Quando a caixa de Helan foi aberta, a aprendiz chorava desesperadamente, temendo pelo que aconteceria e foi rapidamente repreendida:
— Fique quieta! Vim ajudar vocês! — falou uma voz jovem.
Helan não conseguia ver muita coisa, apenas grandes olhos verdes. Dois bracinhos frágeis desamarraram o pano que impedia a menina de dizer qualquer coisa.
— Não sei como agradecer… — balbuciou ela. — Mas… por quê?
— Eu vi que você é uma maga. — respondeu a voz jovem enquanto cortava com uma pequena adaga a corda que prendia os braços de Helan. — Vi pelo seu nome e, também, tenho um assim, mas não tive a chance de treinar as habilidades mágicas. Não me pergunte mais nada, apenas siga-me.
O dono da voz jovem ajudou Helan a sair da caixa e, sob a luz do luar, teve sua face revelada. Era um jovem de no máximo quinze anos, magro, lábios finos, nariz longo, olhos verdes e cabelo negros como a noite. Helan não sabia definir se esta era mesmo a cor dos cabelos do jovem ou se era efeito da escuridão da noite.
O local onde Helan estava era uma pequena sala, cheia de caixas de madeira e apenas um janelinha circular no alto de uma parede.
O jovem abriu as outras caixas onde Artemísio e Toreg estavam e apontou uma outra caixa:
— Os equipamentos de vocês estão ali. Vão pegando enquanto vejo se está tudo certo do lado de fora — disse abrindo a porta de ferro da sala e saindo logo após.
— Você confia nele? — perguntou Toreg à Helan, enquanto abria a caixa.
A caixa abriu com um solavanco baixo.
— Ele nos libertou: é o bastante para confiar, não acha? — replicou Helan, pegando seu bracelete de bronze entre a palha da caixa.
— Ainda não acredito como isto foi acontecer conosco. Você, mágica, deveria ser nossa alerta! Você estava com este brinquedinho aí que avisava dos perigos — reclamou Toreg.
Helan nem se deu ao trabalho de responder, apenas fitou Toreg com um olhar fulminante. O menino entrou no cômodo novamente, dando um susto em Toreg e Artemísio, que já empunhavam suas armas pensando se tratar de um dos ladrões.
— Venham! — chamou o garoto. — Todos estão dormindo agora.
O menino conduziu os três para fora da sala. Andavam agora por um corredor frio e iluminado apenas por dois archotes. No corredor tinham várias portas, provavelmente trancadas e, no final, via-se um grande pátio mal iluminado.
— Passem pelo corredor. — instruiu o garoto. — Quando chegarem no final do pátio, pulem. Não olhem para trás, apenas nadem o mais rápido possível antes que qualquer um perceba a fuga de vocês. Se Labarente ver que vocês fugiram, ele vai atrás de vocês. Agora vão!
Helan e Artemísio consentiram e os três enviados da Ordem dos Sábios começaram a andar pelo corredor.
— Espere! — exclamou Helan em tom baixo. — Seu nome! Seremos eternamente gratos a você!
— Sebastian! — respondeu o menino andando para o outro lado do corredor.
Helan compreendeu, só então ligou as pontas do raciocínio. O menino poderia ser um mago no futuro, só não havia sido treinado como já dissera. Seu nome terminava em “an”. Seria aquilo mera coincidência?
Os três, em agonia constante, não sabendo se aquela tentativa de fuga teria sucesso, foram andando sem provocar qualquer barulho que perturbasse o silêncio do barco, que logo puderam perceber se tratar de um barco a vapor, com duas grandes rodas de água (um conjunto de pás), uma em cada lado do barco.
Ao chegarem no pátio, perceberam que se tratava da popa do barco, a parte traseira do barco. O céu estrelado acima de suas cabeças fez Helan logo olhar para a lua, que estava com uma coloração alaranjada. Logo que perceberam que estavam a um passo fora do barco, correram como se suas vidas dependessem daquilo, pulando por cima da borda da popa e se atirando na água.
A sensação de liberdade era imensa. A água estava fria.
— Nadem para a margem! — disse Artemísio em tom baixo.
— Estou afundando! — berrou Toreg, um pouco mais afastado de Artemísio.
A clava de Toreg era pesada e o fazia afundar. Artemísio também estava com itens pesados, mas era leve e ágil, por isto conseguia se manter na superfície. Helan olhou na direção do barco, que já tinha feito a curva no rio e então pronunciou, apontando para Toreg:
— Acalahara!
O bárbaro foi levantado no ar e jogado para fora do rio.
Artemísio e Helan nadaram para a margem onde Toreg havia caído e começaram a se secar.
— Não mereço nem um agradecimento? — indagou Helan para Toreg.
— Está aqui para isto, não é mesmo? O arqueiro faz a comida, você faz suas mágicas e eu bato nos inimigos — replicou Toreg, rindo.
— Até parece — disse Helan.
♦
A névoa mística seguia Samian pela noite: esta era a impressão de Danian.
— Senhora… — falou o homem, estendendo sua mão para ajudá-la a subir à bordo do barco.
— Obrigada, Franco. — Samian agradeceu ao capitão.
Danian entrou no grande veleiro logo após. A lua em coloração alaranjada dava um contraste perfeito e maravilhoso no barco. O navio era um veleiro galera, de nome Estandarte. Belo e majestoso, negro com as velas em um tom de marrom escuro. Os mastros altos e imponentes lançavam à Danian a sensação de estar no maior dos navios. O capitão era um pouco acima do peso, mas galante e com um olhar penetrante. Tinha cabelos ondulados que vinham até um pouco acima do ombro.
— Franco, este é Danian, um querido amigo e meu ex-aprendiz. — apresentou Samian. — Danian, este é o Capitão Franco, mestre deste maravilhoso navio Estandarte. Ele nos levará a Ruybar, como eu te disse.
— É um prazer, Danian — falou Franco, apertando a mão do mago.
— O prazer é todo meu — retribuiu Danian.
— E então, preparados para viajarem nesta belezinha aqui? — perguntou Franco, sorrindo.
♦
Cinco dias haviam se passado desde que o Estandarte zarpara de Cassaraí. O navio era um navio mercante, levava em seus porões alimentos para Ruybar: cidade ao norte de Thalian. Por ser um dos poucos que ainda faziam comércio com Nascar, Franco não encontrava muitos problemas com Rarion. Sempre tinha seu navio cheio de suprimentos ou equipamentos para navegar no Oceano de Amis. Levava suas mercadorias de Akma à Nascar e vice-versa.
Danian usufruia da comida e conforto dos aposentos do capitão Franco, que tinha grande consideração por Samian e a tratava como uma rainha, assim como tratava seus convidados como reis.
— Que especiaria é esta? Nunca provei nada como isto. — comentou Danian, saboreando seu prato.
— Acredito que seja manjar akmaniano — julgou Samian.
— Não acredito, Samian! Não sabia que erraria o nome do prato servido tantas vezes nos salões do rei Damis. Faisão acompanhado de manjar akmaniano, é claro — disse Franco, rindo. — Como tem a coragem de errar o nome do prato típico de Akma?
— Típico apenas para o rei — argumentou Samian. — Faisão e manjar akmaniano são uma especiaria à parte. Impressiono-me com sua capacidade de conseguir um prato como este.
— Ah, minha cara, um homem com a coragem de fazer o que faço sempre tem os seus privilégios.
O cômodo era altamente decorado em estilo muito refinado. As paredes de madeira, o lustre no centro do teto, as lamparinas nas paredes, a mesa no centro da sala e as grandes janelas davam um excelente ar romântico caso duas pessoas desejassem comer ali. Danian olhou pela janela do cômodo, que se localizava na popa. O céu estava com algumas nuvens, já anoitecia.
— Sabe como conheci esta encantadora e sábia mulher? — perguntou Franco à Danian.
— Gostaria muito de saber. Provavelmente é uma história bem interessante — respondeu o mago.
— Interessante nada! — disse a Segunda Sábia. — Eu viajava para Akma e meu navio foi atingido pelos primeiros barcos de guerra que Rarion mandou para iniciar uma ofensiva contra Akma. Franco me resgatou e pronto, acabou. Nada interessante.
— Ah! Então ele foi o homem que salvou você daquele ataque que você me contou muitos anos atrás! — falou Danian.
— Não, eu fui o herói que salvou a sua mestra. Acredita que ela não queria subir à bordo?
— Claro que não queria! Você ia para a Ukrania! Perdi um mês em Nassíria por sua causa! — falou Samian, indignada.
— Pela coroa de Damis! Você acha que outros iam lhe encontrar? Você teve foi sorte pelo fato de eu ter lhe encontrado. — contestou Franco, rindo.
— Claro que iriam me encontrar! Você me encontrou quando eu comecei a lançar fogos mágicos no céu! Outros poderiam encontrar também! — falou Samian, rindo também. — Bom, eu era mais jovem e não muito sábia. Mas é melhor acabar com este assunto. Eu vou dormir, já está muito tarde.
A maga se levantou e saiu da sala.
— Ela adora que eu fale nisto. Ela só estava fazendo charminho. — disse Franco, terminando sua refeição.
Logo depois, os dois saíram do aposento.
♦
Uma voz no vento fez a Segunda Sábia acordar de seu leito, algumas horas após o jantar.
— Rarion!! — exclamou ao acordar.
A maga levantou-se da cama macia. A cabine em que se encontrava era muito limpa, clara, arrumada e iluminada. Samian nem observou o cômodo direito no momento: saiu rapidamente pela porta de madeira, seguindo pelo corredor iluminado por lamparinas e abriu a porta que dava para o convés principal do veleiro.
As ondas que começavam a se formar eram gigantescas. O vento soprava cortante. Os raios no céu eram estrondosos. A chuva caía incessante. Os marinheiros do Estandarte começaram a lutar bravamente para manter o veleiro ainda em curso.
Danian também veio pelo corredor e, ao se aproximar de sua mestra, exclamou espantado:
— Esta mudança ocorreu tão… repentinamente! O navio pode virar!
— Não se intrometa — falou a Segunda Sábia pondo o braço na frente de Danian.
— Voltem para dentro de suas cabines! — bradou o capitão Franco, vindo andando pelo convés. — Agora! É uma ordem! Voltem imediatamente para dentro!
O navio balançou para o lado fazendo muitos se desequilibrarem.
— Volte para dentro, Danian — ordenou Samian, decidida.
— O que você vai fazer? — inquiriu o mago.
— Eu vou lidar com Rarion. — Declarou a maga, andando para o centro do convés sem dizer mais nada.
Danian foi atrás de Samian, colocando o braço acima da cabeça para proteger-se da chuva e combatendo o vento que o jogava para trás.
— Está louca? — berrou Danian. — Saia daí!
— Não! — repetiu ela, no momento em que um trovão ressoou profundo. — A voz de Rarion não penetra na minha presença! Franco, não me impeça: eu sei o que faço!
O capitão apenas concordou e saiu gritando enfurecido para a tripulação:
— Marujos, baixar as velas! Timoneiro, vire o barco com a proa para o vento! Mexam estas bundas moles, seus maricas!
Danian já havia entendido o que se passava e se colocou na frente da porta para observar o que acontecia. Aquela mudança não era natural. Era mágica. E pior: era uma mudança vinda da magia negra de Rarion.
Samian fechou seu punho e seus olhos. Ao redor de seu pé, camadas brancas brilhantes parecidas com teias de aranhas foram surgindo: a maga estava se prendendo ao chão do convés para não cair. Ali ela estava muito exposta. Facilmente os encantos que faria poderiam ser interrompidos se ela se desequilibrasse.
A voz aumentava cada vez mais para Samian, mas em um nível que nem todos poderiam perceber: apenas magos ou seres dotados de audição elevadas escutariam o som dos feitiços que Rarion lançava. Ele encontrara Samian, disto ela tinha certeza. Ele agora tentava de seu covil sombrio provocar uma tempestade naquela região para afundar o navio Estandarte e matar todos.
A Segunda Sábia levantou seus braços e suas mãos emitiram uma aura forte e brilhante. O vento fazia suas ventes esvoaçarem velozmente. O véu de Samian saiu de sua cabeça e voou junto ao vento. Os cabelos brancos de Samian, mesmo molhados, rodopiavam para todas as direções, descontrolados.
— Não chegará o dia onde o seu poder, Rarion, alcance os meus domínios; pois o mar de Akma me pertence, todo o ar e água aqui presente estão sob o meu comando; não tente me violar, mago negro; enconda-se em suas sombras! — esbravejou Samian.
Um raio saiu de suas mãos e serpenteou até o céu. Fagulhas brancas e brilhantes caíram no convés.
— Voltai para si mesmo! Olhai para seus próprios domínios; aqui vós não tereis vitória! — continuou ela, quando um outro raio saiu de suas mãos e serpenteou para o céu, contudo foi atingido por outro raio que vinha das núvens na direção de Samian.
Danian ficou abismado. Ele sabia que aquele outro raio era um contra-ataque de Rarion. Mas sua cabeça estava confusa demais para entender o que ele falava, portanto fechou seus olhos e concentrou-se na ventania.
— Mantenham o barco navegando! — berrava Franco para os marinheiros. Ele confiava em Samian. Sabia que ela poderia ajudar e que estava se encarregando da tarefa de acabar com a tempestade, logo, a sua tripulação deveria se encarregar de manter o barco em seu curso.
Mesmo quilômetros distante, Rarion teve sua voz escutada por Danian. O mago ouviu as terríveis palavras que o mago negro proferia de Nascar. Eram palavras repetidas várias vezes, como um mantra mágico. “Vento, leve a escuridão; Raios, tragam explosão; Chuva, caia forte e destrutiva como o fogo queima a carne; Trevas, lance-se sobre o que lhe ordeno” falava ele e Danian conseguiu ouvir perfeitamente.
Ao abrir os olhos novamente, concentrou-se para observar as energias que perambulavam pelo navio e pelos céus: Primeiro viu o vermelho, que indicava a intensidade, a perturbação das energias, em todo o local. Depois observou que o vermelho perto de Samian tornava-se branco e os raios que vinham das nuvens para atingir a maga eram negros. Piscou então para ver a situação em suas cores reais, não com as cores das energias.
De um lado, os marinheiros lutavam contra a tormenta do mar, tentando manter o navio ainda em curso e Samian lutava para acabar com a tempestade. Do outro lado, Rarion, de seu castelo em Nascar, causava aquela situação. Sua voz propagava-se na área, seus feitiços tinham o céu e o mar sob controle. A Segunda Sábia lutava contra ele, tentava cessar a tempestade.
— Aethracaelum! — pronunciou ela. Era sua palavra, do tempo em que era aprendiz, usada agora apenas em situações onde fosse preciso lidar com mais magia.
Samian juntou suas mãos e levantou-as. Uma onda de energia passou por todo o local, fazendo as ondas se acalmarem e baixarem de tamanho. Logo após, Samian apontou para o céu e a chuva parou, assim como as nuvens se dissiparam no mesmo instante, mostrando o céu estrelado. As camadas de teias mágicas que prendiam Samian ao convés se dissiparam e a Segunda Sábia caiu de lado fatigada.
Danian correu ao encontro de sua mestra, que estava enfraquecida e quase desmaiando.
— Samian! Minha mestra! Venha comigo, faça só mais um pouco de força! Venha para dentro descansar! — suplicou ele.
— Da… Danian, não… não se preocupe. Rarion não vai conseguir nos perturbar mais…
Danian, com a ajuda de Franco, levou a maga desmaiada para sua cabine.
♦
O frio dentro da câmara era maior do que do lado de fora, nas Montanhas. Não foi sempre assim. Houve um tempo onde os altos salões do Palácio das Montanhas viviam cheios, iluminados e quentes: uma proteção contra o frio intenso do inverno rigoroso que tomava as Montanhas Albinas o ano inteiro, praticamente.
Mas a situação mudara muito. O pacto entre os animais brancos das Montanhas e os homens se quebrara, mas não pela Ordem dos Sábios, que havia proposto o pacto como forma de manter a paz, e sim por Rarion.
Quando o Reino dos Animais Brancos começou a ser anexado por Nascar, foi a Ordem dos Sábios que correra para formar um pacto de não agressão, um acordo de territórios, uma aliança política, um tratado entre os animais brancos e os homens. O reino dos animais albinos se transformou numa região de Nascar, porém sob total controle dos animais brancos.
Séculos e séculos mais tarde, quando Rarion passou a sentar-se no trono do rei de Nascar, ele enviou suas tropas para a retomada das Montanhas Albinas. Segundo seus documentos, alegando que os animais que residiam nas Montanhas haviam tomado a região, o local estava à beira de uma independência. E estava mesmo. Diante de um golpe em Nascar, da morte da família real inteira e, praticamente, de toda a nobreza, os animais brancos não queriam colaborar com aquele homem que usurpara trono, portanto, mesmo com a bandeira de Nascar ainda vigorando, os animais brancos declaravam então a sua independência não oficial do reino de Nascar. Rarion levou, então, batalhões e esquadrões de Sax para as Montanhas Albinas e retomara o controle delas e dos animais brancos.
A Ordem dos Sábios não recebera nenhuma outra informação: as Montanhas Albinas silenciaram-se para os magos e pareciam estar sob o controle de Rarion. A situação, portanto, não indicava nada. As Montanhas Albinas entraram em quatorze anos (Rarion tomou as Montanhas um ano após sua ascensão ao trono) de total mistério.
Não para Ulien, que aguardava sem expressão a volta da leoparda. O lince estava parado, com os olhos focados no fundo da câmara, mas nada conseguia ouvir além de murmúrios entre a deslumbrante leoparda branca e a figura sombreada sentada na cadeira alta de ferro nobre: a única coisa aparente na câmara que não era de gelo ou de pedra. Por mais que Ulien apertasse seus olhos verdes para centralizar na figura, ele não conseguia visualizá-la. Era noite e a iluminação do recinto era fraca, sendo que nenhuma tocha ali iluminava bem a figura.
A leoparda mantinha a pata na frente da boca quando falava com a figura, para evitar que Ulien soubesse, através de seus rápidos e habilidosos olhos, o que eles estavam falando.
A leoparda se aquiesceu então. Uma ventania cheia de cristais de neve penetrou na câmara através do portal aberto. A figura afundou ainda mais nas peles em que estava envolta. Quando o vento parou e as tochas nas paredes queimaram mais intensamente, a figura se pronunciou para Ulien com sua voz áspera, rouca e fraca, mas que ressou pela câmara:
— Siga-os. Deixe que caminhem um pouco mais e, quando se aproximarem, capture-os.
— Como? Eles têm armas — afirmou Ulien.
— Não interessa. Eu os quero aqui, vivos! — falou, passando a língua nos dentes e imaginando o que aconteceria quando os visitantes chegassem.
♦
Helan, Toreg e Artemísio andavam por um bosque no pé das Montanhas Albinas. Haviam se passado sete dias desde que haviam escapado do barco onde estavam sendo transportados como prisioneiros. Como não tinham cavalos, estava muito mais difícil para eles andarem na neve que já se formava.
As árvores não eram muito altas, mas eram bastante largas. A neve no chão e nas copas das árvores era belíssima, um cenário lindo para os olhos de Helan, que nunca tinha chegado nem perto das Montanhas Albinas.
— Vamos descansar — sugeriu Helan. — Não sabemos quando encontraremos um local abrigado novamente.
— Sim, você está certa. — Aceitou Artemísio. — Toreg, vamos montar acampamento logo ali, abaixo daquela árvore alta. Ela nos dará proteção em caso de uma tempestade qualquer.
Após montarem a fogueira e os sacos de dormir, os três conversavam ao redor da fogueira. Já tinham se alimentado antes, portanto estavam apenas conversando para se aquecerem.
— Danian explicou-me quando fazíamos pesquisas sobre o cajado de redramon. — respondeu Helan, referindo-se à pergunta de Toreg sobre o Cajado Negro. — Dos ogros, passou para os Sax como maior de seus tesouros. Rarion só unificou os Sax e tornou-se líder deles para ter direito ao Cajado Negro. Foi assim que ele o conseguiu.
— Além de ter um exército considerável a seu favor. — complementou Artemísio. — Agora vai ser uma jornada difícil, principalmente para vocês dois. — Declarou o arqueiro, mudando de assunto.
— Por quê? — interrogou Helan.
— Andar contra o vento das Montanhas é difícil, quase impossível para quem não conseguir caminhar acima da neve espessa. O frio, também, não ajuda: você fica sem forças para continuar. As Montanhas Albinas são duras para quem não as conhece bem.
— Eu não tenho este problema — afirmou Toreg. — Eu já andei pelos pântanos de Istaredes, pelos desertos da Ukrania, pela selva ao sul de Nascar. Já atravessei mares imersos em furacões e tempestades. Um gelinho de nada não vai me impedir. Temos de estar preparados para tudo.
— Mas isto não é tudo — disse a aprendiz. — Ainda tem os animais brancos.
— Nós temos um pacto com eles — informou Artemísio.
— Sim, espero que este pacto ainda esteja de pé. Os animais das montanhas, praticamente, se isolaram e não temos notícias deles. Morcian nunca nos levou até as montanhas — disse o bárbaro.
— Ah, sempre esqueço que você era capitão da guarda pessoal de Morcian. — Comentou Helan. — Acho que o melhor a se fazer é procurar a líder dos animais brancos.
— É muito arriscado. O chefe deles deve estar na mais alta montanha. Isto nos tiraria da rota — disse Artemísio.
— O líder dos animais brancos pode nos ajudar a passar pelas Montanhas Albinas. E se conseguirmos seu apoio, teremos mais aliados contra Rarion.
— Mas quem disse que eles já não estão com Rarion? Desde que o mago negro penetrou com suas forças aqui, isto se tornou um mistério. Nem sabemos se ainda existe um animal branco — falou Toreg.
— Claro que existem — falou uma voz vinda de cima da grande árvore.
Toreg colocou a mão em sua clava, Artemísio puxou seu arco e flecha e Helan já se levantara e dizia:
— Acalahara!
Um galho se quebrou e, da grande árvore, caiu um felino. Era um lince branco, com pelagem grande e pelos nas orelhas (de nome “pincéis”) bem longos. O lince não caiu deitado: caíra de patas, característica típica de um felino.
— Vou começar a levar para o lado pessoal — falou o lince.
— Quem é você? — perguntou Helan.
— Desculpem este lince aqui, mas não pude deixar de ouvir vocês conversando. Sabia que vocês espantaram muitos coelhos-da-neve?
Toreg foi correndo ao encontro dele, mas ele rapidamente deu um pulo para o lado, perto de uma árvore e mostrou seus dentes afiados, mostrando que, também, era um predador. Artemísio, habilidosamente, disparou uma flecha que acertou a árvore ao lado do lince.
— Errou — falou o animal.
— Ele não quis te acertar — disse Helan. — Aca…
— Pare, eu posso ajudá-los! — falou o animal, tentando acalmar a aprendiz.
— Ajudar em quê? — perguntou Helan.
— Posso levá-los a nosso líder, chefe dos animais brancos — disse me voz mais calma.
— Prossiga. — Ordenou Artemísio.
— Eu conheço um caminho rápido para o Palácio das Montanhas. Posso levá-los até lá, para isto vim falar com vocês. Há muito tempo não recebemos visitas de estranhos. Vocês não são enviados de Rarion, são? Acho que não, mas se forem eu vou embora imediatamente. Não quero saber de nada daquele mago das trevas! — exclamou ele, conturbado.
— Não, não estamos à serviço de Rarion — declarou a aprendiz. — Continue, ande! Por que estava prestando atenção em nossa conversa?
O lince mexeu suas orelhas e caminhou para o lado falando com sua voz amiga:— Eu? Estava apenas a procura de alguns coelhos. Não seria você quem deveria me responder o que faz aqui? Estes são territórios dos animais brancos.
— O caminho, fale dele. — Mandou Toreg, mudando de assunto.
— É muito difícil vocês irem pelo caminho sem eu estar por perto. E muito mais difícil ficarem na presença de Corbinus, nosso líder, sem a minha ajuda. O Grande Cervo está enfurecido com vocês, homens, que quebraram o acordo que fizeram há muito tempo. Corbinus não receberá vocês em seu Palácio sem que eu ajude vocês. Aos olhos do Grande Cervo Corbinus, vocês podem muito bem serem enviados de Rarion — falou o lince e, vendo a insatisfação de Toreg, continuou:
— “O caminho é sinuoso, facilmente pode-se ficar perdido. Num ambiente onde tudo é branco e gelado, vocês irão se perder.”
— Mas por que encontrar o seu líder? Se seguirmos pelos pés das montanhas, também, chegaremos até o estreito entre as Montanhas Ígneas e as Albinas — concluiu Artemísio. — É muito mais vantajoso desta maneira.
— Vocês nem estão nos pés das Montanhas e já me encontraram, não é mesmo? Existem muitos outros animais brancos e nem todos serão como eu, mas fui eu quem ouvi vocês falando que precisam de aliados contra Rarion. Sei que não estão do lado daquele mago e posso ir com vocês, ajudá-los — ofereceu o lince. — Além do mais, se tentarem seguir sem ajuda, vão acabar morrendo.
Os três se olharam, e Artemísio disse:
— Por mim, não tem problema.
Helan olhou Toreg, que tentava murmurar para a aprendiz que não poderíam confiar em qualquer um, mas acabou dizendo:
— Se vocês querem encontrar o grande galhudo sei lá o que, então, vamos logo. Mas só partiremos amanhã, aqui perto da fogueira está bem quentinho e não passarei a noite andando! E não dividirei nenhum saco de dormir com um gato peludo!
— Pode deixar, homem guerreiro, que eu me arranjo por aqui, sei me virar. A propósito, chamo-me Ulien e sou um lince branco, não um gato.
Capítulo 6 — Perante Autoridades Ruybar, a cidade portuária ao norte de Thalian, era uma das maiores cidades portuárias de Nascar. Hasflot contava com o grande mercado, ponto de encontro de muitos, e contava também com o porto, enquanto Ruybar funcionava exclusivamente para o porto. Era através dele que mercadorias de Akma chegavam e partiam (assim como as mercadorias de Ukrania, antes de Rarion chegar ao poder). Ruybar também contava com a UAPA (Universidade Alquímica Paul Atzgerald), construída pelo próprio Conde Atzgerald, que era a excelência em matérias de alquimia, poções, ervas, navegação e conhecimentos astrológicos e formara muitos homens sábios e ponderados.A UAPA deu à Ruybar uma nova visão: Ruybar não era mais somente a cidade merca
Capítulo 7 — O Servo Leal e seus Vermes Carnívoros Gormath era extremamente velho. Era careca no alto da cabeça, mas, na região da nuca, longos fios brancos caíam por cima das grandes peles grossas e pesadas que ele vestia. Sua pele era enrugada e caída, seus olhos eram claros e vazios. Podia se ver pela sua mão, que não estava debaixo de nenhuma pele, que Gormath era extremamente ossudo, sem carne. Era esquelético. A primeira impressão que causou em Helan, Toreg e Artemísio foi que ele era um cadáver. Mas na verdade era muito pior. Posicionados em cada canto da sala havia um animal branco (um babuíno, um antílope, um leão e uma hiena). Perto de uma das janelas próximas ao teto, havia uma
Capítulo 8 — O Resgate do ReitorA refeição no Palácio das Montanhas estava adiantada devido à pressa de Helan, Toreg e Artemísio. Eram cerca de dez horas da manhã e uma grande mesa fora posta na câmara, que ia desde a porta de pedra até o trono de ferro. A mesa estava ali por mera formalidade, pois apenas os três aventureiros estavam sentados ali. O restante dos animais servia-se das comidas e bebidas da mesa, mas se espalhavam pelo salão, comendo deitados, sem talheres ou até diretamente com a boca. Eles eram animais, apesar de tudo.— Então pretendem mesmo fundar um reino independente? — perguntou Helan para Corbinus, que estava deitado no chão com vários curativos em sua perna.— Sim, vamos reerguer o antigo Reino dos Animais Brancos. Já houve uma época onde os animais brancos foram respeitados e tinham
Capítulo 9 — A Invocação— Eles estão mais rápidos do que eu pensava — concluiu Rarion, com raiva. — Descobri a localização deles. Tenho de agir.No mesmo aposento com pilhas de livros e pergaminhos, o mago negro estava observando o orbe verde de seu cajado negro.— Concordo, Rarion. Mas em que consistiria esta sua ação? — perguntou Morcian, do outro lado da sala, mexendo em seu próprio cabelo negro com uma das mãos enquanto mantinha a outra atrás das costas.— Matá-los — respondeu Rarion com vigor. — Matá-los de uma vez por todas, acabar com meu problema, Morcian! Assim, estaremos livres para nós mesmos procurarmos o tal cajado.— Tenho que discordar disto. Não acho sábio matar meu capitão da guarda.— Você sabia disto quando o en
Capítulo 10 —TraiçãoDois dias após a avalanche que quase matara Toreg, Helan e Artemísio e que infelizmente matara alguns animais brancos, o grupo chegava no limite das Montanhas Albinas. Alaya andava com mais cautela, temendo se deparar com soldados Sax. A escolta chegava ao fim, pois a neve das Montanhas Albinas já não ocupava o ambiente. Eles estavam bem no limite das Montanhas Albinas. Quando os animais brancos chegaram às planícies, pararam.— De agora em diante, vocês estão por sua conta e risco — disse a leoparda. — Nós agradecemos tudo o que vocês fizeram, mas agora deixamos vocês. Nossa escolta está terminada, senhores heróis. Encontrarão uma floresta em seu caminho, a Floresta de Ashnor, onde conseguirão abrigo.— Não quer prosseguir conosco? — perguntou Helan.&mda
Capítulo 11 — A Velha e a Viscondessa— Como você deixou isto acontecer? — inquiriu a líder das Brisas.— Verona, não fale desta maneira comigo! — ordenou Aubrey, a ruiva. — Como poderia eu saber que tinham eles uma Luz de Athla?As Brisas discutiam fervorosamente por entre as nuvens. A chuva molhava todas. Seus cabelos estavam ensopados assim como suas roupas. Quando cada uma se pronunciava, um raio cortava o céu.— Se tivesse você sido mais rápida, teria conseguido matar os dois homens. Estariam dois eliminados se não estivesse brincando de seduzi-los! — esbravejou Morga.— Tente você fazer melhor do que fiz! — replicou a ruiva. — Mas prepare-se: possuem eles armas de Atlântida. Não só a Luz, nossa maior fraqueza, como um escudo resistente forjado naquela ilha maldita. E aquela garota...
Capítulo 12 — Ashnor e a Cidadela Na calada da noite, Toreg, Helan e Artemísio caminhavam pela floresta de Ashnor. De Ashnor, seguiriam até as Montanhas Vermelhas. Ashnor ficava bem na encosta extrema das Montanhas Albinas, quase na divisa entre as duas cadeias que na verdade eram uma só, mas por questões históricas, sociais e geológicas são diferenciadas. Ashnor tinha árvores grandes e cheias de galhos; árvores que tinham raízes por toda a floresta. A Luz de Athla vinha acesa: qualquer fosse seu poder contra aquelas mulheres, era muito importante manter a pedra brilhando. — Talvez seja melhor descansar agora — sugeriu Helan. — Podemos nos encostar e
Capítulo 13 —O Sortilège MacabreQuase uma hora havia passado desde que o trio havia saído da Cidadela. No Salão Mais Alto, Prion observava o céu. Através das janelas grandes e altas, o Senhor de Ashnor analisava as nuvens no céu, pouco a pouco. O céu tinha algumas nuvens que, naquele momento, estavam entre a cidadela e o sol. Prion não estava lá por mero acaso. Ele esperava que algo acontecesse. Na verdade, ele não queria que isto acontecesse, mas previa que aconteceria. E aconteceu.Pensando não estarem sendo vigiadas, as Brisas desceram das nuvens.Prion admirava-as ao mesmo tempo que esperava para ver o que as duas Brisas fariam. Depois de Verona aguçar os olhos, o que o Mago das Árvores não conseguiu ver, a líder das Brisas foi junto ao vento em uma direção, seguida por Aubrey.&ldqu