Não que Mikoto nunca tivesse visto um cadáver, pois como miko assistente do santuário de Iruka, acompanhara Megumi-sama em várias cerimônias fúnebres, mas nenhum dos mortos que ela ajudou a velar se encontrava num estado remotamente parecido com aquele. Ensanguentados, alguns desmembrados, mas todos com a mesma expressão de medo congelada em seus rostos.
-- Oh, céus – Yukio balbuciou e puxou Mikoto pelo ombro para junto de si – Não olhe, senhorita.
Ela não conseguia desviar o olhar do rosto do homem à sua frente, cujos olhos vazios encaravam-na de volta. O rapaz desviou a luz do celular e ligou para o navio.
-- O Santuário Vermelho foi atacado, todos aqui estão mortos – ele tentava falar, mas seu pânico dificultava a coerência das palavras.
Mikoto desviou-se do sacerdote morto e dirigiu-se à entrada do prédio, tinha a impressão de que não estava vazio. Apertou os olhos, sem enxergar nada além do breu em seu interior. Devia haver um interrupto
Ainda estava escuro quando Mikoto acordou, e ela estava de volta ao Genbu. Um pouco trêmula, ela foi para o convés, onde Takako e Sayuri conversavam com um grupo do que pareciam policiais e guardas do palácio.Mikoto esperou que terminassem para aparecer na frente das primas. Assim que a viu, Sayuri a puxou num abraço e Takako alisou seu cabelo, ambas igualmente aliviadas por vê-la de pé.-- Ficamos tão preocupadas quando recebemos aquela ligação.-- Que bom que você não se feriu.-- O que aconteceu? Só me lembro de Yasha quase me apunhalar – sua voz falhou ao pronunciar a última palavra, e ela recomeçou a tremer com a lembrança.-- Ela recuou, e os youkai fugiram com ela – Sayuri apressou-se em responder, e uma sombra caiu sobre seu rosto – Mas fizeram muito estrago.Mikoto pôs a mão sobre a boca aber
O balançar enjoativo do navio derrubou Mikoto assim que passou do rio para o mar. Felizmente, dessa vez ela teve com o que se concentrar: os dias que passara sem treinar com a naginata agora podiam ser compensados.Sayuri também ficou interessada e novamente tentou manejá-la, e acabou se desequilibrando e deixando a naginata cair várias vezes comicamente, para o deleite de Takako, que se dobrava de tanto rir a cada falha da prima.Conforme se aproximavam de Ao, no entanto, o clima tornou-se cada vez mais pesado. Sayuri não tentou mais usar a naginata e Takako mantinha o semblante sério quase o tempo inteiro, e as duas frequentemente conversavam aos sussurros. Mikoto se perguntava sobre o que elas falavam, e só tem sua resposta quando atracaram na capital.-- É melhor você vir comigo ver Ayahito – Sayuri disse ao desembarcarem. Mikoto olhou para Takako.-- E o que você vai fazer?
Novamente Takako conduziu a cerimônia, a expressão séria tão parecida com a de Megumi-sama, que Mikoto imaginou que a jovem com certeza seria como ela quando chegasse à sua idade.Primeiro, para purificar o ambiente maculado, ela executou uma longa oração, tocando o suzu e cantando com toda a vontade. Mikoto e Sayuri sentiram o efeito do encantamento, a sensação de uma corrente de água morna passando por dentro de seus corpos.Mal terminara e Takako recomeçou a dançar, a mesma que executara no Santuário Vermelho. Uma barreira amarela cristalina se formou ao redor da montanha e Mikoto espalhou ofuda com o kami de proteção no torii.Ao terminar, Takako caiu de joelhos, pálida como um fantasma, o rosto coberto de suor e todos os músculos tremendo, como se ela estivesse com frio. Sayuri pôs o braço direito da prima sobre seus ombros, e M
-- É um bombardeio! – Sayuri gritou. Aviões despejavam mísseis sobre os prédios do centro da cidade, que explodiam amarelo vivo antes de se desfazer como castelos de areia.Mikoto tirou o pijama e vestiu o quimono mais rápido que já se trocara na vida. Takako e Sayuri nem se deram ao trabalho de mudar de roupa, simplesmente saíram do quarto, e toda a equipe de segurança já se encontrava no corredor.-- Vamos sair daqui. Fiquem todos juntos! – Kurono gritou por cima das explosões.Aquele bairro aparentemente ainda não fora alvejado, mas dava para ver o brilho do fogo ao longe, e os estrondos que não paravam podiam ser ouvidos a quilômetros de distância, e o chão tremia como um terremoto.-- Por aqui! – Yukio apontava para uma rua para onde várias pessoas corriam.Kurono não parava de gritar para que ninguém se
O pior nem era o templo estar em chamas, mas o restante da cidade também, e naquela localização, os bombeiros nunca chegariam a tempo de salvá-lo.A naginata agora estava fora de seu alcance, mas não poderia ser mais inútil. Mikoto tirou um maço de ofuda do bolso que sempre trazia consigo desde Aka, e rezando para que o kami escrito por uma caneta esferográfica tivesse o mesmo efeito que o escrito por tinta e pincel, anotou uma palavra.Ela segurou o papel o mais alto que podia e disse:-- Chuva!Sua pérola brilhou azul. O céu continuou limpo, mas o vento esfriou, e Mikoto de repente sentiu-se cansada como se tivesse caminhado por quilômetros com pesos nos pés. Ainda assim manteve o braço erguido.-- Chuva!A pérola brilhou mais intensamente. Nuvens se reuniram acima da cidade, mas ainda não caíra uma gota de água, e agora os
A cor dos olhos do menino foi um choque para todos, e logo até Takako especulava sobre uma possível ligação entre ele e Mikoto. Mas não passava de especulação, pois não havia como provar nada. E ainda havia muito com o que se ocupar, como os enterros de todos os mortos. Os dois dias seguintes foram dedicados quase exclusivamente a isso.Na noite do terceiro dia, o Genbu chegou a Kuroi, e tanto o príncipe quanto os tripulantes não acreditaram na devastação que viam.-- Ouvir o que aconteceu pelo noticiário não é nada quando está diante de seus olhos – o rapaz comentou para Mikoto ao desembarcar – Não acredito que meu pai fez isso.-- Yasha fez isso – Sayuri corrigiu com a voz firme – O imperador está ciente dos atos dela.-- Vocês têm alguma informação sobre Ao? – Taka
Ninguém dormiu bem naquela noite, se é que conseguiram pegar no sono, e a manhã trouxe mais notícias ruins. Durante a invasão de Aka, o rei Ayahito tentou lutar quando soltados vermelhos chegaram ao palácio, e durante a batalha, foi gravemente ferido e entrou em coma.Ao ouvir isso, o rosto de Shin perdeu toda a cor, e ele precisou sentar para evitar um possível e iminente desmaio. A notícia terminou com um pronunciamento do representante de Aka, que dizia que a invasão não fora um ato de guerra, mas uma resposta ao ataque a Kuroi e uma forma de prevenir que o mesmo acontecesse ao país vermelho. O rei Sujin não desejava governar Ao, e pediu que o príncipe Sjin, onde quer que estivesse, retornasse para que pudessem resolver essa questão diplomaticamente.Kurono desligou a TV e o recinto caiu num silêncio que pesava nos ouvidos. Takako falou com suavidade para Shin:
Todos levantaram muito cedo na manhã seguinte, as primeiras luzes do amanhecer começavam a despontar no horizonte e uma fina neblina ocupava as ruas da cidade quando Takako e Sayuri lideraram o grupo para o alto do Santuário Azul, onde todos os sacerdotes já haviam sido reestabelecidos e aguardavam sua chegada.-- O que viemos fazer aqui tão cedo? – Mikoto esfregava os olhos, tonta de sono. A seu lado Haku também bocejava ruidosamente, mal conseguindo manter os olhos abertos.-- Um kami – Yukio respondeu. Ele parecia muito excitado apenas por olhar as duas primas conversarem com o sacerdote principal – É uma magia de alto nível, que serve para saber a localização exata de qualquer youkai num raio de quilômetros. Dependendo do poder da miko, pode ser de centenas de quilômetros.-- E por que não usaram antes?-- Porque é uma técnica de al