Capítulo 1

Aldeia de Florswood 1424

 10 anos depois.

Mia olhou fixamente para o ponto em que queria. Respirou fundo e, soltando o ar devagar, disparou a flecha acertando no tronco, exatamente como o seu pai a havia ensinado. Sorrindo, relaxou os músculos, fechou os olhos sentindo a brisa gelada passar por seu rosto e olhou para o céu totalmente nublado. Amava aquela época do ano, quando havia acordado pela manhã observou que a chuva de neve tinha dado uma trégua, então aproveitou para ir treinar logo cedo.

Ela olhou para as duas flechas em sua bolsa e atirou rapidamente contra o alvo improvisado em uma madeira. Olhou para as flechas penduradas no ponto certo e sorriu. 

— Ah! Eu estava perguntando-me quem era o ladrão que havia pegado minhas armas — anunciou uma voz que ela conhecia muito bem. 

Virou-se na direção da pessoa e sorriu encontrando o pai a encarando com as mãos no bolso das calças. 

— Bom dia, pai! — saudou e segurando a aljava, foi até o homem o entregando. 

— Bom dia, princesa. Pelo visto, parece que você não precisa mais de um professor. — Observou Vladeck, apontando com a cabeça exatamente para o ponto dos acertos da flecha. — Estou orgulhoso de você!

— Eu sei que está! — confirmou, dando um beijo no rosto dele. — Vou pegar as flechas. 

Enquanto pegava as flechas e as arrumava de volta na bolsa, observou o seu pai segurando a aljava delicadamente. Aquilo não era novidade, já que o seu progenitor era um ferreiro bem conhecido por todos os reinos. Ele ainda produzia algumas armas, mas, não tanto como antigamente e esteve em várias batalhas pelo reino britânico, ajudando os cavaleiros.

Lembrou-se de quando sua mãe havia contado o quanto ficava nervosa e angustiada, toda vez que o marido ia para a guerra. 

A sensação era ruim, e pelas histórias que surgiam tinham a impressão de que, cada vez mais, se tornavam sangrentas, se fosse hoje, ela também partilharia da mesma angústia e com certeza faria de tudo para impedir aquilo. Mesmo que, ser chamado para guerra fosse um ato de bravura, para ela, aquilo não era sinônimo de coragem e sim de tentativa suicídio. 

Assim que terminou de recolher tudo, eles andaram de volta pela trilha que dava para a aldeia. Aquele ponto em que estavam era no alto da colina, dava para ver a pequena vila lá embaixo e pelo menos ela não precisava entrar na outra parte da floresta para voltar para casa. 

— Mia querida, não acha que está na hora de você se casar? — perguntou-a. 

Ela quase tropeçou e parou de andar encarando o pai, que mantinha a expressão mais tranquila no rosto, como se perguntasse se ela iria querer pão ou ovos para o café da manhã. 

— C-c-casar? — gaguejou sem conseguir se controlar as palavras. — Pai — começou com toda a calma possível e deu um sorriso doce —, sinceramente, eu  julgo que não sou ideal para o casamento, não há nenhum pretendente para mim. 

— Porque você não deixa. — O senhor Smith sorriu. — Qualquer homem em sã consciência dessa aldeia, quer a sua mão. Dê uma oportunidade.

Ela continuou balançando a cabeça em negação, achando graça dos pensamentos de seu velho. Sabia que a intenção era boa, mas a palavra casamento não era bem-vinda para ela, pelo menos não agora, não conseguia sentir nada por nenhum homem, todos pareciam sem graça. Mas entendia a preocupação dele, afinal aquela era uma aldeia pequena e todos se conheciam, a maioria de seus amigos já estavam comprometidos e uma moça jovem como ela com a idade passando, não querer saber de casamento, era estranho. 

Claro que ela não era totalmente inocente, já havia conversado com a amiga sobre como era ter um homem ao seu lado.  Ela somente não encontrou ninguém que a fizesse tremer. Na verdade, estava aceitando que iria ficar solteirona, e tudo bem com isso, não esperava achar um grande amor nem nada, isso não acontecia com ela.

— Muito bem, senhor Smith — Sorriu o tranquilizando e o desafiando —, vamos fazer o seguinte, quando eu encontrar alguém que seja suficientemente bom para mim, eu caso, certo? 

Vladeck soltou um suspiro e sorriu, e ela sabia que tinha ganhado aquela jogada, afinal havia puxado o gênio forte dele. Quando colocava uma coisa na cabeça, ninguém a fazia mudar de ideia. 

— Está bem, se não tem outro jeito. — Recebeu um abraço carinhoso do pai. — Ah! Quase ia me esquecendo, sua mãe pediu para ir comprar hortelã na feira. — Soltando-a, o senhor Smith a conduziu até a entrada da aldeia. — Vá rápido e não demore muito, eu levo isso aqui para casa. 

Com um sorriso ela deu um beijo na bochecha do homem e saiu na direção da feira da aldeia. Cumprimentou alguma pessoa que conhecia pelo caminho, dando um sorriso simpático. 

Assim que chegou na feira, andando entre as barracas, foi até um senhor; ele era um velho meio rechonchudo e simpático que vendia as ervas e temperos. Gostava muito dele, muitas vezes quando eram pequenos, ele costumava contar histórias para ela e seus amigos. Além do fato dele ser o único a ir diretamente à floresta sem temer nada, o senhor Ducan, quando mais novo, era um lenhador na floresta e uma vez contou do seu encontro com um grande urso, ou com o que ele pensava ser um.

Parando em frente à barraca, deu uma boa olhada entre as especiarias, e não encontrou a hortelã. 

— Com licença, senhor Ducan — o chamou, atraindo a atenção do homem com os cabelos grisalhos —, por acaso não tem hortelã? 

— Ah! Bom dia, senhorita Aime — a cumprimentou tirando o restante das ervas da cesta. — Não consegui pegar a hortelã hoje, mas amanhã terá — confirmou. 

— Amanhã não vai dar, mamãe gosta de preparar chá de hortelã durante à noite. — Soltou um muxoxo. — O senhor sabe dizer onde posso encontrar? 

— Por aqui não. Só na floresta, vai achar tudo que precisa lá. — Ele pareceu pensativo —, mas esqueça senhorita Aime, é muito perigoso andar por lá sozinha. 

— Sim, eu sei, não se preocupe. Vou pedir ao papai para ir buscar. O senhor ao menos poderia dizer onde fica a localização das ervas da hortelã?

— Bom, já que é assim... — o Senhor Ducan explicou para ela qual direção deveria seguir.

— Muito obrigada! — agradeceu e deu a volta entre as barracas. 

Voltando para casa, ficou pensativa. Sempre que ouvia a palavra floresta ficava arrepiada, mas não de medo, era de um jeito diferente. 

A última vez que havia estado lá fazia muito tempo. Lembrou-se de quando era criança e foi desafiada estupidamente a tocar os sinos da mansão assombrada. Riu balançando a cabeça, e seu sorriso foi morrendo quando seus pensamentos a levaram diretamente para o que veio depois do toque do sino; o homem misterioso e mascarado. 

Nunca disse a nenhum de seus amigos, mas voltou na floresta naquele mesmo local duas vezes para tentar encontrar o estranho de volta e nunca mais o viu. Ficou até mesmo tentada em tocar o sino novamente e desistiu daquilo logo depois. 

Aquilo foi intrigante, como alguém poderia viver ali sem que ninguém visse? 

Talvez tenha sido obra de minha imaginação. 

Às vezes o medo faz algumas pessoas enxergarem coisas onde não tem, e pode ser que — de alguma forma — aquele homem nunca tenha existido.

Em um surto de bravura e ousadia, seguiu para um rumo diferente do que planejava e foi diretamente em direção à floresta. 

Entrou na mesma sem temer nada. Oras, não sabia porque eles tinham tanto medo, já que estivera lá e nunca encontrou um lobo se quer! Claro que em noites de lua cheia, ouviam os uivos, mas ainda julgava que poderia ser uma brincadeira idiota de alguém. No máximo o que viu foi um castor ou um esquilo.

Enquanto andava pela floresta, admirou a paisagem. Com certeza o lugar era encantador. As folhas das árvores balançando suavemente com a brisa do inverno por conta desse vento se abraçou sentindo frio, enquanto seus pés afundavam na neve. 

Caminhou com muito cuidado na direção em que o feirante havia dito, sem desviar da trilha até a sua vila. A floresta estava com um pouco de neblina o que atrapalhou sua visão e sem perceber já estava no lugar em que esteve há dez anos. Esqueceu totalmente o propósito de estar ali, observou a grande mansão do mal e deu uma risada baixa de puro desdém. 

Mansão mal-assombrada...Pff... Que nada! 

Cruzando os braços e foi andando devagar até os portões olhou para dentro e franziu as sobrancelhas. Era a primeira vez em que ela via o terreno totalmente limpo, agora continha só um pouco de neve pelo caminho até a porta da mansão, enquanto do lado de fora dos portões, estava banhado com uma camada branca macia e gelada. 

Que estranho! 

Levou os dedos até o símbolo de lobo, contornando-o com cuidado. Observou novamente a mansão com muita atenção dessa vez. Estava do mesmo jeito como ela se lembrava; janelas e portas fechadas, o ar sombrio continuava lá. Continuou analisando o lugar com um certo fascínio, e então um sorriso desafiador se formou em seus lábios. 

— O que será que você tanto esconde? — indagou. 

Olhou para o sino que ainda estava lá intacto apesar dos anos, devagar aproximou-se da campainha. 

Será que se tocasse o sino novamente, ele apareceria?

Talvez aquele homem era apenas fruto da sua imaginação, ou será que realmente existiu?

Mesmo não conseguindo se lembrar tão perfeitamente da fisionomia dele, as lembranças nunca se foram; a máscara, a roupa preta, o estilo sombrio. O rapaz era muito misterioso e isso a atrai até hoje. Ela e sua mania de desejar o incomum. Se ele fosse real hoje com certeza deveria estar bem velho. 

Observou o sino novamente. Teria que tirar suas dúvidas de uma vez por todas. Se era uma fantasia de criança ou não.

Era só tocar aquela coisa, certo?

Foi se aproximando lentamente do portão e encarando as cordas suas mãos levantaram lentamente. Estava totalmente seduzida a tocar, e iria. 

— O que está fazendo?! — a voz rouca questionou atrás dela, a fazendo soltar um grito de susto e dar um pulo para trás, as batidas do seu coração se aceleraram.

Fraquejando, Mia colocou as mãos no coração, e ouviu a risada vinda do seu amigo que a encarava. 

— Z? Que droga! — Rosnou recuperando fôlego. — Você quer me matar do coração? Como me encontrou aqui? — Questionou, enquanto o homem tentava conter o riso.

— Eu segui a donzela indefesa — comunicou com um sorriso sarcástico —, e a vi entrando na floresta sozinha. — Continuou Z, e se aproximou ainda mais. — Sabe o quanto é perigoso estar aqui, senhorita Smith?

— Então, você veio até aqui bancar o herói?

Dentre todos os seus amigos, Zyner era o que ela mais tinha afinidade. Era como se ele fosse o irmão que ela nunca teve. Ocasionalmente ele se insinuava, jogando um charme, mas sabia que tudo era uma brincadeira. Mia o observou, tinha que admitir que o seu melhor amigo havia se tornado um homem muito atraente; moreno, alto, cabelos médios até a altura da nuca e porte físico forte. Algumas mulheres da aldeia às vezes brigavam pela disputa da atenção dele, o que era muito engraçado. Eles dois se divertiam  observando as moças tentando chegar até ele. 

— Então a senhorita não tem medo do perigo, não é mesmo?

— Por favor, perigo? Eu rio na cara do perigo! — brincou, e deu uma risada sendo acompanhada dele.

— Seu senso de humor às vezes me assusta. — Z informou. — Diga-me, você ia tocar essa coisa novamente e depois o que faria? Iria sair correndo? — Questionou debochado.

— Ora essa! Deixa de ser bobo! Se eu nem corri pela primeira vez, por quê pensa que iria correr agora? — Passou as mãos pelo cabelo sem conseguir evitar de se exibir.

— Muito bem! Senhorita modesta, mas se a lenda que dizem por aí for verdadeira? — rebateu e se virou para ela, analisando cada expressão que ela fazia. 

Ela virou os olhos e riu cruzando os braços.

— Z, por favor, nós nunca vimos nenhum animal perigoso ou fantasma nesta floresta, aliás não vimos nada que não seja neblina — advertiu. 

E um homem completamente estranho que nunca mais apareceu. Completou em pensamentos sua frase.

— Hum! É, pode até ser, mas é melhor se prevenir. — Z segurou nas mãos dela. — É melhor nós voltarmos para a aldeia, antes que a senhorita tenha mais alguma ideia brilhante. 

Rindo, Mia revirou os olhos se lembrando do porquê de ir até a floresta. 

— A hortelã, eu vim buscar aqui — explicou —, não tinha na feira.

— Eu tenho hortelã em casa, vamos voltar. — Ele a puxou pelas mãos, saindo do local, voltando pela trilha da aldeia. 

Mia deu uma última olhada para trás, completamente confusa. Não entendia o motivo daquilo, mas aquela mansão a atraía demais. Uma hora ou outra iria ter a resposta que queria.

                                    ✧✦🌒✧✦

Os seus dedos grandes tamborilam totalmente impaciente sobre a janela de madeira da carruagem. O seu olhar vagava pela paisagem, olhando o tempo nublado e a neve caindo mais forte. Ah! Gostava desse clima. Puxou um pouco mais a cortina e observou a floresta à frente.

Já estava sem tempo. 

Após longos anos, finalmente estava em casa. Passou levemente as mãos na barba por fazer e fechou os olhos em uma profunda irritação. Só de pensar no que teria que fazer, casamento nunca esteve nos seus planos. Há uns tempos nunca acreditou que teria que tomar aquela decisão já que não foi feito para assumir um matrimônio, no entanto após uns anos para cá, começou a rever seus conceitos. 

E bem, poderia sim, casar. Queria poder gerar um herdeiro e continuar a linhagem de sua família, não precisava terminar nele. Só precisava encontrar a mulher certa que não fizesse tantas perguntas e que ficasse na dela e sinceramente, ele não esperava que o amasse nem queria que isso acontecesse. 

O que mais o irritava era o fato de como conseguir, teria que participar mais da aldeia e ele detestava chamar atenção, seu título e suas características já eram o suficiente para isso. 

Era só não perder o controle que tudo ficaria bem. 

A carruagem parou e ele mesmo abriu a porta, detestava quando alguém fazia isso para si. Assim que desceu do transporte seus pés calçados por um sapato preto e feito sob medida tocaram a neve. Ajeitou o sobretudo negro, grande e quente — não que ele precisasse da roupa para se manter aquecido —, a máscara preta escondia uma boa parte do seu rosto deixando só os olhos e a boca à mostra, os cabelos escuros estavam um pouco mais acima dos ombros presos em um rabo de cavalo médio. 

Respirou fundo, absorvendo todo o ar fresco e observou a sua mansão enquanto um homem loiro que estava comandando a carruagem tocava o sino. Os portões foram abertos e ele ficou simplesmente parado pensando na última vez que havia visitado a sua casa. 

Sua mente voltou para anos atrás quando um pequeno grupo de crianças escolheu brincar por ali. 

Crianças sempre são um problema. 

Balançou a cabeça e olhou para frente, meia dúzia de pessoas estavam o encarando todos eles se curvaram em respeito. 

Deus! Por que sempre faziam isso para recebê-lo? Sem falar nas expressões de pavor.  Não era tão assustador assim! Ou era? 

Tristan tocou no ombro dele dando umas tapinhas de encorajamento do estilo "segure o seu temperamento com eles" e disse: 

— Bem-vindo de volta. Vossa Graça!

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