- Apaguemos o fogo, está lua cheia e os Monteiro gostam de caminhar ao luar iluminador dos caminhos.
- Dos caminhos dos crocodilos, dizes tu, o fogo afugenta os répteis e os tigres. – avisa Montoya
- Tigres tão perto das casas? – pergunta medroso João Botelho
- Não é dos tigres que tenho medo. O fogo põe-nos visíveis ás vistas dos ranes que atacam em grupo e das suas flechas ervadas [1] e nós apenas somos cinco a contar com o criado armado. – complemento, eles olham para mim surpreendidos com a minha sabedoria.
- Então? na choça só podemos ouvir e dormir…
- Chiça, eles nunca mais aparecem, estamos aqui espetados na escadaria há duas horas. – desabafa desalentado Montoya. Por fim o pesado portal de espigões abre-se e lá de dentro um criado monhé de turbante, justilho, calças de seda afuniladas, armado com tulwar e tabar[2] aparece inspecionando-nos, reverenciando-nos e pedindo que acabemos com o fogo.
- Eu bem disse
Um mês de sortidas, assédios e fome decorreu…e a imagem ténue de Fei li não me larga… Estamos de novo reunidos na Torre da mesa oval com os capitães e os sargentos da companhia: - Caros confrades, as provisões estão-se a acabar e a monção tarda a chegar. Dizem os prisioneiros que, vindo a monção, o maratha se verá obrigado a retirar, dado que não terá condições de continuar um cerco. Ontem, mediante tortura, um rane confessou que o maratha ainda tem um ultimo truque na manga, algo que nunca tinha sido usado nas actuais artes da guerra, mas não nos soube dizer o quê. - informa-nos alferes Delgado Lopo andando nervoso e com as mãos atrás das costas em volta da mesa onde os capitães estavam sentados. Nós os sargentos, encostados nas pedras da parede à volta da mesa apenas ouvíamos com autorização para cachimbar à vontade, fei li, minha feilizinha… - Urge então urdirmos um estratagema para descobrirmos esse tr
Corríamos escuridão adentro pelo matagal. Estranhei não haver luar, sem luar como é que o maratha pensa em fazer alguma coisa hoje à noite? Todavia das ruínas do templo de Pattadakal os hipnóticos mantras continuam a ser entoados e os pirilampos na mesma pairavam indicando-nos o trilho das várzeas dos crocodilos que com os seus faíscantes olhos miravam-nos confundindo-nos com gazelas. Ocultamo-nos abraçados pelos bambus e palmares e vimos o braço do Mandovi alumiados por milhentas tochas! - Veja o que eles estão a fazer, mestre?! Impossível! - Estou mocado com ópio, por isso tens que me dizer o que vês. Senão ainda vejo elefantes a voar. - digo-lhe recostando a minha cabeça na erva quente e húmida e fechando os olhos. - Mestre, acorde, não adormeça. – alerta-me Izmirla pegando-me nos ombros e obrigando-me a abrir os olhos, estremunhado, tento ver, e céus! Eram enormes barcaças que estavam a ser puxadas, do outro lado da margem, por escravos com longas cordas
Três meses volveram, e uma casa extramuros aluguei, o amor não é eterno, mas as minhas mágoas são… Estava anestesiado mirando estático da janela do prédio branco de dois andares, as ocultas quintas frondosas dos ricos, e mais abaixo a grande lagoa e um braço do Mandovi e aqui tão perto os campos alagados das várzeas e a baixa muralha norte mesmo colada a nós, linda vista! Linda vista em que eu fui feliz durante três meses. Acho que nunca estive tão triste como em toda a minha vida, e não me lembro de me sentir tão melancólico e desesperançado, nem mesmo no rio Farim na Guiné quando era escravo. Observo lentamente as esmeraldas trepadeiras desenhadas na parede subindo pelo tecto…o contador de gavetas com bicharocos coroados… a enorme arca ferrada de tons avermelhados…a cadeira com valiosos entalhes de marfim..e por fim a larga cama de ébano onde a princesa Urvasi acaba de mudar a gaze fresca das frontes da febril Fe
Era o dia de feira no areal de Ponte de Lima… …e as tendas de lona branca que discorriam até ao rio abrigavam-nos do vento gélido vindo dos lados da Galiza. Detenho-me por momentos acocorado na cerca a admirar os alinhados, castanhos e fortes bois com aqueles cornos enormes, relembrando as esqueléticas e beges vacas da Índia e pensando ; que desperdício… - Hei, boiadeiro, quanto é uma rês? - 500 reis, Meu senhor. Vou deambulando ao calhas, inspeccionando e perguntando os preços dos cântaros de barro, das cestas de vime, das couves, grelos e nabos do Inverno, do arroz, trigo e milho armazenado em vasilhas, até da própria lenha pergunto o preço curioso e chegando à conclusão que é bem mais barato a vida aqui em cima que na metropolita Lisbonna à beira Tajus. Compro umas laranjas, dou uma a um puto cigano inquirindo-o: - Conheces os Malheiros? – ele encolhe-me os ombros. Miro acima do areal, di
O Templo de Parvati com as suas altas chaminés rendilhadas de fumo negro da morte estava deserto pela aurora, com as mãos a tremer com o saco de serapilheira húmido e nauseabundo avanço vacilante pelo pequeno canal de lajes brancas que atravessa o lago, entro subindo as escadas esburacadas de laterite embrenhando-me na escuridão asfixiante e sentindo-me no fundo do poço. O chão era constituído por milhões de ratazanas que me levam através das colunas de corpos até ao centro no templo, onde face à estátua azul da Deusa da ceifa da vida com seus colares de cabeças, uma pira de carvão arde e incinera os sacrifícios. Tremo ao pegar na perninha do primeiro feto, amarrado a ele vem o segundo, os dois encurricados, rubros, sem vida, projectos de futuros passados…. perguntava-me, mas eu já os queimei? depois lembrei-me que es
Personagens:Abhilasha – Lacaia hindu de Fernão Guedes MonteiroAl-de-tar-we – Campeão indiano no cerco a GoaAlexandre Mattos Saldenha – Capitão dos mosqueteiros de GoaAmélia Sá Monteiro – Filha mais nova dos Monteiro de CandolimAranha – Companheiro de Lisboa de MontêsBartholomeu Beirão – Famoso pirata conhecido como Bartholomew Português. Que escreveu o código pirata.Bordallo – Pirata do galeão voadorCanhoto - Um dos homens que depositou o recém-nascido capitão Malheiro no adro da Sé de Viseu.Capitão Montês Malheiro - Soldado, pirata, aventureiro, espadachim&he
Andamos, andamos como nunca andamos. Somos cerca de trezentos robustos prisioneiros e a maioria irá para as galés dos turcos como remadores agrilhoados. Libertados dos grilhões ninguém ensaia uma fuga para o inferno escaldante. Nosso mestre berbere de nome Samir vai agastado em cima dum dromedário… Passamos por algumas praças marroquinas portuguesas, tais como Mazagão e Arzila onde assentávamos arraiais na nossa demanda pelo sul. Via esperançado os muros guarnecidos de bocas de fogo e ainda gritava para lá dizendo que tinha sangue luso. Os meus algozes riam-se. - Porque raios se estão a rir eles? - Monga só me respondia: -Só se pagarem um resgate por ti, dado que o mestre não te venderá a não ser para as galés dos turcos, e qual é o português que pagará um resgate por ti, acaso és nobre? - Não, Ramon disse que o meu sangue é da baixa nobreza minhota, sou um bastardozinho…. 90 dias sobre o Saara. O império Mali e o Be
De repente acordamos do nada e sabemos que estamos na realidade e a fantasia opaca e indecifrável como um sonho morto acaba. Gostava de ser nada e não acordar, mas o ar solarengo invade todo o quarto e predisponho-me a abrir os olhos. Levanto a pesada cabeça da ressaca e miro Quico debruçado sobre a janela mirando lá para fora. Existe alarido na plaza menor, quiçá provocado pela proximidade do mercado. - Quico, que se passa? – o rapaz olha para mim, bufa uma madeixa que lhe tolda um olho e responde-me preocupado: - O capitão Bartholomeu foi confessar-se e ainda não voltou. - QUÊ! Ele foi fazer o quê? – Telles na cama a meu lado põe-se de pé abanando os ombros a Quico. - Aquele verme, tanto cuidado para passarmos discretos e ele vai confessar-se a um padre espanhol pelas nossas vilanias, estamos tramados! – grita Estevez tornando a perguntar a Quico: - Com mil trovões, saiu há muito? – O imediato não esperou pela resposta, enverg