- Eles acreditaram nos papéis de renúncia da herança e no que papai assinou?- Não teria porque não... Já que era tudo original... E verdadeiro.- Não acredito que fez nosso pai assinar um documento em que lhe tirava da herança, sem saber.- Infelizmente precisei, Theo.- Raio de sol... Como pôde?- É só a porra de uma herança... E este dinheiro que faz com que esta gente me persiga. Mas teve a parte boa. Conheci as meninas... Elas são especiais.- Quem são elas?- Filhas de um dos tios falecidos. Não tenho certeza de Anya tem a guarda delas. Mas trabalham feito escravas. E não vão à escola.- Como assim não vão à escola? Isso é impossível.- Nada aqui é impossível. Theo. E acho melhor não ficar elogiando Anya, ou ela achará que está dando em cima dela.- Se eu não tivesse agido daquela forma, ela não teria me deixado ficar. Arrisquei e deu certo.- Você não pode ficar, Theo. Isto é coisa minha e preciso resolver sozinha.- Só o final de semana, meu amor... Por favor. Prometo que depo
Acordei com dor nas costas, percebendo que havia feito as pernas de Theo de travesseiro durante a noite. O observei dormindo sentado, recostado na parede, pendendo levemente para o lado direito. Os cabelos escuros estavam um pouco despenteados e a camiseta branca, um pouco justa, exibia cada músculo de seu corpo perfeito.Foram tantos anos sendo completamente louca por aquele homem. E ele estava ali, junto de mim, passando dificuldades e se submetendo a dormir uma noite inteira sentado, somente para estar em minha companhia.Às vezes eu achava que aquilo era surreal. Seria tão mais simples se eu contasse a meu pai e ele resolvesse tudo de forma prática: pagando para não ser incomodado e para que eu talvez nunca mais voltasse a saber o que os Hernandez faziam ou exigiam dos Casanova em troca da minha tranquilidade.Mas era hora de dar um basta naquilo: as chantagens, a ideia de sempre se dar bem às custas de outras pessoas. Eles precisavam entender que era melhor me ter longe, junto do
- Tem que provar para ter certeza de que não gosta. É bom. – Ela sorriu e piscou.- Obrigado, mas não. – Theo foi firme e sério.- Sua curiosidade de provar coisas novas deveria se estender também a mulheres... Sei que gosta de mais velhas. – Mordeu o lábio, depois tragando o cigarro de forma a parecer sensual.- Mas nem tanto. – Theo não se conteve.Ela estreitou os olhos e antes que dissesse alguma coisa, ouvimos um som horrível vindo dos fundos e dei um salto, agarrando-me a Theo.- O que... É isso? – Perguntei, a voz fraca, sentindo o coração de Theo tão acelerado quanto o meu.- Sandro e Daltro estão testando miras lá nos fundos da casa. – Ela explicou, sentando-se novamente, pouco preocupada.- Com armas? Isto é tiro? – Theo perguntou.- Sim. – Ela deu de ombros.Peguei a mão de Theo:- Vamos lá...Enquanto andávamos pelo corredor e as meninas nos seguiam, avisei:- Vão para o quarto e não saiam de lá.- Mas a gente quer ir com você, Malu.- Não, isso não é coisa para crianças.
Theo jogou a arma no chão e saímos correndo em direção à Anya, que gritava no meio do matagal, feito um animal ferido.Vi o sangue no pé sem calçado, com alguns pingos no gesso que encobria a perna.- Porra! Eu acertei ela! – Theo gritou, em desespero, pegando Anya no colo, retirando-a dali, em direção à casa.Corri atrás dele, apavorada enquanto via o pé dela completamente sem movimento, o sangue escorrendo pelo trajeto. Assim que chegamos na casa, ela foi indicando onde ficava seu quarto, que era numa pequena porta, próxima da sala, afastado dos demais dormitórios que ficavam no corredor estreito.O local era fétido e as paredes beges escurecidas pela fumaça do cigarro. Tinha uma minúscula janela sem vidros, que mal deixava o espaço arejar. A cama era de casal, de tamanho mediano, menor do que as que eu estava habituada. O armário era de duas portas e as minhas duas malas estavam abertas no chão, com as roupas espalhadas para todos os lados.Sandro e Daltro apareceram, logo depois.
- Precisa vir comigo, Maria Lua. Este homem não vale nada. Eu poderia ter morrido... Dimitry poderia ter morrido.- Eu não tenho mais medo dele, Theo.- Não posso deixá-la aqui junto desta gente, raio de sol. Você é tudo que eu tenho.Peguei sua face entre minhas mãos e olhei em seus olhos, com o sol fraco do entardecer iluminando suas íris verdes feito esmeraldas:- Confia em mim, Theo, por favor! Você já veio até aqui sem antes me consultar. Acredite, estou bem.Theo deu alguns passos para trás e depois voltou, beijando-me. Senti sua língua pedindo passagem na minha boca e segurei sua nuca com força, puxando-o ainda mais na minha direção. Foi um beijo de tirar o fôlego, literalmente, já que eu quase não conseguia mais encontrar ar quando finalmente ele me largou.- Isso é uma loucura, Maria Lua! – sorriu – Eu dei um tiro em Anya Hernandez. – Fez careta.- Obrigada por isso. – Ri.- Eu poderia ter acertado o coração da velha. E ela estaria morta esta hora.- Teria feito um grande bem
- Estou falando das suas netas, porra! – Gritei.- Não sou mãe delas. Meus filhos eu criei.- E muito mal, por sinal.- Sua vadiazinha atrevida. – Vociferou, incapaz de levantar da cama.- Você é responsável pelas meninas.- Não, eu não sou responsável por elas. Está redondamente enganada.- Então quem é?- Se elas não têm pai e mãe, ninguém é responsável. As deixo morar aqui, porque tenho um coração muito mole.- Você tem o coração mole? – Ri, em tom de deboche, incrédula com o cinismo dela.- Estas meninas estão sempre correndo por aí... Logo aparecem. Não há motivos para ficar nervosa deste jeito, Maria. – Ela virou-se para o lado e voltou a dormir.Corri até o quarto de Sandro e bati. Ele abriu a porta, usando somente uma bermuda solta, o peito nu. Os cabelos estavam desgrenhados.- Você... Estava dormindo?- Tentando... – Alegou, me olhando ainda segurando a porta.- As meninas sumiram.- Logo elas aparecem.- Sandro, pode ter acontecido algo grave com elas.- Tipo o que? – ele r
- Ama mais Theo. Depois os seus pais... Talvez as meninas... Dimitry... Depois vem eu e Anon. – A voz foi triste.- E eu sou o último da lista. – Anon observou. – Para elas eu sou o primeiro.Kimberly deu um beijo nele:- Eu queria que meu pai fosse como você, Anon!Não foi uma visão. Eu vi com meus próprios olhos Anon derramar uma lágrima, que desceu pelo rosto, morrendo na barba bem aparada.- Elas não têm amor aqui, a não ser o meu – confessei – Meninas, o que acham de entrar no carro e esperar um minutinho?- Quem sabe vão abrindo os brinquedos? – Anon sugeriu.Elas se olharam e começaram a rir, batendo os pezinhos e descendo do colo deles, indo para o carro.- Ninguém além de mim se importa com estas pobres criaturas naquela casa. – Observei.- Elas são especiais. Como podem ser ignoradas desta forma?- Não vão à escola, são tratadas como empregadas... E ninguém se importa de verdade com elas.- Disseram que o pai morreu recentemente. – Anon observou.- Sim. – Confirmei – Não ten
Naquela noite as meninas se remexeram em seus colchões no chão, num sono completamente agitado, certamente por conta dos tantos doces que comeram e a empolgação do dia perfeito que passaram. Ouvi os nomes de Ben e Anon durante horas, que até cheguei a enjoar. Estavam maravilhadas com tudo que viveram em algumas horas.A cada vez que se remexiam, eu acordava. E a cada uma delas, minha cabeça pensava sem parar. E surgiam cada vez mais planos, sendo que em todos eles, Anya e Daltro eram punidos.No dia seguinte, deixei as meninas prepararem o almoço, como faziam de costume antes de eu chegar naquela casa. E Anya, completamente desconfiada, recusou-se a comer o que elas fizeram.No próximo dia, embora a comida tivesse com uma aparência maravilhosa, ela cheirou e ainda assim não teve coragem de provar. Só aceitou comer um pouco no quarto dia.Assim que pôs uma garfada na boca, achei que pudesse elogiar, já que o semblante se iluminou, certamente pelo gosto bom do que foi preparado pelas pe