A névoa pairava densa sobre o vale, absorvendo os sons da noite e tornando a escuridão ainda mais profunda. O fogo da lamparina tremulava fracamente, projetando sombras dançantes sobre as pedras desgastadas do templo em ruínas.Duncan estava só.O peso dos últimos acontecimentos pressionava seus ombros, e sua mente, mesmo treinada para o silêncio e a contenção, o traía, arrastando-o de volta a lembranças que ele tentava manter enterradas.Ele fechou os olhos, e o passado o engoliu como um redemoinho inevitável.Era jovem quando tudo começou.Um órfão sem nome.Um menino perdido entre as frestas do mundo, alimentado pela fúria do abandono e pela necessidade de sobreviver.Foi Nagato quem o encontrou.— Duncan. Esse será o seu nome.O agente mais velho o ergueu pelos ombros finos, e pela primeira vez, alguém o viu.Viu o que ele poderia ser.A Sociedade do Crepúsculo o acolheu.Mas acolhimento, naquele mundo, não significava ternura.Significava disciplina.Significava sangue e suor.Si
As luzes dos lampiões prateavam o acampamento no meio das antigas ruínas, sombras se contorcendo entre as pedras negras.O vento levava um aroma de terra molhada. E um sussurro, distante, como se os próprios espíritos locais se enfadassem.Numa das tendas finamente decoradas, um casal descansava após uma veemente dança entre lençóis de seda.— Você está mesmo decidido a seguir com isso? — murmurou a mulher, a voz embalada num sedutor timbre, mas cheia de suspeita.Seu corpo, coberto apenas por uma fina manta de linho, refletia o suave brilho da lamparina ao lado do leito. Os cabelos escuros emaranhavam-se sobre os travesseiros, e seus olhos, amendoados e afiados como lâminas, fitavam o homem a seu lado.Ele se encontrava reclinado, as costas nuas marcadas por cicatrizes de tempos antigos, os dedos girando um medalhão dourado entre eles, um gesto habitual sempre que absorto em pensamentos.— Estou, minha bela — respondeu ele, com um sorriso torto, os olhos claros reluzindo com a mesma
Poder e riquezas e mulheres...Donaldo saboreava a ressaca da madrugada, os músculos relaxados sob as cobertas macias de sua luxuosa tenda. O calor morno das concubinas que ainda dormiam ao seu lado trazia-lhe uma sensação de poder absoluto. Ele era o rei daquele território, o senhor das riquezas, o comandante da desgraça alheia.E, por todos os demônios do inferno, ele merecia isso.Ou, ao menos, pensava que merecia, até um rugido gutural de um de seus soldados romper o silêncio do acampamento.— MEU CANTIL TÁ CHEIO DE URINA! QUEM FOI O DESGRAÇADO?!Donaldo franziu a testa.— Mas que diabos?O segundo grito veio de um canto diferente do acampamento:— PELO AMOR DOS ESPÍRITOS, TEM BOSTA NA MINHA BOTA!Foi então que os alarmes começaram a soar.A confusão explodiu no acampamento como pólvora acesa.Donaldo levantou-se num salto, puxando a calça com raiva conforme saía da tenda como um trovão em carne e osso.E o que viu?Caos.Puro, brilhante, espetacular caos.Os cavalos estavam solto
Tupã mergulhou nas sombras, seu corpo desmaterializando-se em fiapos de escuridão, cada salto uma facada de frio e vertigem, como se o mundo se dobrasse e desdobrasse a seu redor. Ele surgiu em clareiras iluminadas pela lua, em florestas onde o ar pesava com o cheiro de terra molhada, e em esquecidas ruínas, até que seus pés encontraram uma estreita trilha. Esta serpenteava por uma rochosa colina.As pedras afiadas cortavam o céu.Como dentes de um antigo predador.Abaixo, o Vale Negro se estendia, uma mancha de escuridão tão densa que quase engolia a luz da lua. Tupã hesitou por um momento, sentindo o peso daquela escuridão.Como um presságio.Ele parou à beira do precipício, seus pés sobre a rocha fria e irregular. Seus olhos, como brasas sob a penumbra, fixaram-se no horizonte sombrio que se estendia à frente.O vale abaixo era... uma abissal cicatriz na terra — um deserto morto.Onde nem mesmo o vento ousava soprar.A paisagem aparentava ter sido esvaziada de vida, como se o própri
A jovem questionava-se até quando resistiria antes de sucumbir à escuridão.— Pare com isso — ela ouviu-se suplicar num sussurro quase inaudível. — Pare...As sombras contorciam e retorciam-se dentro dela, dançando, sinuosas e insidiosas, como serpentes de pura escuridão, cada movimento despertando ondas de sensações que percorriam seu corpo, concentrando-se nas terminações nervosas do clitóris, onde o prazer e a dor se enleavam num frenesi indistinguível. Sobre o altar de pedra negra, a amazona arqueava-se, sua silhueta iluminada apenas pelo brilho fraco e pulsante dos símbolos arcanos que cobriam sua pele.Tupã saltara pelas sombras, atingindo destinos que sua memória podia alcançar. Quando não podia contar com a memória, ele usava o próprio raio de visão a seu favor, agilmente rompendo distâncias, de novo e de novo, até chegar numa trilha que o levara até uma colina rochosa, que descia abruptamente em direção ao Vale Negro.Tupã havia parado à beira do precipício, os olhos fixos no
Repentinamente, tentáculos de sombra irromperam do nada, arremessando-se contra Tupã com a ferocidade de negras serpentes. Eles cortavam o ar, sibilando como infernais cascavéis. Tupã desapareceu num salto evasivo, evitando por pouco que a escuridão pulsante o atingisse pelas costas. Quando reapareceu, fragmentos de pedra e poeira voavam a seu redor, conforme desferia um vigoroso chute na nuca do agressor.O sujeito era alto e robusto, envolto num anorak preto e amplo, o capuz obscurecendo inteiramente seu rosto.Um escudo de escuridão se materializara para sustar o choque.Numa fração de segundos. Mesmo assim, o impacto do chute arremessou-o para frente, e ele guinchou de dor ao ralar-se de barriga contra o chão rochoso. Uma rocha o interceptou a alguns metros dali, arrancando-lhe um grunhido abafado. Gemendo, o encapuzado levantou-se, xingando numa gutural língua desconhecida. Seus olhos, penetrantes, fixaram-se em Tupã como se buscassem algo além da superfície — algo que só a noite
A tenda de Donaldo seguia impregnada pelo aroma quente de vinho, suor e luxúria. A penumbra, cortada apenas pela luz tremulante das lamparinas, dançava sobre corpos enleados, pele contra pele, respirações sussurradas preenchendo o silêncio da madrugada.E por um momento, Donaldo se permitiu acreditar que ainda era um homem comum.Que ainda era apenas um explorador ambicioso, um senhor de guerra saboreando os frutos da vitória.Uma concubina, de cabelos dourados como o sol e olhos verdes faiscantes, deslizou sobre ele, os dedos traçando caminhos preguiçosos em seu peito desnudo.— Meu senhor está inquieto esta noite... — murmurou ela, a voz melíflua e sedutora.Donaldo forçou um sorriso, um vestígio de charme ainda preso às sombras que agora o habitavam.— Muita coisa em minha mente, minha querida.A mulher sorriu, os macios lábios roçando em sua mandíbula, manchando-a de rubro.— Então deixe-me aliviar seu fardo.Donaldo cerrou os olhos, entregando-se à sensação. Havia algo anestesian
O som das gotas de chuva tamborilando contra as telhas desgastadas era o único ruído que quebrava a quietude do aposento. A fraca iluminação das lamparinas oscilava, projetando sombras alongadas sobre as paredes de madeira enegrecidas pelo tempo. A sala estava vazia, exceto por uma única figura sentada sobre um trono de ébano, esculpido com inscrições antigas que sussurravam segredos de eras esquecidas.Arikhan, o Espectro do Eclipse, não se movia. Seus olhos, duas fendas gélidas sob o capuz negro, estavam fixos na lâmina curta em sua mão — uma adaga de prata escura, o fio imaculado refletindo a pouca luz da sala.Foi quando a porta deslizou silenciosamente, sem um único rangido.Uma figura encapuzada entrou, ajoelhando-se diante do trono.