Capítulo 1

Aisha é uma jovem de apenas vinte e um anos, a qual possui a pele queimada devido aos intensos raios de sol do Marrocos. Com os olhos castanhos e com os cabelos pretos e ondulados, Aisha é conhecida como uma das mulheres mais belas de sua cidade, o que pode ser visto como um ponto negativo por despertar um pouco de inveja em sua cunhada Surya, a qual também é uma mulher muito atraente, de cabelos pretos, ondulados e olhos também pretos. Enfim, era uma linda mulher, assim como Aisha. Mas ser tão bonita quanto Aisha não era o suficiente para Surya. Ela teria que ser ainda mais bela do que Aisha.

Aisha possui uma família grande e residindo na mesma casa que a sua mãe Samira, o seu pai Opash, o seu irmão Zayn e sua cunhada Surya, com a qual não se entende muito bem devido à imensa inveja e ao difícil temperamento de Surya, o que muitas vezes tira a paz e a harmonia que deveria existir naquela família. Além das pessoas por quem Aisha tem uma grande afeição e laços sanguíneos, ainda moram na mesma casa as empregadas, as quais são as principais responsáveis por todas as tarefas da casa, desde providenciar os alimentos, até atender a porta quando alguém visitante aparece. E é a empregada Hana que conquistou a amizade verdadeira de Aisha, se tornando melhores amigas, Aisha divide todos os seus pensamentos e sonhos com Hana, a qual sempre a escuta com tamanha atenção e torce muito pela felicidade da amiga, que também acaba sendo, de certo modo, a sua patroa.

Por Aisha ser proveniente de uma família de boas condições financeiras, Aisha nunca precisou se preocupar tanto com o seu futuro, visto que a sua herança seria mais do que suficiente para garantir uma vida inteira de muita tranquilidade, tanto para ela quanto para os seus futuros filhos, o que também incomodava a sua cunhada Surya, que residia na mesma casa que Aisha e que há algum tempo vinha tentando engravidar e todas as tentativas foram sem sucesso, pois segundo o seu sogro Opash e também pai de Aisha, se Surya engravidasse, ele daria uma boa e mais do que suficiente mesada a fim de que tanto ela quanto o seu neto, ou neta, tivessem uma vida muito tranquila, mesmo com todos morando na mesma casa. Outra coisa que preocupava Surya era que se fosse confirmado por uma ginecologista que ela não poderia gerar filhos, o seu marido Zayn poderia cogitar arrumar uma segunda esposa a fim de ter os herdeiros que sempre sonhou. E para Surya, isso seria inaceitável.

Sua vida, como a de muitas mulheres da região, desde que era apenas uma criança, se resumia em ir à escola e, quando chegasse em casa, tinha que se esforçar a fim de aprender os serviços domésticos, de modo que quando crescesse e se tornasse uma mulher, pudesse se transformar em uma boa e habilidosa esposa para o seu marido e uma boa mãe para os seus filhos. Então, durante toda a sua vida, ela foi direcionada pela própria família, que deveria se casar, ter muitos filhos e ser uma mãe exemplar não só para que a sua própria família veja, mas toda a sociedade também reconheça, pois nessa região, a reputação era sempre muito valorizada.

Ao longo de sua adolescência, Aisha tinha poucos momentos que podiam ser dedicados ao lazer. Mas as poucas horas disponíveis que ela tinha, ela usava para ir caminhando até o deserto a fim de observar as grandes caravanas que atravessavam aquele imenso espaço de areia que, aos seus olhos, parecia ser infinito.

O deserto, com as suas diversas dunas compostas pela areia clara e de granulometria muito fina, era levantada e transportada facilmente pelo vento, que aos poucos deixava as diversas dunas com tamanhos diferentes. Algumas dunas apresentavam marcas mais fundas e outras mais rasas, todas provocadas pelo efeito dos ventos que sopravam sem parar.

Ao longo de todos os dias, Aisha adiantava os seus afazeres domésticos, ajudando as mulheres de sua família a preparar a comida, tanto para o almoço, quanto para o jantar e outros momentos de alimentação ou lanche que a sua família poderia fazer ao longo do dia. Além disso, Aisha também teria que auxiliar nos demais serviços que fossem necessários. E quando ela, por fim, terminava de fazer todas as suas obrigações, Aisha finalmente poderia ter o seu pequeno momento de lazer, o qual era geralmente no final da tarde.

Então, quando se aproximava o horário do pôr do sol, Aisha questionava as várias pessoas que residiam em sua casa, dentre elas a sua mãe e suas empregadas, a fim de saber se elas ainda precisariam de sua ajuda para alguma tarefa doméstica. E caso elas negassem, Aisha pediria a permissão de sua mãe para sair de casa a fim de curtir o seu momento de lazer, caminhando tranquilamente pelas ruínas e pelas várias ruas movimentadas até chegar ao deserto.

– Mãe, ainda vai precisar de mim para alguma atividade? – Perguntou Aisha para a sua mãe.

– Acredito que não, minha filha. Já está tudo pronto para quando o seu pai Opash e o seu irmão Zayn chegarem. Mas pergunte as empregadas para saber se elas precisam de ajuda.

– Tudo bem. – Respondeu Aisha. E nesse instante ela foi até a cozinha procurar por uma das empregadas que trabalhavam em sua casa, querendo saber se elas ainda poderiam precisar de ajuda.

– Hana, você ainda vai precisar de mim para te ajudar na cozinha ou em outros serviços da casa?

– Oi, Aisha, querida. Não vou mais precisar de você por hoje. Pode ir passear um pouco, meu amor. – Disse Hana, passando as mãos carinhosamente pelo rosto de Aisha.

– Então vou passear um pouco. Mais tarde eu volto.

– Ainda tem coisas para serem feitas, sim, Aisha. – Disse Surya, a cunhada que não gosta de Aisha.

– Ainda tem, Hana? – Perguntou Aisha.

– Não ligue para Surya, Aisha. Faltam pouquíssimas coisas. Eu posso dar conta sozinha. – Disse Hana olhando de esguelha para Surya.

– Bom, já que faltam tarefas mínimas e já tenho a permissão de Hana, vou caminhar um pouco, então. – Disse Aisha, olhando com raiva para Surya.

– Está bem. Mas não volte muito tarde. – Disse Hana.

– Tudo bem. Até mais. – Disse Aisha saindo da cozinha e indo procurar a sua mãe para avisar sobre a permissão de Hana.

– Mãe, eu fui até a cozinha e perguntei a Hana sobre as tarefas do dia. Ela me respondeu que também não vai mais precisar de mim para os afazeres nem da cozinha, nem do restante da casa. Estou indo para deserto, está bem?

– Tudo bem, minha filha, mas não se esqueça de colocar o seu véu. Temos que seguir o costume da forma mais correta possível.

– Está bem. Vou para o meu quarto pegar o véu. – Respondeu Aisha sorridente.

– Não se esqueça de voltar aqui quando estiver saindo. – Pediu Samira, a mãe de Aisha.

Então Aisha foi caminhando até o seu quarto, a fim de pegar um dos seus muitos véus dos quais ela fazia uso. Ela ficou em frente ao espelho de seu quarto e, segurando o véu com as mãos nas extremidades do tecido, levantou os braços e cobriu os cabelos cuidadosamente, passando as outras pontas do véu por baixo do queixo, ao redor do pescoço, a fim de cobrir os seus cabelos, pois a cultura afirma que as meninas depois da primeira menstruação, teriam se tornado mulheres e por isso, deveriam cobrir os cabelos com um véu ao sair na rua, pois a beleza dos cabelos deve ser destinada apenas para a própria família.

Após caminhar por entre as mais de mil ruas da Medina e passar pelas ruínas, Aisha finalmente chegava até o deserto. E quando ela chegava ao imenso espaço de areias finas, Aisha sempre procurava a mesma tenda, a qual tinha algumas almofadas, cujas capas eram feitas de cetim e tinham muitas cores. A tenda era muito simples e de frente para o imenso mar de areias, possuindo todo o seu acabamento externo feito em tecido de estampas claras e variadas, mas de acordo com as tendências locais.

A jovem Aisha, todos os dias entrava na tenda e se sentava sob os tecidos estampados e próxima das almofadas, a fim de observar o horizonte que parecia ser infinito aos seus olhos. As areias que mudavam de cor, de acordo com o ângulo que os raios de sol incidissem sobre elas, encantavam os olhos de Aisha e fazia os seus pensamentos viajarem para muito longe.

Ela imaginava como seria o mundo do outro lado daquele deserto, pois ele era tão imenso que não era possível imaginar que pudesse existir algo além dele. Somente era possível ter algumas miragens, as quais se limitavam a visões de oásis e outras imagens que pareciam ser de uma pessoa, a qual nunca existiu. Uma vez, quando Aisha ainda era uma criança, ela teve a impressão de ter visto um homem em meio as areias ao longe e foi caminhando de encontro a essa imagem, mas a cada passo que ela dava em direção à tal imagem, mais distante dela essa imagem ficava. Então um dia, quando Aisha tinha cerca de seus onze anos, decidiu desbravar o deserto, a fim de encontrar essa pessoa que ela sempre enxergava. Então ela saiu de casa sem avisar aos seus familiares, e foi caminhando para o interior do deserto com o objetivo de encontrar essa pessoa misteriosa que a perseguia através de visões que Aisha só tinha quando estava no deserto. Até que nesse dia, depois dela tanto caminhar, Aisha começou a se sentir fraca perante a falta de água em seu organismo e devido aos agressivos raios de sol que insistiam em queimar o seu rosto, e cada centímetro de seu corpo que não estivessem cobertos pela roupa. Não conseguindo mais ir adiante, Aisha decidiu que seria melhor retornar para a sua casa, pois acreditou que jamais conseguiria se aproximar dessa pessoa misteriosa que, segundo as suas ideias de criança, morava nas areias do deserto. Mas como ela já estava muito debilitada, não conseguia andar depressa. E cada vez ia ficando mais sem força.

Preocupados com o desaparecimento repentino de Aisha, toda a sua família se reuniu e saíram em busca da menina, e depois de tanto procurar por ela e depois de fazer tanto esforço, Zayn, o irmão de Aisha se lamentou por ter perdido a irmã. E os seus pais se desesperaram por se verem sem saída para encontrar a filha. Até que o avô de Aisha, Kaled, o qual é a pessoa mais antiga e, por isso, considerado o mais sábio de toda a família, teve a ideia de contratar algumas pessoas que estavam mais acostumadas com o deserto, pois eles acompanhavam os turistas e as caravanas que chegavam a cada dia. Portanto, o avô de Aisha imaginou que eles pudessem ter mais sucesso na busca pela neta.

E graças à ideia do avô Kaled os homens que auxiliavam os viajantes ao longo dos dias, por conhecerem o deserto, rapidamente encontraram Aisha, que já estava se sentindo muito mal devido aos sintomas associados à insolação e à desidratação. Então depois que Aisha foi encontrada, levada para casa e depois de recebe todos os cuidados médicos, os quais eram pertinentes ao seu estado de saúde, sua família fez diversos questionamentos, a fim de saber o motivo que fez Aisha ir até o deserto. E ela respondeu que ela queria conhecer a tal pessoa que ela via todos os dias ao longe. Então o seu avô Kaled explicou a ela que o deserto é responsável por fazer com que as pessoas tenham diversas visões, as quais são conhecidas como miragens. E então Aisha entendeu que aquela suposta pessoa que ela via ao longe não era real, e sim apenas uma miragem. Então por mais que ela caminhasse muito, ela jamais encontraria essa pessoa, pois era apenas uma visão gerada pelos efeitos do deserto.

Essa explicação deixou Aisha ainda mais encantada pelas areias do deserto, o que a fez crescer querendo, ainda mais, visitar o local todos os dias. A fim de agradar Aisha e de modo que ela não se perca novamente, muito menos fuja de casa, seu pai ordenou que sua esposa Samira, mãe de Aisha, fizesse companhia para a filha, juntamente com uma de suas empregadas para que a menina tivesse os seus momentos de lazer depois de seus afazeres domésticos ao lado de sua mãe e de uma das empregadas, em segurança. Então assim Aisha cresceu, admirando o deserto e todas as coisas que lá estavam, como os camelos que viajavam de tão longe trazendo bagagens e pessoas, as quais viajavam a fim de conhecer e se hospedar em sua cidade, ou a fim de passar apenas por aquela localidade.

Conforme Aisha foi crescendo, ela foi desenvolvendo os seus pensamentos com relação ao mundo que poderia existir do outro lado das areias do deserto, por isso, ela sempre teve vontade de conhecer algum viajante que passasse por aquela região através das caravanas, pois ela sempre sonhou em conhecer, principalmente, o ocidente. Queria muito conversar com esses viajantes, principalmente os quem tivessem maior experiência e conhecimento com relação ao mundo ocidental, a fim de saber como eram as culturas, quais eram as comidas típicas, as músicas que eram apreciadas por esses povos, as religiões, o modo de pensar, e de viver. Pois o seu avô Kaled já havia viajado e conhecido muitos lugares ao longo de sua vida, inclusive muitos países ocidentais. E por conhecer esses lugares, ele contava as suas mais variadas experiências para toda a família, o que os deixava curiosos e sedentos por ouvir cada vez mais. Por meio de suas histórias, Aisha ficava admirada com o modo de vida e a cultura que eram adotados pelos povos ocidentais.

Uma das coisas que fazia a curiosidade de Aisha se aguçar ainda mais era a alimentação dos ocidentais, pois ela se perguntava como era possível que as pessoas conseguissem comer uma comida quente acompanhada de uma bebida gelada.

Como a família de Aisha seguia religiosamente as tradições e a cultura locais, eles sempre optavam por não fazer uso de televisão em suas casas nem de qualquer outro eletrodoméstico ou eletroeletrônico que pudesse fazer com que os seus filhos ou qualquer outras pessoa da família pudesse se desviar dos caminhos determinados pelo destino. Por isso Aisha só ficava sabendo das outras culturas através das diversas histórias contadas pelo seu avô Kaled. E por isso, ela se perguntava como as mulheres poderiam ir a um baile e ficar dançando com poucas roupas, ou usar roupas curtas na rua. Isso tudo para Aisha era muito assustador. Ela não conseguia se imaginar adotando esse tipo de vida, mas queria conhecer, ver de perto como a vida ocidental acontecia, como eram as cidades, como eram as construções entre outras coisas.

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