— Você disse nada de sexo – Léa reclamou.
Ela estava tentando fazê-lo parar de beijá-la há algum tempo, se sentindo desconfortável com o rumo das mãos e dos lábios do garoto, deitado sobre ela no sofá. Ok, a espera tinha sido realmente enlouquecedora, mas ela não ia ceder a ele tão fácil a ponto deixar que ele passasse do limite. Ela ainda era uma garota respeitável e ele tinha que ter um pouco mais de calma com ela, se quisesse.
— Eu não disse nada de sexo – murmurou, o rosto afundado no pescoço dela, enquanto dava mordidinhas que faziam os calafrios subirem pela sua coluna. Inconscientemente, Léa apertou um pouco mais o pedaço de camisa que ela segurava, na altura da cintura do garoto – Eu disse “quem está falando de sexo?” Eu não estava, mas agora tô pensando melhor.
Com isso, ele mordeu sua a orelha e movimentou o corpo, insinuando-se sobre ela, fazendo-a gemer baixinho e acabou por acompanhá-la.
— Arthur... – sussurrou. – Eu realmente acho que isso não vai ser legal.
Ele fingiu que não estava escutando-a, deslizando as mãos da cintura dela até os seios. Os lábios dele tentaram capturar os dela, sem sucesso. Só então ele percebeu que tinha algo errado com o que ele estava fazendo, mesmo sem saber o que era.
— Por quê? – Ele perguntou.
Léa o empurrou levemente, saindo de debaixo dele para se sentar no braço do sofá, tentando manter os lábios e os braços do garoto longe dela, enquanto ele não pudesse se controlar. Ela passou os braços ao redor dos joelhos, olhando para ele, um pouco magoada. O garoto estava assustado, sem entender o que havia feito. Ele não quisera fazê-la chorar.
— Você está indo muito rápido – Ela disse. – Eu sei que a gente esperou uma porra de tempo pra isso tudo acontecer, mas você está praticamente me tratando como uma qualquer.
O garoto pareceu totalmente admirado com a declaração dela.
— O quê? – Ele soltou, chocado. Para, então, começar a rir.
Ela descruzou as pernas, magoada pelas gargalhadas do... Ela queria dizer namorado, mas não tinha certeza. Então chutou-o pela falta de tato.
— Arthur! – Exclamou.
O garoto tentou engolir as gargalhadas com todas as forças que tinha.
— Ok. Desculpe – Disse. Deu mais uma risadinha e ele finalmente parou, se sentando direito no sofá e encarando-a – Eu não estou te tratando com uma qualquer, ok? Eu só... – Ele suspirou e parou de falar, olhando para o nada.
Impaciente, a garota escorregou de volta para o banco do sofá e colocou as mãos sobre os ombros de Arthur, tentando fazê-lo olhar para ela, para que ela pudesse tentar entender, nem que pelos olhos dele, o que se passava em sua cabeça.
— Você só...? – Ela perguntou.
Ele suspirou novamente e olhou-a.
— Todas as vezes que eu desejei você e você com outros caras e eu pensando no quão estúpido eu era por não ter você ao meu lado. Mas você enchia a cara, a gente se beijava e aí você fingia que nada tinha acontecido, então achei que você não queria. E isso me deixava confuso, mas cada vez que a gente se beijava, mais eu desejava você e então... Bom, aqui estou eu, louco pra fazer tudo o que eu imaginei que podia fazer com você e aí está você, finalmente deixando que eu faça. Eu não ‘tô conseguindo me controlar. É só isso.
Ela riu e colocou a mão na coxa dele, friccionando para consolá-lo. Arthur não achou aquilo nem um pouco consolador; olhou para a mão dela, desejando que ela subisse por sua coxa mais alguns centímetros. Mordeu o lábio inferior, com o pensamento e sacudiu a cabeça, afastando-o. Léa nem ao menos reparou, curvando-se sobre ele e deixando os lábios encostarem-se levemente, antes de se afastar.
— Tudo bem. – Ela disse. – Mas vamos com calma com isso tudo, está bem? – Pediu. – A gente já demorou demais pra se resolver, não vamos... Estragar tudo, atropelando as coisas e fazendo tudo correndo pra chegar onde a gente quer.
Arthur abriu um sorriso do tamanho do mundo, fazendo Léa suspirar. Ele se curvou sobre ela, obrigando-a a deitar-se sobre o braço do sofá e colocou uma mão de cada lado do corpo dela, impedindo-a de fugir.
— Então você também quer? – Ele perguntou.
Ela corou, tanto de vergonha pela conclusão dele quanto de raiva por ele só ter ouvido a última parte do seu tão belo discurso.
— Arthur! – Ela berrou, estapeando-o.
Arthur caiu na gargalhada, puxando-a pela cintura e se sentando no sofá, com a garota em seu colo. Ele beijou-a, tirando seu fôlego, enquanto, a principio, Léa batia em seu ombro, tentando fazê-lo parar. Após alguns momentos, ela cedeu, vendo que as mãos dele e não avançavam pelo seu corpo, paradas comportadas em sua cintura.
Tentando não acabar com todo o seu ar restante, Léa colocou as mãos nos ombros do garoto, paradas, demonstrando que não ofereceria mais resistência. Arthur, percebendo isso, foi motivado a mudar o beijo pra uma forma mais voraz, apertando a cintura dela com mais força.
Léa encerrou o beijo com um gemido meio tonto, puxando bastante ar, antes de grudar os lábios com os dele mais uma vez. Se ele continuasse conseguindo se controlar assim, quem ia perder o controle seria ela. Ela passou as mãos para a nuca e entranhou uma delas em seus cabelos, puxando-os levemente. Arthur mordiscou seu lábio e encerrou o beijo, encostando a cabeça no encosto do sofá, tentando normalizar a respiração atordoada, de olhos fechados enquanto ela o encarava, abobalhada.
No segundo seguinte, ela percebeu que o garoto se excitara um pouco, saindo de seu colo ligeiramente sem jeito. Arthur, percebendo a movimentação dela, abriu os olhos, para rir da face corada da garota. Ela lhe deu um soquinho, como se dissesse: “me deixa em paz”.
— Eu podia ficar assim com você pelo resto da minha vida. – Ele confessou.
Antes que a garota conseguisse processar a informação, o rosto de Arthur ganhou um tom rosado pelo que havia dito e ele riu, nervosamente. Ela sorriu, doce, e deixou seus lábios encostarem-se aos dele mais uma vez, só para serem interrompidos.
— Oi, casal! – Luís cumprimentou-os, abrindo a porta. Ele esperou Raquel entrar para fechar a porta atrás dela. – E aí, como estão as coisas?
Arthur deu de ombros, ainda sem jeito pela declaração anterior. Léa, por outro lado, estava emanando felicidade. Arrumou-se e deu um jeito de sentar no sofá, encostada em Arthur, que logo passou o braço pelo ombro dela, protetoramente.
— Bom, digamos que as coisas estão indo. – Ela disse. – E vocês, como foi na cidade?
Luís passou o braço pelos ombros de Raquel, copiando Arthur. Com um sorriso estonteante, ele disse:
— Estamos medicados agora, certo, Raquel?
Raquel concordou com a cabeça, mas ela não parecia estar por ali. Seu olhar estava pra lá de perdido e suas feições não mostravam nem um milésimo da alegria que Luís parecia emitir com o fato dela ter tomado seus remédios certos.
Percebendo isso, Léa lançou um olhar assustado a Arthur, que deu de ombros. Eles todos estavam ali por causa dela, para tirá-la do casulo que ela se enfiara nas últimas semanas por causa do aniversário da morte do irmão. Ela já era, normalmente, uma garota excêntrica, mas com muito esforço, remédios e a presença constante de Luís, ela já havia superado aquela fase de “vocês podem falar comigo, mas eu não estou por aqui”. Tê-la assim, de novo, depois de tantos anos, era assustador.
Não importava o quanto cada um deles se empenhava pra manter Raquel sã e presente. Ela nunca estava cem por cento.
— E onde estão os outros? – Arthur perguntou.
— Vindo. – Raquel surpreendeu a todos, respondendo com um sorriso.
O complemento de Luís demorou um pouco a sair, visto que o garoto estava olhando-a, sorrindo admirado com a mudança repentina dela.
— Pedro e Belinda foram tentar comprar comida pra gente. Bom, era pra Fabrício e Catarina irem com os dois, mas os dois sumiram logo depois. A gente foi lá, depois da farmácia. Ajudamos a acabar de comprar as coisas e Fabrício e Catarina apareceram, sabe, ofegantes e meio amarrotados – Ele riu – quando estávamos ensacando. Se não fosse hora de jantar, eu acho que os dois nem apareceriam por aqui hoje.
Eles riram, Raquel ainda sorrindo, um pouco sem entender o humor dos outros três. A questão era: Entre as muitas coisas que Fabrício e Catarina tinham em comum, comida e, principalmente, comer, eram algumas as principais. Principalmente se envolviam em alguém preparar para eles ou roubar a comida de alguém.
Os quatro que faltavam só apareceram na casa alguns minutos depois, quando Luís, Raquel, Léa e Arthur, cada casal em um sofá, já resolvera assistir algo na TV.
O tempo havia mudado consideravelmente, como se soubesse o que aconteceria naquela casa àquela noite. Ventos fortes bagunçavam terrivelmente os cabelos de Belinda e Catarina, quando, por fim, conseguiram entrar na casa. Os meninos a acompanhavam, carregando o máximo de compras que conseguiam para não ter que pegar a chuva que estava vindo. Quando a última sacola de compras atravessou o portal, sendo carregada por um arfante Fabrício, começou a chover.
Gotas pesadas, arrastadas pelo vendaval fortíssimo que assolava a região, batiam nos vidros da casa, fazendo um barulho infernal. Alheios ao tempo e protegidos, os oito habitantes da casa resolveram fazer pizzas porque eram mais rápidas e práticas, além de deliciosas.
As meninas rapidamente tomaram o lugar na cozinha, com exceção de Raquel, de quem nunca ninguém exigia nada. Não era exatamente machismo, elas tomarem conta das pizzas ou da preparação do jantar. Elas simplesmente sabiam que se permitissem os rapazes... Bom, eles teriam tudo, até papel toalha colado no teto, menos, efetivamente, um jantar.
— Então, dona Catarina... – Belinda começou. A risada de Léa logo seguiu a insinuação, enquanto Catarina cruzava os braços, encostando-se à geladeira.
Elas haviam acabado de checar as pizzas e, com alguma sorte, tudo estaria pronto em poucos cinco minutos, antes que os meninos resolvessem vir “checar”.
— Que foi? – Catarina perguntou, já na defensiva.
Isso só rendeu mais risadas das outras garotas, fazendo Catarina mostrar língua as duas, sem saber como controlar a situação ao favor dela.
— Não posso falar nada de ninguém, no momento. – Léa disse, dando de ombros e engolindo a risada. – Mas... Você e Fabrício? Achei que ia demorar mais algumas eras. Achei até que os dois lerdos – Apontou pra Belinda, que cruzou os braços – iam primeiro.
Catarina riu, mas pra espanto dela e de Léa, Belinda soltou:
— E quem disse que não fomos? — Então, ela corou consideravelmente. Antes que as duas perguntassem, ela continuou – Foi só um beijo. No carro. Mas foi bom.
Elas se encararam, os sorrisos meio bobos no rosto. Léa deu de ombros e andou até a geladeira, empurrando Catarina para poder retirar os refrigerantes dali. Sem dizer nada, as três sabiam que haviam feito um pacto: Ninguém zoa ninguém.
A impaciência na sala era terrível. Embora eles fingissem estar assistindo TV, Pedro e, sobretudo, Fabrício, quase não conseguiam esperar.
— Vocês queimaram minha pizza? – Fabrício berrou, pra cozinha.
— Já está saindo! – Catarina respondeu. Em seguida, ouviram um “não faz isso, sua maluca” e risadas.
Os meninos franziram as sobrancelhas e se entreolharam.
— Sempre quis saber como elas se divertem na cozinha sem fazer bagunça – Arthur disse.
Léa, que estava entrando na sala carregando os refrigerantes, riu, abandonando as garrafas na mesa central e se jogou em cima do pseudo-namorado.
— Se você não fizesse tanta bagunça sempre que entra nela, já podia ter descoberto.
Catarina e Belinda vieram logo atrás, cada uma segurando uma pizza. Elas colocaram ao lado das garrafas que Léa levara e, logo, os oito estavam sentados ao chão, com um pedaço gorduroso de pizza nas mãos.
— Ao menos Fabrício prestou pra alguma coisa hoje – Pedro murmurou, com a boca cheia. Belinda deu-lhe um tapa na cabeça dele – Ai! – Ele resmungou. – Tô falando que o diabo fez porra nenhuma hoje além de se agarrar com a Catarina e pegar pizzas.
Catarina corou, ficando da cor dos cabelos. Fabrício apenas deu de ombros e voltou a comer.
— Aceito isso. – Fabrício disse. – Posso conviver só com Catarina e pizzas. – Ele sorriu pra garota, que revirou os olhos, ignorando-o pelo seu pedaço de comida.
— Hm... Acho que Catarina consegue viver só com pizzas, Fabrício – Belinda zoou.
Os outros caíram na gargalhada com a zoação. Fabrício deu língua pra todos eles e, contrariando uma zangada Catarina, puxou-a e beijou-a.
— AI QUE NOJO – Léa berrou, a única que, provavelmente, pensou que ainda haveria pizza em meio a aquele beijo. – Credo, seus porcos, estou saindo pra checar as outras pizzas.
Ela levantou-se e foi direto pra cozinha, deixando um Arthur abobalhado e risonho pela reação da garota.
Catarina empurrou Fabrício enfiou o restante do pedaço de pizza no rosto de Fabrício, que pouco se importou, pegando e comendo-o. Pedro e Belinda fizeram caretas idênticas de nojo.
— Mais pra mim. – Foi a justificativa de Fabrício.
Um trovão encheu o ar, apagando algumas risadas que ainda ecoavam na sala. Léa deu um gritinho da cozinha, fazendo Arthur levantar e ir até ela. Luís passou o braço ao redor de Raquel, para confortá-la, se ela tivesse uma reação parecida com as das meninas: Belinda agarrou o braço de Pedro com força, parecendo impedir a circulação de sangue pela região, visto que o braço do garoto ficou bem esbranquiçado onde ela agarrava e, ao redor, avermelhado; Catarina encolheu-se, demonstrando susto, fazendo Fabrício puxá-la para o colo dele (ambos ficaram muito felizes com isso).
Mas Raquel não demonstrara susto. Ela desvencilhou-se do abraço de Luís rapidamente, fazendo-o encará-la, confuso. Ela sorriu, quase como se dissesse pra ele que tudo ia ficar bem.
Não ia.
— Estou bem – Ela disse. – Não tenho medo disso. Vou ao banheiro.
E mecanicamente, como sempre agia quando em crise, ela se levantou e sumiu pelo corredor. Luís deixou suas feições demonstrarem o nervosismo pela aparente independência da garota. Pensou em ir atrás, mas ele não seguia garotas inocentes até o banheiro, mesmo que essa garota fosse Raquel.
Arthur voltou à sala carregando as duas pizzas e uma Léa totalmente resignada o acompanhou. Ela lançou um olhar maléfico à Fabrício e Catarina, a última se encolhendo ao olhar dela, e ocupou seu lugar vago ao lado do que Arthur ocupara.
A chuva ainda caia a toda quando eles terminaram de comer a terceira, estiando em horas, mas voltando mais forte e, logo em seguida, enfraquecendo outra vez. A cada trovoada, as garotas se assustavam.
Raquel retornou apenas na metade a última pizza. Luís, por vezes, pensara em ir atrás dela, mas imaginou que, talvez, a mistura de pizza, refrigerante e remédios de tarja preta não tivessem feito muito bem ao organismo da garota, então aguardou impacientemente até que ela retornasse. Quando a viu, ele abriu um sorriso maravilhoso, aliviado e ao passo que ela negou os últimos pedaços de pizza, imaginou que estava correto quanto às reações intestinais dela, proibindo-se de perguntar “onde é que você estava?” para não constrangê-la.
Fabrício e Pedro travaram uma luta pelos últimos pedaços, que terminou com Léa se metendo no meio pra dividir ao meio. Nenhum dos dois ficou muito feliz com a situação, mas aceitaram bem e pararam de brigar.
As meninas, Arthur e Luís já se distraiam assistindo à um filme na Tv, enquanto Pedro e Fabrício ainda se divertiam com os restos mortais da pizza. O clima era de sossego, tranqüilidade e, mais que tudo, eles se sentiam completos assim. Eles tinham comida, amigos, amores e uma casa num tranqüilo fim do mundo, o que mais precisavam? Pra eles, nada.
Raquel bocejou, atraindo a atenção de Luís. Ele olhou no relógio e eram quase onze horas. Ele ainda tinha que tomar banho e medicá-la pra dormir. Suspirou.
— Gente... Nós vamos subindo – Declarou, levantando-se e estendendo a mão para Raquel, que aceitou-a de bom grado.
Arthur espreguiçou-se e cutucou Léa no ombro, apontando pra escada, onde Luís e Raquel tomavam seu caminho. A garota riu, negando com a cabeça, entendendo a intenção dele rapidamente. Arthur fez bico e ela beijou-o, antes de se levantar.
— Acho que também vamos. – Disse.
Arthur quase gritou um ‘yey’ enquanto a seguia escada acima. Não é preciso mencionar que os dois entraram no mesmo quarto, já aos beijos.
Restaram na sala, dois casais. Os dois rapazes estavam tão tontos de comer que não pensaram em ter alguma reação, no momento. Depois de mais alguns minutos maçantes de filme, onde as garotas estavam mais tensas esperando que eles fizessem alguma coisa que realmente assistindo ao filme, Fabrício virou-se para Catarina e capturou os lábios dela.
— Acho que vou subir também, você vem? – Ele perguntou.
Ela concordou com a cabeça, o coração acelerado. Ele se levantou do chão, oferecendo a mão para ajudá-la e, assim que ela ficou em pé ao seu lado, abraçou-a pela cintura, arrastando-a até a escada. Eles não entraram no mesmo quarto, ao primeiro momento. Bateram as duas portas com força pra que todos ouvissem. Mas, depois disso, Fabrício saiu de fininho e entrou no quarto de Catarina. Ninguém saberia dizer se fora combinado ou não.
Então sobrou Pedro e Belinda. Embora tivessem feito as compras juntos, o clima entre os dois estava esquisito desde o beijo surpresa que Pedro a dera no carro, seguido de um tapa assustado da garota. Ela, sem jeito desde então, ficara se corroendo por dentro, com medo dele nunca mais tomar iniciativa alguma com ela. Movida a isso, ela resolveu tentar algo.
— Escuta, Pedro, sobre o beijo...
Ele nem ao menos deixou ela tentar terminar de formular a frase em sua própria cabeça.
— Você gostou? – Perguntou.
A garota corou.
— Sim, mas Pedro... — Tentou, mas ele, novamente, não lhe deu ouvidos
— Então, se eu tentar de novo, você promete não me bater?
Rindo, ela tampou o rosto, envergonhada, mas confirmou com a cabeça. Ele se aproximou, doce, tirando as mãos do rosto dela para conseguir beijá-la.
No andar superior, dois outros casais se beijavam, mas o terceiro, embora também dividissem o mesmo quarto, se comportavam assustadoramente bem.
Luís estava remexendo em sua mala enquanto Raquel o encarava, quase sem piscar, sentada na cama, balançando os pés, distraída como sempre. Ele estava tranqüilo em deixá-la para tomar banho, visto que ela apresentava bom humor.
— Você vai tomar banho? – Raquel perguntou-lhe.
Luís parou de procurar a roupa de dormir em sua mala para olhá-la, com um sorriso no rosto. Raquel estava soando quase infantil, com uma voz tranqüila, o olhar curioso e as pernas balançando. Se ele não a olhasse tão diferentemente, como a mulher que ele queria ao seu lado, talvez a desse muito menos idade. Mas, por horas, ela aparentava ter parado no tempo, desde a morte do irmão, aparentando ter ainda seus sete ou oito anos de idade. Ele não se importava, adorava tudo nela.
— Sim. – Disse.
— Não é perigoso tomar banho com esses raios? – Perguntou novamente.
Tão sensato que o surpreendeu. Ele arregalou os olhos, levemente e, concordou levemente com a cabeça, finalmente achando a roupa que queria. Andou até ela e deu-lhe um beijo na testa.
— É sim, mas essa casa tem proteção, então não se preocupe, ok? – Ele disse. – Não vou demorar.
Ela concordou com a cabeça e, ansiosa, aguardou.
Encarou a chuva pela janela totalmente fechada do quarto. A maneira correta com que as gotas batiam contra o vidro, fazendo barulhinhos, a acalmava. Ela se jogou contra a cama, balançando a cabeça como se a chuva fosse uma música da qual ela ouvia com uma freqüência alta.
Seus olhos mantiveram-se grudados na janela, em extrema concentração. Ela admirava cada gota e escutava cada barulho com um prazer indescritível, ignorando todo o resto.
Sabia que Luís lhe daria algum remédio pra dormir em poucos minutos, ela os odiava. Apenas tomava porque ele insistia que era pro bem dela. Ele dizia que se ela não os tomasse, iriam levá-la pra outro lugar, onde ele não poderia vê-la sempre. Raquel não queria isso.
Ela se irritava. Algo, dentro dela, sabia que tudo estava errado e queria consertar. Mas, quando ela realmente tentava, o máximo que ela conseguia era parecer uma criança hiperativa. Era frustrante, a cada segundo, seu corpo de mulher desejando com toda a força ser amada como tal, mas sua mente prejudicada e doente a fazia parecer com uma menina e, por isso, Luís os classificava como “não prontos para um próximo passo”.
Nunca haviam conversado sobre isso. Luís não gostava de falar com ela nada que fosse a deixar irritada ou frustrada. Até o presente momento, ela achava que os dois tinham uma espécie de relacionamento sem contato físico intenso e, era, efetivamente, o que eles tinham, mas ver os outros tomando um rumo a deixou com inveja. Doía não poder ser inteira para o seu Luís.
A chuva continuava a bater contra a janela, a acalmando. Tudo que ela queria era que algum remédio dentre todos que ela tomava fizesse algum efeito. Qualquer coisa. Ela precisava ser normal.
Mas ela não era.
Se Raquel tivesse um pouco mais de consciência ou fosse menos egoísta, ela já teria se afastado de Luís para que ele pudesse ter uma vida normal com uma garota que não fosse tão quebrada ou cheia de problemas como ela era. Mas, além de tudo isso, ela ainda era dependente, não dos remédios que tanto odiava, mas daquele garoto por quem seu coração batia mais forte.
Respirou profundamente, distraída. Continuava a balançar a cabeça no ritmo da chuva. Ping. Ping. Ping. Só isso pra deixá-la calma. Ping. Ping.
KABUM!
O barulho estranho, destoante, a fez levantar, assustada, da cama. Rodeou o quarto, o coração totalmente disparado, com medo do que pudera ter causado tal coisa.
Não, não era um relâmpago. Não tinha nada em comum com os barulhos da chuva, mas, apenas para confirmar, ela correu para a janela, vendo o quintal da casa. Tudo meio enlameado, mas nada caído. Nada que pudesse provocar um kabum em seus pings.
Assustada, ela olhou para o banheiro. Precisava descobrir o que havia feito aquilo. Precisava de Luís.
Bateu na porta.
— Luís? – Chamou. O chuveiro continuava ligado, então achou que o garoto talvez não a escutasse por causa disso. – Luís, você ouviu isso? – Perguntou, a voz mais firme e alta.
Nada.
Os olhos arregalaram, havia algo de errado com Luís. Ele estava sempre tão preocupado com ela, teria escutado kabum e as perguntas sobre ele, com toda certeza.
Então, com o coração em frangalhos, ela finalmente percebeu.
Kabum havia sido Luís.
Sem nem pensar duas vezes, virou a mão na maçaneta, escancarando a porta. E a cena que a viu a seguir parou seus batimentos cardíacos, arregalou seus olhos e abriu suas cordas vocais.
Havia começado o terror.
Capítulo TrêsO grito agudo e cheio de temor preencheu a casa instantaneamente, provocando reações atribuladas nos cômodos ocupados.A chuva batia na casa, corroborando ao clima sinistro e suspeito da casa. No meio do nada, em uma vila tranqüila onde os vizinhos mais próximos podiam estar até à um quilômetro de distância.O que estava se fazendo parou. O primeiro casal a reagir, talvez porque estavam mais controlados pela conversa que tiveram mais cedo sobre “não atropelar os passos”, dói Arthur e Léa. Os dois pararam, instantaneamente, de se beijar e se entreolharam, à meia luz do abajur da escrivaninha do garoto.Arthur arqueou a sobrancelha, Léa, em seu colo, levantou-se, curiosa.— O que foi isso? – Ela perguntou.Arthur balançou a cabeça, informando que não saberia dizer. Ele alcan&cced
Pedro e Belinda foram encarregados de olhar quarto por quarto, no andar superior. Pedro estava muito tranqüilo sobre a escuridão e parecia ter decorado a casa, caminhando em passos decididos, com Belinda grudada em seu braço.Eles quase não tinham iluminação no corredor. Não haviam janelas fora dos quartos, no andar superior, então a pouca luz que chegava para eles era mais reflexo dos relâmpagos das janelas do térreo.— Qualquer coisa, gritem – Arthur passou por ele, falando. – Estaremos lá embaixo.Léa e Arthur olhariam o andar inferior enquanto Fabrício e Catarina ficariam no quarto, esperando caso Raquel voltasse. O casal sumiu logo, descendo as escadas e Pedro procurou as duas bolinhas brilhantes que eram os olhos de Belinda. Sorriu.— Então... Vamos?Belinda concordou com a cabeça antes de se lembrar que Pe
Pânico. Medo. Desespero.Catarina encarava o vazio a sua frente, sem saber o que poderia esperá-la caso desse um passo em qualquer direção.— Fabrício? – Ela tentou novamente.Ao fundo, ouviu uma risadinha baixa, mas achou que era fruto da sua imaginação assustada.Seu coração estava batendo assustadoramente forte e ela achava que qualquer um, em uma distância razoável, poderia ouvi-lo. Sua respiração estava pra lá de alterada e suas mãos, completamente soadas, tremiam.Ele não respondeu. Fabrício não respondeu.E, no segundo seguinte, ela pensou que algo estava muito estranho naquela casa e que Luís não havia sido um acidente e Fabrício...Não. Não o Fabrício.Ela pensou em chamar alguém, mas todos estariam ocupados, no momento. Raquel est
Arthur não sabia pra onde ir. Léa estava grudada nele, com medo demais para que eles se separassem e pudessem ver, ao mesmo tempo, o porquê dos dois gritos em lugares diferentes da casa.Decidiu entrar no quarto mais próximo, o que era de Belinda, que Pedro aparentemente estaria ocupando também. Quem iria julgá-los? Ele e Léa estavam ocupando o mesmo quarto, embora fingissem que não.Entraram no quarto, mas, mesmo a luz de velas, não viram muita coisa. Léa apertou o braço de Arthur com força, escondendo o rosto no pescoço dele.— De novo não – Ela murmurou.Ele não entendeu o ataque de pânico dela, a principio. Mas, ao olhar para a entrada do banheiro da suíte, viu que havia sangue empoçado próximo a porta. Apurando os ouvidos, Arthur ouviu o lamento de Pedro.Ele agarrou Léa pelos ombros, os olhos de
A visão, embora horripilante, acalmou os dois que viram a garota adentrar a sala, tremendo e ensangüentada. Ela cambaleou, tonta, até Arthur, mais próximo, e desabou nos braços dele, chorando desesperadamente, fazendo com que o sangue seco em sua face desmanchasse e se misturasse as lágrimas.Parecia que Raquel chorava sangue.— Me... Me... Ata... Atacaram – Ela choramingou, entre soluços.Extremamente aliviado, Arthur abraçou a garota, sem ligar para o quão repulsiva ela parecia no momento. Léa parecia um pouco menos disposta a isso, mas cedeu quando a garota virou-se para ela, abraçando-a também.Raquel logo sentou-se ao sofá, do lado de Catarina, encolhida e assustada, ganhando um olhar respeitoso de Arthur. Seja lá o que for que atacara a garota, estava matando seus amigos. Pedro, Fabrício, Luís e Belinda pereceram nas mãos
Léa sentia sua cabeça explodir. Algo estranho estava em sua testa, ela tinha certeza. O que estava acontecendo? Ela estava tentando escapar com Arthur e, então, Raquel...Oh, não.Finalmente, tomada pela consciência do que acontecia, ela entendeu o que havia com seus braços. Estavam, de alguma forma, presos, pendurados. Ela não conseguia sentir o chão, sob os pés.Estremeceu, tentando se soltar.— Olhe quem acordou – Ela ouviu Raquel dizer.No segundo seguinte, antes que pudesse abrir os olhos, sentiu toda a sua pele queimando em contato com água fervente. Ela berrou, tentou se soltar, sem conseguir. Quando achou que sua pele não podia arder mais, água gelada foi jogada em cima dela. Tremeu, por alguns segundos, deixou-se desmaiar.Quando acordou, novamente, abriu os olhos, ardendo em ódio. Não entendia mais como loucura, o que
Os dois caminhavam pela terra seca, sem falar uma palavra sequer. Ele tinha o braço engessado e a mão do outro estava enfaixada, os pontos cuidando dos buracos que substituíram seus dedos. Ela não se importava, mas ele estava irritado em não poder entrelaçar os dedos nos dela. Tinha que se contentar em abraçá-la sempre de muito perto, o que acabava com tropeços.Léa ainda estava muito assustada e quase não parava de chorar quando ficava sozinha com ele. Ao público, ela parecia fria e calculista, parecia esperar quem seria a próxima a atacá-la. Ele tentava fazer um contraponto, ainda muito abalado, mas normalmente, o carinho que ambos sentiam pelo outro quebrava essas coisas.Poucos duvidaram da história contada. Infelizmente, a polícia fora um desses poucos. Eles vinham passando por inquéritos e intermináveis depoimentos sobre aquela noite nos &
Uma noite, sua filha entrou escondida na casa para fazer-lhes uma surpresa. Deveria saber que era uma má ideia, ela conhecia os próprios pais. Sabia pelo que eles haviam passado, embora não gostassem de falar sobre isso.Mesmo assim, ela queria lhes fazer uma surpresa. Que mal poderia fazer?Foi surpreendida por um tiro assim que alcançou as escadas. Com a mão sobre o peito, desfaleceu sob o olhar incrédulo do pai.Ela morreu quase instantaneamente.Arthur, ao ver sua filha morrer em seus braços por um tiro que partiu do comando do seu dedo, fez o impensável: matou a mulher para poupá-la da dor. E, em seguida, suicidou-se.