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Doce Criança

       – É um prazer te ver de novo Eva. – Ele me encarava com um olhar penetrante me deixando sem reação por alguns segundos. Eu respondia? Corria? Ia para cima dele? Nenhuma dessas foi uma reação viável na hora à não ser ficar ali imóvel, o encarando de volta. 

       – Você só pode estar brincando comigo não é? – Essas foram as únicas palavras que consegui proferir após o meu transe. – O que você está fazendo aqui? 

       – Eu só precisei de um tempo para arrumar umas coisas. Agora que arrumei tudo, decidi que era hora de voltar. – Eu revirava os olhos inspirando profundamente tentando achar uma saída para aquela situação. 

       – Que seja, eu estou indo embora. – Sinto sua mão segurar meu pulso e eu desvencilho rapidamente de maneira brusca com a intenção de mostrar-lhe que eu não estava para brincadeira. – Não encosta sua mão em mim. – Eu dizia fitando-o profundamente antes de sair do bar me direcionando até o meu carro. Entro me sentando no banco do motorista fechando minhas mãos em punho dando socos no volante com a lateral das mãos. Antes que eu pudesse pensar em alguma coisa vejo Jared bater no vidro do carro e abro uma fresta da janela evitando o contato visual. 

       – Nós podemos conversar? – Ouvir aquela voz me causava arrepios, naquele momento eu só queria chorar. Queria dormir e quando acordar ver que tudo isso não passou de um pesadelo. 

       – Tudo o que você tinha que conversar comigo, devia ter sido dito há seis anos. Agora já é tarde demais. – Arranco com o carro deixando ele para trás sem lhe dar a chance de retrucar. Não podia mais ouvir sua voz. Já não era suficiente tudo o que eu tinha sofrido, tudo o que eu tinha me tornado por conta disso? E agora ele volta como se nada tivesse acontecido e todas as cenas que vivemos juntos passam como flashbacks acelerados em minha mente enquanto eu dirigia para a casa. Só queria chegar logo e me esconder debaixo do chuveiro, permanecer ali chorando até que toda essa angústia fosse levada para fora do meu peito. 

      Quando adentrei em meu apartamento, pensei em realmente correr para o chuveiro e chorar mas ele não merecia mais nenhuma lágrima. Fui até o bar que ficava exposto na sala, sabia que boas doses de whisky resolveriam aquela dor mas não era só isso. 

      – É exatamente como naquele dia... 

      Abro uma caixa preta em cima do bar tirando dali um pequeno saco com seu conteúdo branco dentro. Jogo uma boa quantidade sobre meu celular e começo a arrumar com um cartão, pegando em seguida uma nota de cinquenta em cima da mesa enrolando-a. Inalar aquilo é como se tirasse um peso das minhas costas, um refúgio do mundo, mas a sensação já não é mais a mesma da primeira vez. 

      Ouço a campainha e vou até a porta olhar quem é e através do olho mágico posso ver um rosto muito familiar, Sandes. Abro a porta sem dizer nada apenas dando-o passagem para entrar. 

       – Quer beber alguma coisa? – Pergunto- o totalmente sem ânimo e cabisbaixa. 

        – Não Eva. Só quero saber, o que foi aquilo? – Podia ver em seus olhos a preocupação, ele nunca tinha me visto dessa forma, frágil, acuada e imagino o quão chocante aquilo deveria ter sido para ele. 

   

        – Bom, eu já te contei essa história. Ele é o cara que salvou minha vida quando eu nasci e acabou com ela dezoito anos depois. – Dito isso eu acabei de virar minha dose de whisky me jogando no sofá, suspirando. 

...

24 ANOS ANTES

      Jared andava arrasado pelos corredores daquele hospital. Com apenas 17 anos acabara de perder a mãe de seu primogênito, Alexander. O rapaz estava completamente sem chão, sozinho, sem saber o que seria dele e de seu filho. Fora descuidado e por sua culpa, sua amada havia engravidado. Dois jovens inconsequentes gerando um filho e agora, toda essa responsabilidade ficara para Jared que teria que lidar com o peso da paternidade solo e com a dor de perder sua namorada. 

      – VOCÊS FORAM NEGLIGENTES!! POR CULPA DE VOCÊS EU VOU PERDER A MINHA FILHA!! EU QUERO A MINHA FILHA!! – Um pouco mais à frente o rapaz pode ver uma mulher gritando desesperada, sua dor estava nítida em sua voz e mesmo de longe era possível ver suas lágrimas que não paravam de rolar por seu rosto. 

        – O que está acontecendo ali? – Jared pergunta à enfermeira que antes, tentava acalmar a mulher que estava alí aos prantos. 

       – Ah, pobre coitada. – A enfermeira faz uma cara de piedade ao contar-lhe a história. – Na hora de seu parto o médico ao puxar sua bebê com o fórceps acabou por fazer um ferimento em sua cabeça e a bebê acabou perdendo muito sangue. Seu tipo sanguíneo é O- e não temos bolsas de sangue para fazer a transfusão. A mãe é O+ e ela está arrasada. – A enfermeira suspirava ao olhar novamente a mulher que continuava a gritar em desespero 

      – Eu sou O-, eu poderia doar. – O rapaz dizia em um tom seco olhando ao longe evitando o contato visual com a enfermeira. 

        – Isso seria muito nobre de sua parte. Espere aqui só um instante que eu irei avisar os médico e preparar tudo, teremos que fazer uma tipagem sanguínea antes apenas para seguir protocolo. Muito obrigada rapaz. A propósito, sinto muito por sua namorada. – Jared apenas acentiu ouvindo os passos da enfermeira se afastarem de si. Por algum motivo, o jovem sentiu a necessidade de se aproximar daquela mulher e assim o fez. 

         – Me desculpe a intromissão mas a enfermeira me contou sobre sua filha. Eu tenho o mesmo tipo sanguíneo. Ela foi preparar tudo para que eu possa fazer a doação. – Ele viu nesse momento a mulher levar a mão à boca em espanto, parecia ter ficado sem reação apenas ali encarando-o. 

        – Meu Deus, muito obrigada. – Suas lágrimas escorriam cada vez mais e agora seu choro vinha com soluços mas desta vez, era perceptível que não era de tristeza. – Meu Deus, você vai salvar a minha filha. Eu não sei nem como agradecer. – A mulher ainda permanecia ali chorando freneticamente mas Jared estava aliviado por saber que poderia ajudar à salvar uma vida no mesmo dia que uma vida lhe foi tirada. - Meu nome é Helena, eu gostaria muito de saber o seu. 

         – Jared. – Ele dá um sorriso amarelo para a mulher que o abraça deixando-o sem reação. 

       – Muito obrigada, Jared. 

        Após Jared doar o sangue e a transfusão ser feita com sucesso ele resolve ir até o berçário para ver como está seu filho e lá ele vê Helena com a mão no vidro encarando os bebês, apenas os filhos de ambos estavam lá. 

       – Seu filho parece tão calmo, desde a hora que estou aqui ele só dorme. – Ele diz encarando os bebês com ternura fazendo Jared olha-los também. 

         – Ele já nasceu assim, calmo como a mãe. – Ele sorria tendo lembranças de sua falecida amada enquanto segurava as lágrimas para que não marejassem seus olhos. 

          – Eu sinto muito pelo que aconteceu, de verdade. E queria te agradecer de novo pelo que você fez pela minha filha, eu vou ser eternamente grata! 

   

          – Não se preocupe, fico feliz que ela esteja bem. – A mesma enfermeira de antes se aproxima de ambos permitindo sua entrada no berçário e nesse momento os dois compartilham da mesma felicidade: poder estar ao lado dos filhos. 

       – Olha Jared, você não quer pegar a mãozinha dela? - Diz Helena com um sorriso sincero para Jared que se espanta no mesmo instante. 

        – Ah Helena eu não sei, eu não sou muito bom com crianças, ainda mais bebês. 

          – Vai precisar aprender. – Helena diz isso olhando para o pequeno Alexander fazendo Jared engolir a seco. Ela tinha razão, daqui para frente ele não teria escolha, teria que aprender a lidar com essa situação, teria que aprender a ser pai. 

          – É, você tem razão. – Jared põem a mão dentro da pequena incubadora que continha luvas para que as bactérias das mãos não entrassem em contato com o bebê. 

         – Qual o nome dela? 

        – Eva. Como a do paraíso. – Helena sorria emanando paz ao dizer o nome da filha. 

        – Lindo nome. – Diz Jared enquanto coloca lentamente os dedos próximos a mãozinha de Eva. 

       Jared percebe a delicada e pequena mãozinha de Eva apertando seu dedo e quando ele olha para a incubadora tem a impressão de ver a bebê sorrir para ele.Neste mesmo momento ele pensa. 

"Doce Eva. 

Doce criança." 

...

       – Bom, depois disso ele e minha mãe continuaram mantendo contato por anos até que quando ela morreu eu fui morar com ele e a Marina. Isso eu tinha 17 anos e o Alexander já não morava mais com ele. Aos 18 começamos uma relação e enfim... deu no que deu. 

       –  Bom Eva eu sinto muito por você, mas esse cara não me aspira confiança. – Ele cruzava os braços encostando-se na pilastra ao centro da sala. 

       – Eu sei, nem para mim. Olha Sandes, eu gostaria de ficar sozinha. – Ele acente dando um beijo em minha testa, saindo pela porta em seguida.Tomo mais uma dose dupla de whisky e decido banhar-me. 

          Sinto a água quente escorrer pelo meu corpo enquanto me lembro do Jared. Ele estava tão lindo como nunca esteve antes, tinha uma postura diferente, postura de um homem confiante de si. Mas ao mesmo tempo tão arrogante e prepotente. Não sei se é pior ter ficado seis anos sem vê-lo ou ele aparecer e ser essa pessoa completamente diferente. Perdida em pensamentos eu volto a realidade. 

         Desligo o chuveiro e enrolo uma toalha no corpo. Me jogo na cama sentindo meu corpo relaxar. 

        – Jared, quem você se tornou? 

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