POV CALEB
A terra tremeu sob minhas patas.
O mundo inteiro parecia se dobrar ao meu redor — galhos estalavam como ossos sob o peso do meu corpo colossal, o chão se abria com cada passo, formando rastros fundos de garras que riscavam a terra gelada como marcas de guerra. Meu Lobo Supremo não sentia o frio, não temia o espaço. Árvores inteiras tombavam ao meu avanço, raízes arrancadas, o vento uivando em pânico ao meu redor. Eu era mais do que um lobo. Eu era o fim.
O cheiro dela me guiava. Sangue. Dor. Medo. O mundo era uma distorção ao redor da necessidade de chegar nela. Continuei avançando, o som da neve esmagada sob minhas patas se fundia com o rugido da floresta. Tudo foi ficando mais nítido agora.
Me
POV CALEBAinda não era eu.A floresta já havia sumido. A batalha também… pelo menos a mais perigosa. Tudo o que existia agora era o castelo à minha frente — silencioso, assombrado — e os soldados ao redor, tensos, recuados, temendo o que eu era.O lobo ainda estava no controle. Minhas patas gigantes pressionavam o solo com peso antigo. Os olhos rubros varriam cada detalhe ao redor como se caçassem uma ameaça invisível. Mas não era isso.Era ela. O cheiro dela. Doce. Selvagem. Oscilante. Misturado agora com algo novo.Meu peito arfava com violência. Rosnei baixo, irritado com minha própria impotência. Eu podia sentir Enrica, viva, próxima, mas inacessível. O castelo era pequeno demais para o que eu me tornara. Essa forma não cabia mais entre paredes.Girei em círculos. Garras cavando a terra como se pudesse arrancar respostas do chão. Um soldado se aproximou demais e meu corpo inteiro se retesou, o rosnado profundo fazendo-o cair de joelhos. Quase o ataquei. Mas me contive. Por ela.O
POV CALEB— Eu achei que te perderia — confessei, deixando meus dedos subirem até o rosto dela, traçando a curva da mandíbula. — Nunca mais faz isso comigo. Nunca mais some de mim assim…Ela chorou. Silenciosamente. As lágrimas correram pelos cantos dos olhos, e eu as beijei, uma a uma. Meu peito doía com a intensidade daquilo. A marca pulsava em alívio, mas meu lobo ainda rugia, protetor.— Você… — ela tentou falar, e eu a interrompi com um gesto carinhoso.— Eu sei. — Afastei uma mecha úmida de suor do rosto dela. — E tem outra coisa que sei também.Ela me olhou, confusa. Os olhos marejados.— A gravidez — completei, e vi o susto tomar conta do rosto dela.— Como…?— Oliver. — Revirei os olhos, mesmo emocionado. — Abriu a boca como um idiota. Se eu não estivesse tão feliz, cortava a língua dele.— Aquele… — Ela parou, frustrada. — Eu queria ser a primeira a te contar.— E devia ter sido. — Sorri, puxando-a mais para perto. — Mas agora que eu sei…As lágrimas voltaram, desta vez nos
POV CALEBO salão estava mergulhado em silêncio tenso. Ao meu lado, minha mãe se mantinha imóvel, o rosto frio como pedra. Teren já havia sido arrastado pelos guardas, mas o veneno de suas últimas palavras ainda pairava no ar. Um dos conselheiros mais antigos se levantou, a voz grave ecoando pelo salão:— Alteza, com a morte do Príncipe Raphael… como o senhor pretende conduzir os desdobramentos diplomáticos? Foi ele quem provocou esta guerra, sim, mas… a Princesa Averine ainda estava em campo quando tudo começou.Minhas mandíbulas se cerraram. A imagem de Enrica presa, machucada, ainda pulsava por trás dos meus olhos.— Raphael manipulou a todos, inclusive sua própria irmã — respondi. — Ele pretendia usar ômegas e alfas raros como arma biológica. O sequestro de minha companheira fazia parte de um plano maior. DraeX. Linhagens raras. Controle através de sangue. É isso que ele buscava. E quase conseguiu.Um burburinho nervoso se espalhou entre os conselheiros. Magnus manteve-se calado,
POV ENRICAAlicia estava sentada na poltrona ao lado da cama, com uma xícara de chá quase esquecida nas mãos. Seus olhos percorriam as bordas da porcelana, distraídos, mas sua atenção estava completamente voltada para mim.— Você não tem ideia do quanto eu agradeci por te ver acordada, Enrica. — Sua voz saiu baixa, quase como um suspiro.Sorri de leve, ainda me recuperando da fraqueza. Meu corpo doía, e os pensamentos pesavam mais do que qualquer ferida física.— Também estou feliz por estar aqui — respondi. — Mas… a cabeça não para.Alicia ergueu uma sobrancelha, esperando que eu continuasse.— Raphael… ele contou algumas coisas. Coisas que ainda estou tentando processar. — Respirei fundo. — Ele falou sobre uma nova droga, a draeX. E que o sangue dos alfas e ômegas raros, o meu… era essencial pra ela.A expressão de Alicia se fechou. Ela pousou a xícara na mesinha ao lado, cruzando os braços.— Isso está cada vez mais estranho — murmurou. — Sabe, eu venho pensando… Raphael era um por
POV CALEBPassaram-se alguns dias desde o retorno ao castelo. O clima entre os corredores ainda era tenso, mas o foco agora era outro: o tratado de paz com Liene.Averine, princesa herdeira de Liene, chegou com sua comitiva em meio a uma escolta neutra — acompanhada por Samuel, que havia sido enviado para garantir sua segurança e acompanhar sua estadia no reino. Alta, firme, os olhos da mesma cor de Raphael, mas sem o veneno dele. Caminhava como quem carrega um reino nas costas — e lutava para ser reconhecida como tal.Na sala de reuniões, o silêncio era espesso. Estavam presentes os generais, Anthony, Oliver, minha mãe — ainda com a postura altiva — e Magnus, observador como sempre.— Príncipe Caleb — disse Averine, com um leve aceno. — Antes de qualquer palavra, quero me desculpar pelo que meu irmão fez. Não foi Liene quem declarou essa guerra. Foi Raphael.— E ele pagou por isso. — Minha voz saiu firme. — Mas não vamos fingir que a tensão entre nossos reinos começou com ele.— Conc
POV CALEBAntes de cruzarmos as portas que levavam até a ala da rainha, parei por um instante. Minhas mãos seguraram as de Enrica, quentes, vivas, tão pequenas comparadas às minhas — mas era nelas que todo o meu reino agora se equilibrava.— Enrica…Ela me olhou, os olhos ainda atentos, mas suaves.— Jurei que te protegeria. E não importa quantas guerras eu tenha que lutar, quantos conselheiros eu precise calar ou quantas vezes eu precise me transformar naquela maldita criatura… — respirei fundo, a voz falhando. — Eu faria tudo de novo. Por você.Ela não respondeu com palavras, apenas segurou meu rosto e encostou a testa na minha, fechando os olhos. O cheiro dela era casa. Vida. Promessa.— Eu sei, Caleb. — Sua voz foi um sussurro. — E eu e nosso filho estaremos aqui quando você voltar de todas essas guerras.Minha garganta fechou. Como um lobo que encontra paz em meio à floresta devastada.— Mas eu preferiria que você não começasse mais nenhuma guerra.Eu ri.— Impossível, minha amad
POV ENRICAO vento cortante soprava contra a cabana, uivando como uma entidade raivosa, mas foi outro som que me despertou no meio da noite. Um uivo, longo e carregado de um sofrimento que eu não sabia nomear. Não era apenas um chamado ou um aviso, era um lamento profundo, um grito de dor rasgando a escuridão.Sentei-me na cama, ofegante. Meu coração martelava forte contra o peito, a sensação de inquietação se espalhando por minhas veias como veneno. A lareira ainda crepitava, lançando sombras trêmulas contra as paredes de madeira. Mas o calor não era suficiente para abafar o arrepio que se arrastou pela minha pele.Outro uivo ecoou, mais fraco dessa vez, como se a própria noite estivesse engolindo sua força. Engoli em seco. Algo estava errado.Levantei-me sem hesitação, puxando um casaco grosso e calçando minhas botas. O medo sussurrava para eu ignorar aquele chamado, mas a curiosidade sempre foi um veneno que corriam em minhas veias. E eu precisava ver com meus próprios olhos o que e
POV ENRICAAproveitei o momento para agir. A luz tremulante da lareira iluminava os ferimentos abertos em seu pelo negro, o sangue escorrendo em filetes espessos. Precisava cuidar disso antes que a infecção fizesse seu trabalho.Peguei minha caixa de primeiros socorros, os dedos ágeis trabalhando com a familiaridade de anos lidando com agulhas e tecidos. Não era muito diferente.Ajoelhei-me ao lado dele e passei os dedos com cuidado sobre sua pele quente, identificando as flechas alojadas em seu corpo. Ambas exigiriam precisão para serem removidas sem causar mais danos.Respirei fundo e agarrei a haste da flecha do ombro, sentindo a rigidez da madeira sob meus dedos.— Isso vai doer…Ele dormia, mas sua respiração se alterou quando comecei a puxar. O som da carne se rasgando sob a pressão da retirada me fez prender o ar, mas continuei. Um último puxão, e a flecha deslizou para fora, trazendo consigo um fluxo quente de sangue.Imediatamente pressionei um pano limpo contra o ferimento. O