhas costas. Vou até a janela e respiro fundo. Vejo GineGeni entrar no quarto. Ela ronca.

— Pois é, você viu que vou mudar de casa?

Ela ronca novamente.

— Tá tudo bem, ninguém vai comer você. Mas, vou sentir sua falta.

Minha mãe diz que ela não pode me entender, mas acho que palavras estão mais nos atos do que mas próprias palavras.

Abraço GineGeni.

— Espero que você fique bem… e eu também.

Adeus lagoa, adeus animais, adeus Dona Colina.

Um grande aperto no coração me assombra. Um mau pressentimento me assusta. Não saber como agir e nem o que fazer é estressante. A probabilidade de eu gostar é uma em um milhão. Vou sentir falta de tudo, espero um dia poder voltar para cá.

Vamos torcer para ser uma boa jornada e que tudo corra bem. Comigo, com minha família e com GineGeni.

Raesso

Oiê, hi, hola! ¿Como estan? Meu nome é Raíssa, e sou uma das novas escritoras do BueNovela. Me perdoem qualquer errinho na escrita, corrigirei tudo com muita calma. Beijinhos e boa leitura. <3

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