O dia começa como um espetáculo silencioso de poder e elegância. O som dos saltos de Marta ecoa pelo saguão principal do prédio do Grupo Schneider, marcando cada passo com precisão quase militar. Ela veste um blazer azul marinho perfeitamente ajustado, os cabelos soltos como uma moldura para seu rosto firme. Ao lado dela, Islanne e Ravi caminham em sintonia, cada um carregando tablets e relatórios para a reunião de alto nível com os líderes setoriais. Há risos abafados, olhares cúmplices e uma sensação de que algo está por vir.Na sala da presidência, Jonathan já os aguarda, de pé, elegante em seu terno cinza escuro, envolvido em uma conversa com Mônica. Quando os três entram, ele ergue os olhos e seu sorriso se abre automaticamente — mas é para Marta que vai sua expressão mais iluminada.— Até que enfim — diz ele, caminhando até ela e depositando um beijo em sua bochecha. — Bom dia, minha mulher mais linda.Marta cora, mas retribui com um olhar doce e sorri discretamente, mas seus ol
O chão parece tremer sob os pés de Cassandra. Seu corpo perde a força, os joelhos cedem e ela desmorona no mármore frio, os olhos arregalados, a respiração ofegante. A verdade a golpeia com o peso de uma sentença. As vozes ao redor se tornam ecos distantes, e tudo o que resta é a consciência de que perdeu. Definitivamente. Islanne, no entanto, permanece imóvel, o olhar de gelo fixo na mulher caída.— E mais uma coisa — diz ela, sua voz cortante como lâmina. — Se você ousar chegar a menos de cem metros da minha cunhada, eu mesma te faço conhecer o inferno.Sem esperar resposta, Islanne se vira com elegância feroz e encara Marta e Jonathan. — Vamos sair daqui.Jonathan, ainda em alerta, estende a mão para Marta. Ela está pálida, atordoada, mas aceita o gesto. Ele a envolve pelos ombros, firme, protetor, conduzindo-a com o cuidado de quem carrega algo precioso. Islanne segue atrás, sem desviar os olhos de Cassandra até a porta se fechar com um estalo seco, quase simbólico, como uma sent
O som do rádio estala na presidência, cortando o silêncio profissional da manhã. Marta, sentada com Monica revisando a agenda de reuniões, ergue os olhos, instintivamente alerta. A voz vinda do setor industrial é urgente, entrecortada por estática.— Ilha de carregamento, setor de logística. Temos um problema com a esteira e um carregamento interrompido. Pode haver risco de parada no fluxo da produção.Monica se sobressalta, mas Marta já se levanta, pegando o tablet e o crachá de acesso.— Vou lá com você, Marta — diz Mônica, apressada, mas é Marta quem assume a liderança com firmeza tranquila.— Vamos, mas com calma. E aciona a equipe de manutenção para nos encontrar lá. Não vamos deixar ninguém no escuro.No elevador, Marta nota algo que a faz franzir levemente a testa: Eduardo, está sempre dois passos atrás. Nada em seu rosto revela desconfiança, mas seu olhar está atento, como se esperasse algo, ou alguém. Marta percebe, mas não comenta.Na chegada ao setor, o movimento é intenso.
Marta atravessa a rua com uma mão na barriga, protegendo as vidas que carrega. O suor escorre pela sua nuca, a vertigem ameaça dobrar os seus joelhos, mas ela inspira fundo. Falta pouco. Falta muito pouco.E então, tudo acontece.O som de pneus cantando invade o ar como um grito. Um carro desgovernado surge do nada, avançando na direção dela como um predador. O impacto é brutal. Marta é lançada para o asfalto, seu corpo se choca contra o asfalto quente, e a dor vem antes mesmo que a consciência se apague. Seu último pensamento é uma súplica silenciosa: "Por favor… meus bebês…"— Meu Deus! — exclama uma senhora de cabelos grisalhos, que assistiu a tudo da calçada. Sem hesitar, ela faz um gesto rápido para um homem ao seu lado. — Ajude-a! Ligue para a emergência agora!A mulher se ajoelha ao lado de Marta, segurando a sua mão fria, seus olhos percorrendo o rosto pálido da jovem e sua barriga grande.— Aguente firme, querida… — sussurra, apertando os lábios. — Você não pode desistir ag
Diante de todas as adversidades, Marta não desiste. A fome a acompanha como uma sombra cruel dos últimos meses. O frio corta sua pele, os pés latejam, mas a necessidade de seguir em frente é maior do que o desespero.O dia inteiro foi assim, batendo de porta em porta, insistindo até o limite. Quando o cheiro de café quente invade suas narinas, Marta percebe o quanto está fraca. Seus bolsos vazios são a prova de que o pouco que tinha se esvaiu em uma passagem de ônibus, comprada com a esperança de um trabalho, onde a promessa de uma vaga de atendente evaporou assim que ela cruzou a porta e ouviu o gerente dizer:— Desculpe, a vaga já foi preenchida.Agora, ela vaga por ruas desconhecidas, sentindo o peso da cidade grande esmagá-la a cada "não" que recebe.— Só mais uma… só mais uma tentativa. — murmura para si mesma, tentando ignorar a dor latejante nos pés e a sensação de que está cada vez mais distante da vida que sonhou.Marta aperta o casaco surrado contra o corpo, mas o tecido fin
O som do despertador ecoa pelo quarto como um lembrete de que mais um dia começou. Mas Jonathan já está desperto há muito tempo. O teto acima dele é apenas uma prova em meio às sombras que nunca o deixam. Luxo, poder, sucesso... Nada disso tem efeito sobre ele. Porque, no fim das contas, nenhum império construído com suor e estratégia consegue preencher o vazio deixado por uma perda irreparável.Jonathan fechou os olhos, e a lembrança de Aira o envolveu como um abraço invisível. Eles eram perfeitos juntos, duas metades que se encaixavam sem esforço. O riso fácil, as conversas que varavam a madrugada, o simples toque dela incendiando a sua pele.Ele já havia tido inúmeras mulheres, mas nenhuma como Aira. O amor deles era palpável, intenso, uma força arrebatadora. No sexo, encontravam um refúgio onde tudo desaparecia, só existiam eles, ofegantes, consumidos por um desejo insaciável. Nunca, em toda sua experiência, conheceu algo tão avassalador.Com ela, conheceu o auge da felicidade. E
A tempestade ruge como uma fera descontrolada, e a noite é uma cortina negra cortada apenas pelos relâmpagos que rasgam o céu. A água da chuva não cai, ela despenca, formando rios que correm selvagens pelas ruas de paralelepípedo. Marta, encharcada e exausta, luta contra a correnteza que se forma ao longo da calçada, cada passo um desafio brutal. Seus pés escorregam, suas pernas fraquejam, e o peso da água a empurra, impiedoso.Um bueiro à frente é uma boca aberta, um abismo negro onde a enxurrada parece querer engoli-la viva. Marta tenta se segurar em um poste, mas seus dedos escorregam. O pânico a atinge como uma lâmina afiada, a ideia de ser tragada por aquela corrente furiosa a paralisa por um segundo eterno.— Não... não... — sua voz sai num sussurro abafado pela fúria da chuva.Quando está prestes a perder o equilíbrio, uma mão firme agarra o seu braço. Depois outra. Dois homens, vestidos com uniformes encharcados dos bombeiros, se esforçam para puxá-la de volta à calçada.— Te
MartaO estranho está ali, observando-a. Alto, imponente, com um terno impecável que denuncia o seu poder e riqueza. Os sapatos caros brilham sob a luz fraca da igreja. Mas o que mais a assusta são seus olhos, negros como a noite, penetrantes, porém vazios, sem qualquer vestígio de emoção. Um homem lindo… mas que aparenta não ter alma.— Você quer uma chance, garota? — a voz dele soa firme, inesperada no silêncio da igreja.Um arrepio percorre a espinha de Marta. Sua mente grita para ter cautela, mas há algo naquele homem… Algo que a faz acreditar que talvez essa seja a resposta que tanto pediu.— Sim… — sua voz sai hesitante, mas verdadeira. — Eu só preciso de uma chance, senhor.O homem cruza os braços e a encara por um longo momento, como se avaliasse algo dentro dela. Então, ele solta um leve suspiro e diz:— Venha comigo. Vamos conversar.Jonathan a estuda por um longo momento, seu olhar cravado nela, como se tentasse decifrar o que há por trás daquela jovem despedaçada. Há algo