Os caça-fantasmas
Na sexta, eu e Maurine fomos à rodoviária pela manhã esperar o professor Amaury; enquanto aguardávamos pedi para ela falar sobre o professor, pois seria melhor que eu já tivesse alguma ideia a seu respeito quando ele chegasse.
Maurine suspirou profundamente; começou discorrendo sobre aquilo que sabia da vida de seu antigo mestre:
― Não sei muito ― assinalou; ― sei apenas aquilo que conversamos enquanto realizávamos o tratamento. Segundo ele, o pai era pastor de uma igreja evangélica e a mãe limitava-se aos afazeres domésticos. Tinha mais três irmãs; duas mais velhas e uma mais nova. Contou-me que foi criado dentro da rigidez característica do protestantismo clássico. Até os dezesseis anos ele ia ao culto todos os domingos; punha a bíblia embaixo do braço, vestia manga comprida e grava
Analisando a situaçãoDepois da explicação técnica do professor Amaury, ficamos todos em silêncio procurando digerir, da melhor maneira possível, toda a informação recebida.Passados alguns minutos Rozendo inquiriu:― Meu caro professor; e quanto ao casarão a que conclusão chegou?Amaury não se fez de rogado:― Pelas primeiras observações de Beatriz, trata-se de um grupo com fortíssimo entrelaçamento psicológico; mas deixemos, inicialmente, que ela nos fale a respeito.E virando-se para a moça pediu:― Fale-nos do que você conseguiu ‘enxergar’.Beatriz endireitou seu corpo mantendo a coluna ereta. Sutilmente sua expressão fisionômica foi-se transformando e ela ficou extática, rígida como em um estado de profunda catalepsia. Com um
A reuniãoAmaury dirigiu-se ao banheiro para lavar as mãos e recomendou-nos o mesmo procedimento. Depois bebeu um copo de água fresca, fechou as portas, acendeu a fraca lamparina e apagou as luzes; em seguida instalou Beatriz na cadeira que ficava ao abrigo de qualquer luminosidade, deixando outra ao seu lado vazia, certificando-se de que a jovem estaria em posição confortável; com passes longitudinais fez com que ela entrasse em um transe profundo. O próximo passo foi compor a mesa, sentando-se ele em uma extremidade e colocando Rozendo na outra; eu e Maurine ficamos frente a frente. A mim ele incumbiu de anotar em um caderno tudo aquilo que acontecesse durante o procedimento da reunião.Logo que estávamos ocupando os nossos devidos lugares, o professor recomendou que nos mantivéssemos em comunhão de pensamentos e apagou todas as luzes acendendo apenas a fraca l
Balanço geralFui para a cozinha, esquentei água para o café solúvel e coloquei uma jarra de leite no forno micro-ondas. Abri alguns pacotes de biscoitos, juntei ao lanche manteiga e queijo que eu guardava na geladeira. Depois fui chamar todos para um merecido café.Reunimo-nos ao redor da mesa participando da frugal refeição; pouca comida, apenas o suficiente para refazer nossas forças sem sobrecarregar o organismo depois de uma sessão como a que havíamos passado, onde nossas energias físicas atingiram baixo nível devido ao esforço psíquico desprendido. As moças já estavam parcialmente restabelecidas.Estávamos quietos olhando um para o outro. Ninguém se dispunha a falar; por isso mesmo fui o primeiro a formular uma pergunta, sem destinatário, de maneira geral:― Fazendo um balanço, o q
O asiloAcordei cedo, lavei-me, tomei um gole de café e desci para o quintal. Como já estava se tornando hábito, procurei o banco do quintal perto da senzala. De longe avistei Maurine sentada ali e meu coração bateu mais rápido. O dia já subia claro e o sol começava a dourar o horizonte, enchendo o céu de revérberos alaranjados.Aproximei-me da jovem e sentei-me ao seu lado; ela recebeu-me com um sorriso satisfeito. Vestia o mesmo ‘robe-de-chambre’ grosso, até os tornozelos, amarrado na cintura e por cima da roupa, pois a manhã estava bastante fria e um tanto úmida em virtude de uma tênue névoa matinal.― Acordei muito cedo e não consegui dormir outra vez ― explicou a moça.― Não precisa se desculpar ― asseverei. ― Eu também perdi o sono. Até parece que estamos marcando encont
Completando o trabalhoChegamos à feira, onde compramos os mantimentos necessários para passar a semana. Depois demos uma esticada até o bar do Betinho para fazer um lanche.Ali, sentados em uma mesa de frente para a agradável e bela praça samambaiense, comentei com Maurine:― É um processo contínuo que acontece, agora, comigo! — Falei admirado.— Aos poucos vou prendendo-me sempre mais a essa cidade, não só à cidade, mas a você, minha querida. São surpresas em cima de surpresas. Quer dizer que você fazia seu trabalho filantrópico quietinha, sem falar com ninguém!Ela sorriu com deleite e olhou para mim com os olhos meigos e ternos:― Sou nutricionista, esqueceu? Posso contribuir muito elaborando dietas para os velhinhos. E eles também precisam de carinho, de atenção. É
Fim do pesadeloAmaury, após uma prece de agradecimento, acendeu as luzes. Todos nós permanecíamos sentados ao redor da mesa de olhos bem arregalados e semblante pálido pela emoção dos últimos instantes. Mãe Sabina estendeu os braços para Beatriz e Amaury apertando as mãos de ambos entre as suas.Mostrando as gengivas quase centenárias e totalmente lisas, sorriu e falou:― Meus filhos, hoje a velha está feliz! Viu coisas muito bonitas e muito grandes. Esses dois meninos ― e apontou com o beiço Amaury e Beatriz ― sabem cumprir muito bem a missão que Nosso Senhor deu pra eles e eu vou bater palmas agradecendo por estar viva e ainda poder ver estas coisas. Parabéns a todos.Rozendo aproveitou para completar:― Com certeza vi mais coisas nesse fim de semana do que nos oitenta e tantos anos de minha vida. A reuniã
Reescrevendo a história do CasarãoNo dia seguinte, por ser domingo, todos acordamos mais tarde. Depois do almoço fomos levar Amaury e Beatriz para embarcarem de volta. Despedimo-nos de ambos, rogando que voltassem todas as vezes que quisessem. Amaury disse que voltaria sim, pois queria estudar com maior profundidade o animismo de Mãe Sabina, a quem ele reputou como uma enciclopédia de ocultismo caboclo, uma verdadeira sacerdotisa dentre as tantas que habitam as cidadezinhas pequeninas do interior brasileiro. É ali, na humildade de seus casebres de palha, que as rezadeiras, na maior parte das vezes analfabetas, são as detentoras de uma cultura ancestral que se transmite de boca a ouvido, de pais a filhos nos sertões da pátria.No regresso ao casarão sentamo-nos no salão para conversarmos sobre tudo que acontecera, pois ainda não tivéramos oportunida
A reabilitação do barãoNa sexta-feira seguinte o próprio Argemiro foi ao casarão levar a edição extra do ‘Correio’. O jornal estava uma beleza, muito bem feito e diagramado, com oito páginas falando, apenas, sobre os acontecimentos relatados no diário de Clara. Na primeira página estava publicado o meu ‘release’ com uma foto tirada pelo ‘factótum’ Argemiro; aliás, o jornal estava cheio de fotografias: do casarão, minhas, de Rozendo, de Maurine, do retrato do barão e da baronesa...A notícia caiu como um meteoro na cidade; em pouco tempo a edição estava esgotada e todos comentavam pelas esquinas e cafés admirados com a história, até então, desconhecida. Nem uma linha fazia menção ao assombramento, mas falava-se da fama que o solar adquirira dura