Mikoto nunca estivera num lugar remotamente parecido com aquele palácio, e o espanto estava mais do que claro em sua boca aberta e na forma como olhava para todos os lados com os olhos arregalados.
-- Talvez seja melhor você esperar aqui – Takako sugeriu ao cruzarem a entrada do prédio – Isso vai ser só uma discussão política.
Sayuri fez menção de protestar, então Mikoto se apressou em concordar.
-- Eu não saberia nem como me portar na frente do rei – ela deu de ombros e ficou na entrada, observando as duas e os dois guardas se distanciarem. Quando elas desapareceram atrás das portas duplas, Mikoto voltou-se para o jardim.
Ele fora o principal motivo para ela querer ficar. Era enorme, e tão cheio de flores e grama como Mikoto nunca vira. Havia tantas flores no mesmo lugar, os poucos jardins de Iruka eram sempre pequenos, com os mesmos tipos de pequenas flores, enquanto aquelas eram grandes e tão diferentes umas das outras.
Andar por entre os c
A noite trouxe o silêncio e a escuridão que Mikoto nunca vira em uma cidade grande, era bem mais assustador que as noites em Iruka, cujo silêncio era constantemente quebrado pelo rugir suave das ondas ou o vento ao longe. Apoiada na amurada do navio, com o queixo sobre a mão, a jovem cochilava para acordar sobressaltada logo em seguida. Já devia ser madrugada, e ela não era acostumada a ficar acordada até tão tarde. Em total contraste, Takako e Sayuri estavam completamente acordadas, no píer, atentas a qualquer movimento e ruído. Outros tripulantes, incluindo Yukio e Kurono, também procuravam, espalhados pelo porto e ruas, sem nenhum sinal de anormalidade. Mikoto reprimiu o décimo bocejo dos últimos cinco minutos e estava prestes a pedir para se retirar e dormir quando pensou ter visto algo no céu. Julgou ser uma ilusão de ótica causada pelo sono e pelo escuro, e esfregou os olhos, mas quando os abriu, ainda estava ali, e se elevava acima dos prédios.
O gato youkai rosnou e Yasha voltou o olhar para a porta também. A mobilidade de Mikoto voltou como que por mágica, e ela disparou a toda velocidade para a sala de espera, o hakama levantado de novo para ir mais rápido.Quase derrubou a porta e matou Takako e Sayuri de susto ao chegar, e ainda ofegante, só conseguiu resumir o que vira. As duas miko ficaram boquiabertas, a mais velha precisou de um minuto para articular:-- Ela invocou um youkai?-- Igual a como nós conjuramos os kami nos papéis de ofuda.-- Vamos falar com o rei Sujin agora, e pegamos essa mulher de uma vez. Chego a pensar se ela mesma não é um youkai disfarçado – Sayuri foi na frente.As três encontraram a salas de reunião vazia exceto pelo rei Sujin e dois conselheiros, com quem debatia fervorosamente, mas todos se calaram com a entrada abrupta das meninas.-- Perdoe nossa intromissão,
Não que Mikoto nunca tivesse visto um cadáver, pois como miko assistente do santuário de Iruka, acompanhara Megumi-sama em várias cerimônias fúnebres, mas nenhum dos mortos que ela ajudou a velar se encontrava num estado remotamente parecido com aquele. Ensanguentados, alguns desmembrados, mas todos com a mesma expressão de medo congelada em seus rostos. -- Oh, céus – Yukio balbuciou e puxou Mikoto pelo ombro para junto de si – Não olhe, senhorita. Ela não conseguia desviar o olhar do rosto do homem à sua frente, cujos olhos vazios encaravam-na de volta. O rapaz desviou a luz do celular e ligou para o navio. -- O Santuário Vermelho foi atacado, todos aqui estão mortos – ele tentava falar, mas seu pânico dificultava a coerência das palavras. Mikoto desviou-se do sacerdote morto e dirigiu-se à entrada do prédio, tinha a impressão de que não estava vazio. Apertou os olhos, sem enxergar nada além do breu em seu interior. Devia haver um interrupto
Ainda estava escuro quando Mikoto acordou, e ela estava de volta ao Genbu. Um pouco trêmula, ela foi para o convés, onde Takako e Sayuri conversavam com um grupo do que pareciam policiais e guardas do palácio.Mikoto esperou que terminassem para aparecer na frente das primas. Assim que a viu, Sayuri a puxou num abraço e Takako alisou seu cabelo, ambas igualmente aliviadas por vê-la de pé.-- Ficamos tão preocupadas quando recebemos aquela ligação.-- Que bom que você não se feriu.-- O que aconteceu? Só me lembro de Yasha quase me apunhalar – sua voz falhou ao pronunciar a última palavra, e ela recomeçou a tremer com a lembrança.-- Ela recuou, e os youkai fugiram com ela – Sayuri apressou-se em responder, e uma sombra caiu sobre seu rosto – Mas fizeram muito estrago.Mikoto pôs a mão sobre a boca aber
O balançar enjoativo do navio derrubou Mikoto assim que passou do rio para o mar. Felizmente, dessa vez ela teve com o que se concentrar: os dias que passara sem treinar com a naginata agora podiam ser compensados.Sayuri também ficou interessada e novamente tentou manejá-la, e acabou se desequilibrando e deixando a naginata cair várias vezes comicamente, para o deleite de Takako, que se dobrava de tanto rir a cada falha da prima.Conforme se aproximavam de Ao, no entanto, o clima tornou-se cada vez mais pesado. Sayuri não tentou mais usar a naginata e Takako mantinha o semblante sério quase o tempo inteiro, e as duas frequentemente conversavam aos sussurros. Mikoto se perguntava sobre o que elas falavam, e só tem sua resposta quando atracaram na capital.-- É melhor você vir comigo ver Ayahito – Sayuri disse ao desembarcarem. Mikoto olhou para Takako.-- E o que você vai fazer?
Novamente Takako conduziu a cerimônia, a expressão séria tão parecida com a de Megumi-sama, que Mikoto imaginou que a jovem com certeza seria como ela quando chegasse à sua idade.Primeiro, para purificar o ambiente maculado, ela executou uma longa oração, tocando o suzu e cantando com toda a vontade. Mikoto e Sayuri sentiram o efeito do encantamento, a sensação de uma corrente de água morna passando por dentro de seus corpos.Mal terminara e Takako recomeçou a dançar, a mesma que executara no Santuário Vermelho. Uma barreira amarela cristalina se formou ao redor da montanha e Mikoto espalhou ofuda com o kami de proteção no torii.Ao terminar, Takako caiu de joelhos, pálida como um fantasma, o rosto coberto de suor e todos os músculos tremendo, como se ela estivesse com frio. Sayuri pôs o braço direito da prima sobre seus ombros, e M
-- É um bombardeio! – Sayuri gritou. Aviões despejavam mísseis sobre os prédios do centro da cidade, que explodiam amarelo vivo antes de se desfazer como castelos de areia.Mikoto tirou o pijama e vestiu o quimono mais rápido que já se trocara na vida. Takako e Sayuri nem se deram ao trabalho de mudar de roupa, simplesmente saíram do quarto, e toda a equipe de segurança já se encontrava no corredor.-- Vamos sair daqui. Fiquem todos juntos! – Kurono gritou por cima das explosões.Aquele bairro aparentemente ainda não fora alvejado, mas dava para ver o brilho do fogo ao longe, e os estrondos que não paravam podiam ser ouvidos a quilômetros de distância, e o chão tremia como um terremoto.-- Por aqui! – Yukio apontava para uma rua para onde várias pessoas corriam.Kurono não parava de gritar para que ninguém se
O pior nem era o templo estar em chamas, mas o restante da cidade também, e naquela localização, os bombeiros nunca chegariam a tempo de salvá-lo.A naginata agora estava fora de seu alcance, mas não poderia ser mais inútil. Mikoto tirou um maço de ofuda do bolso que sempre trazia consigo desde Aka, e rezando para que o kami escrito por uma caneta esferográfica tivesse o mesmo efeito que o escrito por tinta e pincel, anotou uma palavra.Ela segurou o papel o mais alto que podia e disse:-- Chuva!Sua pérola brilhou azul. O céu continuou limpo, mas o vento esfriou, e Mikoto de repente sentiu-se cansada como se tivesse caminhado por quilômetros com pesos nos pés. Ainda assim manteve o braço erguido.-- Chuva!A pérola brilhou mais intensamente. Nuvens se reuniram acima da cidade, mas ainda não caíra uma gota de água, e agora os