O som das gotas de chuva tamborilando contra as telhas desgastadas era o único ruído que quebrava a quietude do aposento. A fraca iluminação das lamparinas oscilava, projetando sombras alongadas sobre as paredes de madeira enegrecidas pelo tempo. A sala estava vazia, exceto por uma única figura sentada sobre um trono de ébano, esculpido com inscrições antigas que sussurravam segredos de eras esquecidas.
Arikhan, o Espectro do Eclipse, não se movia. Seus olhos, duas fendas gélidas sob o capuz negro, estavam fixos na lâmina curta em sua mão — uma adaga de prata escura, o fio imaculado refletindo a pouca luz da sala.
Foi quando a porta deslizou silenciosamente, sem um único rangido.
Uma figura encapuzada entrou, ajoelhando-se diante do trono.
A escuridão era viva.Ondulava.Pulsava.Sussurrava seu nome.Yara via-se presa dentro de um oceano negro e sem fim, como se tragada por uma amplitude onde tempo e espaço não significavam mais nada.Não havia chão sob seus pés.Nem teto sobre sua cabeça.Apenas sombras, retorcidas como raízes de uma árvore doentia, sussurrando palavras inefáveis.No início, ela tentou lutar. Tentou se mover, gritar, arrancar-se daquilo. Mas não havia nada a que pudesse se agarrar.Então, as sombras começaram a mostrar-lhe imagens.Primeiro, flashes distantes.Uma fogueira numa noite de lua cheia.O brilho do olhar de Tupã conforme sussurrava promessas em seu ouvido.O calor das mãos dele deslizando por sua pele.O coração de Yara cavalgando.Era uma lembrança?Ou estava acontecendo agora mesmo?A cena mudou.Ela estava numa clareira banhada pela luz prateada da lua.O ar cheirava a folhas molhadas e... terra recém-revolvida.À sua frente, Tupã se erguia, olhando-a com a intensidade de sempre.Mas algo
A noite no acampamento de Donaldo nunca era plenamente silenciosa.O vento arrastava indistintos murmúrios.Os passos pesados dos mercenários ressoavam ao longe.E o ocasional riso dissoluto de um homem embriagado cortava a escuridão como uma lâmina enferrujada.Mas naquela noite... para Eliza, a quietude parecia asfixiante.Depois da grotesca cena em que uma mulher tentara matar Donaldo e fora arrastada, esperneando, pelos soldados, Eliza sentiu uma inquietação crescer em seu peito.Ela nunca questionara a natureza cruel de Donaldo, nem as histórias sobre sua aliança com Naaldlooyee. Não era tola; sabia, sabia que os rumores escondiam verdades sombrias.Mas o que testemunhara naquela noite era diferente.A mulher gritara "monstro" repetidamente.E o olhar de Donaldo... aquele olhar... não era humano.Ela tremeu ao recordar o momento em que ele desaparecera nas sombras e ressurgira para imobilizar a agressora. As sombras não se moveram ao acaso. Elas responderam a ele.Agora, deitada
A escuridão se estendia como um oceano sem fim.Silenciosa.Abissal.Viva.Donaldo flutuava nesse vazio, sua consciência oscilando entre o mundo desperto e algo além da compreensão. Ele não estava dormindo, mas também não estava desperto. Estava em algum lugar entre os dois, onde as sombras sussurravam segredos esquecidos e o tempo se curvava sob uma vontade maior.Então, ele o viu.Naaldlooyee.O Lorde das Sombras Abissais emergiu do negrume como uma figura esculpida na própria noite, seu manto um borrão indistinto entre o real e o irreal, sua presença uma ondulação no tecido do próprio universo.— Está pronto para aprender, Donaldo? — A voz do bruxo não foi ouvida, mas sentida, como um sussurro rastejando pela mente do explorador.Donaldo sentiu um arrepio subir por sua espinha. Já aprendera a manipular sombras, já se tornara algo mais do que um mero homem. Mas agora… agora Naaldlooyee falava de algo diferente.— O que mais há para aprender? — Donaldo perguntou, tentando soar inabal
Vendo uma brecha, Tupã desapareceu em pleno ar, sua silhueta dissolvendo-se no escuro como fumaça ao vento. Ele reapareceu em outro ponto, ainda no ar, e com um movimento sutil, lançou um frasco de vidro em direção ao altar. Tentáculos de trevas emergiram do abismo, tentando interceptar o projétil, mas tarde demais. O vidro se estilhaçou, respingos do líquido sagrado voando em todas as direções. Os tentáculos contorceram-se e retorceram-se violentamente, como se queimados por um invisível fogo, e gordas gotas caíram sobre o altar negro, sibilando como água em metal incandescente.Um lampejo de escuridão tremeluzente inundou o vale por um instante, seguido por um chiado agudo, como se as próprias sombras gritassem de dor. Mas Tupã não parou para observar. Ele já emergia de outro ponto, seus movimentos fluidos e certeiros. Num gesto veloz, arremessou mais dois frascos, as trajetórias cruzando-se no ar como lâminas ocultas, descrevendo um X perfeito. Novamente, tentáculos de trevas surgi
A noite estava densa como um véu de seda negra, bordada por murmúrios distantes do vento cortando as árvores. Kaena e Hei corriam, ofegantes, os corpos ainda vibrando com a adrenalina da emboscada que quase os pegara.O cheiro picante da mistura de farinha e pimenta impregnava o ar atrás deles, a distração perfeita para despistar os batedores inimigos.Mas a ameaça ainda estava próxima.Hei puxou Kaena pelo pulso, guiando-a para dentro de uma antiga trilha oculta entre rochedos cobertos de musgo.Cada passo calculado, cada movimento contido.O esconderijo precisava ser seguro.Quando as ruínas surgiram entre a neblina, ambos sentiram algo estranho.Um silêncio irreal.O ar parecia diferente ali, mais frio. O som da floresta fora engolido por uma ausência que pesava sobre seus ombros.Kaena deslizou os dedos pelo cabo da adaga, conforme Hei se abaixava, os olhos analisando as sombras entre os escombros.— Parece abandonado… — sussurrou ela, embora seu instinto gritasse outra coisa.Hei
A lua, cheia e espectral, pairava solitária no céu sem nuvens, lançando sua luz pálida sobre as vastas terras do rancho de Calixto. O farfalhar do vento acariciava os campos de trigo, criando um murmúrio rítmico e tranquilo.Mas naquela noite, a tranquilidade não passava de uma ilusão.Calixto, um fazendeiro de mãos calejadas e olhar perspicaz, olhava para o horizonte como se pudesse enxergar além do escuro. Ele sentia o cheiro da noite, o gosto do vento, o peso oculto do presságio que se escondia na penumbra.Então, o som de cascos soou na estrada de terra.Dois cavaleiros surgiram da névoa, suas silhuetas vacilantes sob a luz das lanternas penduradas no rancho. Um homem e uma mulher, ambos exaustos, cobertos de poeira da estrada.E, nos olhos deles, o tipo de desespero que nenhum viajante deveria carregar.Calixto apertou os olhos ao ver o casal desmontar com pressa. O homem era um rancheiro robusto, de ombros largos e mãos fortes, mas sua postura carregava um peso invisível. A mulh
A escuridão. Não apenas ausência de luz. Um véu entre os mundos, um limiar onde mentes fragilizadas tornavam-se portas abertas para quem soubesse como entrar. Donaldo flutuava entre sombras e sussurros, atravessando o limiar entre o sono e a vigília. A Umbrasonance havia se tornado instintiva para ele agora, tão natural quanto respirar. E essa noite, ele tinha um novo visitante. O sonho do garoto se formava diante dele como um espelho quebrado. Imagens fragmentadas de um vilarejo simples, o cheiro de lenha queimando, o ranger da madeira das casas. Mas tudo distorcido, coberto por um filtro cinza, como se algo essencial tivesse sido arrancado daquele lugar. O menino estava lá. Sozinho. Ele se assentava sob uma árvore retorcida, as sombras se espalhando a seu redor como raízes afiadas, seu rosto jovem, mas os olhos… os olhos já conheciam um tipo de sofrimento que nenhuma criança deveria suportar. Donaldo pousou suavemente sobre o solo onírico, seu corpo fundindo-se ao cenário c
A madrugada se avultava sobre a floresta, um manto frio e denso, repleta de sussurros, passos apressados e o tilintar de lâminas sendo afiadas.As tribos em movimento.Hei e Kaena caminhavam entre os guerreiros reunidos, observando cada detalhe da fortificação improvisada. Rostos de todos os tipos – jovens com olhos determinados, anciões que seguravam lanças com firmeza, mulheres com arcos e punhais enfiados nos cintos.Ninguém mais dormindo.O ataque de Donaldo podia não ser imediato, mas era impendente.— Coloquem mais estacas ali! — Hei apontou para a entrada da clareira. Um grupo de guerreiros já cavava buracos para as armadilhas. — Se eles passarem pelo primeiro bloqueio, terão uma surpresa.Kaena observava os montes de provisões empilhados ao lado das tendas principais.Farinha, carne seca, ervas medicinais, flechas. Tudo seria essencial para resistirem.Ela virou-se para Hei, cruzando os braços.— Acha que Duncan já deveria ter voltado?O guerreiro respirou fundo.— Uma hora. É